Depois do ocorrido do dia 8 de janeiro do ano passado, diversos setores da esquerda aderiram à terminologia de “terrorista” para descrever a ocupação dos prédios públicos na capital federal por parte dos bolsonaristas insatisfeitos com o resultado eleitoral. Tradicionalmente, a direita, de conjunto, classifica qualquer tipo de movimento político, principalmente aqueles com braços armados, contra a dominação do capital internacional como “terrorista”, o principal exemplo atual sendo, naturalmente, a resistência armada palestina liderada pelo Hamas contra a ocupação nazista de “Israel”.
Como consequência disso, por exemplo, a direita acusa o Partido da Causa Operária (PCO) de “apologia ao terrorismo” pela defesa incondicional do Hamas e demais organizações palestinas lutando contra Israel. Chegou ao ponto de deputados bolsonaristas protocolarem uma queixa-crime contra dirigentes da organização trotskista, bem como do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) abrir um inquérito contra o Partido.
O termo perdeu qualquer significado que pudesse ter para se transformar numa das muitas maneiras de se acusar inimigos políticos. A pergunta a ser feita, portanto, não é exatamente “o que é terrorismo”, mas sim “quem introduziu o terrorismo como acusação ‘grave’ contra seus opositores políticos?” Responder a essa segunda pergunta resultará em responder à primeira, na verdade.
É de conhecimento público que a repressão imposta pelos nazistas tinha uma metodologia minuciosa digna dos alemães. Na verdade, o imperialismo “democrático”, e as ditaduras de tipo fascistas por esse implantadas pelo mundo todo, aprendeu muito com os nazistas sobre o tema. Exemplos importantes sendo o controle rígido do armamento civil e a caracterização de todos os seus opositores como “terroristas”.
Se boa parte dos exércitos regulares da Europa capitularam rapidamente perante a ofensiva alemã, o mais famoso exemplo sendo a capitulação francesa em meras seis semanas, a luta insurgente contra a ocupação foi duradoura e foi um ingrediente essencial para a derrocada dos regimes fascistas estabelecidos em todos os países ocupados pelo imperialismo alemão.
Ian Ousby escreveu no livro Occupation: the ordeal of France, 1940-44:
“Naturalmente, [o governo de Vichy] se juntou ao Reich na denúncia de que os maquisards [operários franceses que se refugiaram nas montanhas contra o Service du travail obligatoire, pelo qual seriam enviados à Alemanha para realizar trabalhos forçados, e que progressivamente se armaram e transformaram-se numa guerrilha rural] eram criminosos comuns, tachando-os de ‘bandidos’ e ‘terroristas’.”
Já Terry Crowdy escreveu em French Resistance Fighter: France’s Secret Army:
“Na era moderna, soldados passaram a esperar por um tratamento relativamente justo caso capturados ou feridos em batalha. Infelizmente, membros da Resistência eram categorizados não como soldados, mas como terroristas e criminosos […] Os depoimentos de prisioneiros sobreviventes indicam todos a falta de humanidade em seu tratamento. Eram mantidos em um regime de comida insuficiente e estragada, em celas lotadas infestadas de piolhos, pulgas e percevejos, e apanhavam ou eram colocados em confinamento solitário. Tortura era utilizada de maneira rotineira […]”
Do ponto de vista visual, é célebre l’affiche rouge (o pôster vermelho) distribuído pelos nazistas e pelo governo de Vichy em Paris durante a primavera de 1944, em que se lê “Libertadores? A libertação pelo exército do crime!”
Estes seriam alguns poucos exemplos do caso francês, no entanto, tratava-se de um fenômeno geral: aqueles que lutavam contra a ocupação alemã eram terroristas, porque se colocavam contra a ordem ditatorial vigente. Nesse caso, “terrorista” é justamente aquele que luta contar a ditadura que o imperialismo impõe sobre o mundo todo, eram os guerrilheiros da esquerda que lutaram contra as ditaduras fascistas na América Latina, os guerrilheiros islâmicos que combatem o imperialismo no Oriente Médio, as guerrilhas rurais contra as ditaduras sanguinárias no Sudeste Asiático, etc.
É este o verdadeiro significado de “terrorista”.