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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Economia

O significado histórico do BRICS+ na atual conjuntura mundial

O BRICS está se expandindo exatamente em paralelo ao processo de perda de liderança dos europeus e dos norte-americanos

Conforme definido na reunião de cúpula do BRICS, a partir de janeiro de 2024, a Arábia Saudita, Argentina, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos estão convidados a fazer parte do bloco de nações emergentes. É a primeira expansão desde 2011, quando ocorreu a entrada da África do Sul no grupo. Com a entrada desses países, o BRICS representará cerca de 46% da população mundial e quase 36% do PIB global em paridade de poder de compra.

Foi anunciado que os bancos centrais e ministérios da Fazenda e Economia de cada país ficarão responsáveis por realizar estudos em busca da adoção de uma moeda de referência do BRICS para o comércio internacional. O objetivo é fugir da ditadura do dólar, que obriga uma boa parte dos países do mundo, sobretudo os subdesenvolvidos, a demandarem permanentemente o dólar, sob pena de não poderem realizar transações internacionais. Trata-se de aumentar opções de pagamento e reduzir vulnerabilidades financeiras dos países em desenvolvimento, ou subdesenvolvidos, do BRICS.

A incorporação dos seis novos membros no bloco significa uma expressiva mudança da ordem internacional, forjada há muitas décadas e controlada pelos países imperialistas, EUA à frente. O processo de maturação dessa mudança será lento, os efeitos e as consequências mais importantes da decisão do BRICS irão aparecer paulatinamente. Mas tendem a ser cada mais significativos. O BRICS representa os países “pobres” que são, ao mesmo tempo, muito ricos em recursos naturais. São países que guardam diferenças entre si, nos mais diversos aspectos, são subdesenvolvidos, com PIBs per capitas bem inferiores aos países imperialistas. Mas alguns já são potências setoriais (como China e Rússia no campo militar) e potências econômicas regionais, e até mundiais (como a China, que tem um bom número de empresas na lista das maiores do mundo, e até aqui o segundo PIB mundial).

A guerra na Ucrânia, que confronta os países da OTAN, liderados pelos EUA, com a Rússia, acabou tornando a organização do BRICS, que antes só se preocupava com economia e articulação geopolítica entre os países membros, em uma organização de resistência política e econômica.  O BRICS, neste contexto internacional de provocação e confronto, na Europa, e em Taiwan, poderá se transformar, nos próximos anos, em um grupo de poder com condição de limitar cada vez mais o espaço de dominação dos países imperialistas no mundo – sem uma visão unilateral, defendendo o multilateralismo. Como se sabe, os países que compõem os BRICS possuem grandes reservas de petróleo, são grandes produtores de alimentos e possuem populações e territórios imensos. A disputa sempre presente por fontes de energia, sem as quais a economia mundial não se moveria, endureceu fortemente nos últimos anos, como fica evidente na Guerra na Ucrânia e na própria intensificação da limpeza étnica que Israel está tentando promover na Faixa de Gaza.

Pudemos constatar a importância da expansão do Bloco com o que aconteceu no bloqueio econômico à Rússia, a partir da guerra na Ucrânia. Não deve ter havido no mundo bloqueio mais drástico do este que está sendo feito à Rússia, comandado pelo império americano. No entanto, como a Rússia produz alimentos e é uma potência de petróleo e gás, além de minerais essenciais, a vida seguiu praticamente normal no país (até com um certo surto de reindustrialização, em função das sanções econômicas).  Em contrapartida, os países da Europa Ocidental, que aderiram de forma subserviente ao bloqueio econômico, estão vivendo uma crise que mistura baixo crescimento com preços altos (a chamada estagflação), já que estão importando gás dos EUA, entre outros, a preços muito mais elevados.

A partir de 2024, o BRICS+ reunirá alguns dos países detentores das maiores reservas de petróleo e gás (além dos dois maiores importadores, China e Índia), além de incluir alguns dos seus maiores produtores de grãos e alimentos do mundo. A Rússia, por exemplo, apesar de ter a base econômica concentrada em commodities, tem uma certa indústria, e é uma potência na produção de hidrocarbonetos, ocupando a posição de principal exportador e segundo maior produtor de gás natural do mundo. É também o segundo maior exportador e terceiro maior produtor de petróleo. Essa é uma das razões pelas quais o monstruoso boicote econômico imposto ao país não surtiu maiores efeitos.

Mas o maior poder e o maior golpe econômico desferido contra os interesses americanos está na área financeira, com a intenção e o início da substituição do dólar por moedas locais, nas atividades financeiras internacionais. Isso irá atingir em cheio o poderio do império americano e mundial, em boa parte assentado na hegemonia do dólar, que fornece aos EUA um privilégio incomparável.  A reunião na África do Sul, de forma discreta, antecipou a substituição do dólar nas transações energéticas entre os países-membros do grupo e desses países com todas as suas “zonas de influência”.  A vizinha Argentina já está comerciando em Yuans com a China, seu segundo parceiro comercial mais importante. Mas esse processo tende a ser lento, gradativo, porque o sistema monetário internacional é bastante complexo. Ademais, a transição não pode dar errado, sob pena de colocar o próprio projeto dos BRICS em xeque.

