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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

"FAKE FOTO"

Pasmaceira

A levar em conta os interesses da burguesia entreguista, para quem os programas sociais são “gastança” e o teto de gastos é um dogma, Lula deve manter-se alerta.

Desde o dia 8 de janeiro, a invasão dos prédios dos três poderes tem pautado o noticiário, seja em seus desdobramentos políticos, com trocas nos comandos militares e prisões dos manifestantes, seja em entrevistas com restauradores de obras de arte etc.  A Folha de São Paulo, cansada do marasmo da cobertura jornalística da política, decidiu inovar. Dez dias depois dos ataques, publicou em sua primeira página uma fotomontagem em que o presidente Lula aparecia, de cabeça baixa, atrás de uma vidraça trincada por lançamento de objeto pontiagudo ou projétil na altura de seu coração, acompanhada da seguinte legenda: “Foto feita com múltipla exposição mostra Lula ajeitando gravata e vidro avariado em ataque”. A manchete, ao lado da foto, em letras grandes, trazia os dizeres “No foco de Lula, presença militar no Planalto é grande”.

Como a maioria dos leitores, entre os quais o ombudsman do jornal, não percebeu estar diante de uma obra de arte, a celeuma logo se instalou. Afinal, Lula estava mesmo atrás daquele vidro trincado por furo de bala? Não, não estava. A tal técnica da “múltipla exposição” consiste em sobrepor imagens que estejam “no mesmo contexto”, criando uma espécie de leitura interpretativa dos fatos. A maestria da coisa está na habilidade do fotógrafo de fazer o encaixe perfeito entre as imagens.

Como primeira página de jornal não é galeria de arte, fica evidente que a eleição dessa foto para o espaço de maior destaque da edição requeria outro tipo de encaixe: o encaixe editorial, digamos assim. Embora, diante da grita nas redes sociais, o jornal tenha reagido com a singela explicação de que sua editoria de fotografia “está modernizando o registro imagético tradicional do poder em Brasília” e de que era preferível “correr os riscos da renovação a reforçar a pasmaceira”, os leitores mostraram que não é preciso ser doutor em semiótica para captar a intenção do editor.

Para facilitar o raciocínio, imaginemos que Gabriela Biló, a talentosa fotógrafa da nova geração da Folha de São Paulo, autora da proeza, ou qualquer colega sua tivesse feito a sobreposição da imagem do sujeito que defecava numa mesa do STF a uma imagem de Luís Roberto Barroso sentado na cadeira e, num terceiro encaixe, usasse a vidraça em que os bolsonaristas picharam “Perdeu, mané”, a frase com que, em Nova York, o ministro respondeu a uma interpelação de um homem que queria saber se ele liberaria o código-fonte da urna eletrônica.  Estaria criado um efeito surpreendente e inovador! Teria o editor publicado a obra-prima na primeira página? Caso algum dos artistas do jornal se tivesse dado a uma ousadia desse calibre, talvez já estivesse devidamente demitido, ainda que seu trabalho fosse sério candidato a romper a pasmaceira da cobertura jornalística da imprensa porta-voz da burguesia.

Não se trata de achar que a montagem em si vá induzir alguém ao ato, mas, pior que isso, sugere que, nesse “contexto”, aquilo que ela falsamente retrata poderia acontecer. Considerando, porém, que os manifestantes invadiram os prédios vazios, num domingo, e, embora tenham destruído vidraças, móveis e objetos de arte, não estavam armados, talvez a ideia da fotógrafa da Folha não estivesse exatamente no “contexto”, mas esteja na cabeça de algum golpista muito discreto, que bem gostaria de ver Geraldo Alckmin sentado na cadeira de Lula.

Essa foto provocadora, de fato, nos tira da pasmaceira. Somos levados a pensar que os donos da imprensa que “defende a democracia”, mas não defende o governo Lula, poderiam estar torcendo para que um maluco bolsonarista (são tantos os “terroristas” espalhados pelo país!) fizesse o serviço para eles. Nesse caso, a foto seria uma espécie de “ato falho” – aquela manifestação de desejo recalcado.

A levar em conta os interesses da burguesia entreguista, para quem os programas sociais são “gastança” e o teto de gastos é um dogma, Lula deve manter-se alerta. A fotomontagem, afinal, também pode conter uma ameaça velada. A artista mal compreendida, que se disse vítima do “hate” (“ódio”, dito em inglês, dá mais projeção) nas redes sociais, explicou que viu na figura de Lula “ajeitando a gravata”, de cabeça baixa, uma imagem de resistência. Quem resiste ao que quer que seja de cabeça baixa? Nessa posição, por trás do vidro trincado, Lula mais parece vencido ante a ameaça.

Essa é uma mensagem desse jornal, que representa os banqueiros. Como se vê, na lógica da imprensa burguesa, sendo apropriado aos seus interesses, vale tudo, até “fake foto”, como disse um de seus leitores. Que isso sirva de alerta à esquerda pequeno-burguesa, que reproduz feito papagaio as ideias propaladas por essa imprensa golpista, useira e vezeira de criar ardis para manipular a população. Lula vai precisar do povo para defender o seu governo. Não é mesmo hora de pasmaceira.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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