A hegemonia do dólar já tem quase 80 anos, vem desde os Acordos de Bretton Woods, em 1944. Não podemos ter dúvidas que, em boa parte, a dominação imperialista se dá sobre essa hegemonia da moeda. Quando os líderes do BRICS falam em substituir o dólar pelas moedas nacionais, ou por uma futura moeda do bloco, isso significa quase uma ameaça de morte para o imperialismo, porque boa parte do poderio norte-americano está assentado sobre o privilégio de sua moeda nacional ser a moeda de curso mundial nas transações econômicas.

O BRICS não é uma organização militar, pelo menos por ora, e nem se propõe a ser. Mas desse ponto de vista, a aliança estratégica da Rússia com a China, que se fortaleceu muito no episódio da Guerra na Ucrânia, por si mesma, é um contraponto ao poder miliar dos EUA e da Europa. Mas não há discussões, públicas pelo menos, de conversão do Bloco em uma organização militar. Se houvesse, a hostilidade do imperialismo em relação ao bloco, que já é grande, seria mais grave. De qualquer forma, o genocídio do governo de Israel na Faixa de Gaza, que é o acontecimento mais impactante, talvez, no último meio século, deverá alterar muitas peças na geopolítica internacional (além de impactar seriamente o futuro bloco, com a incorporação de três países muçulmanos, dois deles árabes).

A grande imprensa brasileira bateu duro no governo, alegando que o país perdeu força com a ampliação do BRICS, no chamado BRICS +. Claro que a influência do Brasil no bloco é limitada. Por mais carismático que seja o presidente Lula enquanto liderança de caráter até global, o Brasil não conseguirá atingir no curto prazo o nível de desenvolvimento que alguns países do Bloco já possuem. O Brasil não é uma potência econômica e tecnológica como a China, ou uma potência militar como a Rússia. Ou mesmo uma potência militar e tecnológica como a Índia. As condições desses países, nas áreas citadas, é fruto de muitas décadas de lutas e de investimentos. O processo brasileiro, neste momento, é de reconstrução nacional. A economia tem melhorado um pouco, mas não há nenhuma garantia, inclusive, de que conseguiremos tirar o país das atuais dificuldades, a disputa é muito acirrada.

Mas é difícil aceitar a ideia de o Brasil será prejudicado por compor o BRICS, como apregoa a grande imprensa. Os números do bloco, em termos de representativa da economia global, são eloquentes: 36% do PIB mundial, como vimos. Qual aspecto da participação no bloco que poderia prejudicar o Brasil, é a pergunta que temos que fazer. Uma crítica muito frequente da imprensa nacional é de que o Brasil está se juntando no BRICS a ditaduras. O que pode ser bastante relativizado, considerando o que os países imperialistas fazem no mundo e com a sua própria população. Vejam, por exemplo, a atual conjuntura da França, na qual o governo impôs uma política autoritária de piora do sistema de aposentadoria e, em face dos protestos dos trabalhadores, a repressão foi violentíssima. Na França mesmo, e Alemanha, a população tem ido para a cadeia por se manifestar a favor do povo palestino, cujo massacre está sendo transmitido em tempo real pela internet.

O BRICS está se expandindo exatamente em paralelo ao processo de perda de liderança dos europeus e dos norte-americanos, sobretudo depois do fracasso de sua tentativa de universalizar suas sanções econômicas contra a Rússia. Alinharam-se com os Estados Unidos e a Otan nessa empreitada um grupo de apenas 30 ou 40 países, uma minoria dentro do sistema das Nações Unidas.  É certo também que o BRICS se fortaleceu com a reação da Rússia em relação às provocações feitas através da Ucrânia. A invasão e a resistência russa dentro do território da Ucrânia, contribuiu para a implosão da “ordem mundial” estabelecida pelos Estados Unidos e seus aliados depois do fim da Guerra Fria.  Ademais, a guerra fortaleceu grandemente a aliança estratégica entre a Rússia e a China, que deu alguns passos diplomáticos gigantescos à sombra da própria guerra, na direção do estreitamento de suas relações econômicas e estratégicas e do alargamento de sua influência sobre o Oriente Médio e a África. Incluindo esta expansão recente e bem-sucedida dos BRICS.

Interessante foi a entrada da Argentina no BRICS, que é reveladora da própria força do Brasil no interior do Bloco. Dentre outros aspectos, ela abre possibilidades de uma zona de desenvolvimento na região, fortalecendo, por tabela, o próprio Mercosul. A entrada da Argentina no Bloco assusta particularmente os EUA, porque Brasil e Argentina são as duas economias mais importantes da América do Sul. Como se sabe, os EUA consideram a América Latina como seu quintal dos fundos. Claro, neste momento, não existem garantias de que a Argentina vá ingressar no bloco. Javier Milei, candidato de extrema-direita, autointitulado “libertário” e anarco-capitalista, está no segundo turno, que será realizada em 19/11. Milei promete, se eleito, não ingressar no BRICS, que, segundo ele, é um “bloco de países comunistas”.

A Argentina precisaria ingressar no BRICS, até para fortalecer sua luta contra a brutal crise econômica que está enfrentando. Diferentemente do Brasil, que possui robustas reservas internacionais (que hoje estão em 314 bilhões de dólares, acumuladas desde o primeiro governo Lula), a Argentina não dispõe deste recurso. Por conta disso, o país contraiu uma dívida externa de US$ 45 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI), uma herança do governo de Maurício Macri, considerado desastroso. Além de estar enfrentando a maior seca da história, que fez o país perder este ano US$ 25 bilhões em exportações. Ou seja, o futuro da Argentina depende da construção de alternativas.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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