Esses dias, tive a oportunidade de conhecer um filme extraordinário, que merece atenção de todas as pessoas que estão no caminho revolucionário.
Trata-se de uma produção estadunidense, lançada em 1954, chamada O Sal da Terra (Salt of the Earth), dirigida por Herbert J. Biberman.
O enredo é baseado em fatos reais. Em uma mina no estado do Novo México, trabalhadores entram em greve por melhores condições de trabalho.
O filme é uma dramatização de uma greve que realmente aconteceu no mesmo estado e durou 15 meses, com vitória dos mineiros.
Os motivos são vários: falta de segurança nas minas e baixas condições salariais oferecidas aos trabalhadores de origem hispánica e falantes de espanhol.
Os donos das minas usam esse fato como subterfúgio para pagar salários menores a esses trabalhadores, provocando uma cisão com seus colegas considerados americanos legítimos.
Porém, essas pessoas não são imigrantes. São norte-americanos nascidos em um estado que foi anexado ao território dos Estados Unidos em 1848, ao final da Guerra Mexicano-Americana.
No início do filme, um dos personagens afirma que as terras onde as minas estavam pertenceram ao seu avô, sugerindo que os colonos foram roubados no final da guerra. Nada mais estadunidense.
Biderman usa o material histórico para testar vários elementos narrativos e dramáticos. O filme usa atores profissionais e moradores da própria localidade, como faziam, na época, os cineastas do neo-realismo italiano.
Com um narrador em primeira pessoa, é possível identificar vários elementos épicos, principalmente didáticos, que visam quase documentar o processo da greve, sua organização, as lideranças, os processos decisórios, as assembleias e a participação de membros da Internacional Comunista.
Além desses aspectos, o filme também escolhe uma família para sua parte dramática. No caso, temos a história de Ramón Quintero (Juan Chacón, um ator não profissional) e de sua esposa Esperanza (Rosaura Revueltas, atriz profissional), grávida de seu terceiro filho.
Esperanza é a narradora da história, que aborda também a importância da luta feminina, das esposas e mães, para o sucesso da greve. O filme acompanha a transformação da personagem de uma dona de casa medrosa e beata até se tornar uma das líderes do movimento. Em uma das cenas mais marcantes, ela é presa com seus filhos, inclusive o bebê que nasce durante o período de manifestação.
A personagem tem algo de A Mãe, de Gorki, mostrando que o diretor e o roteirista conheciam amplas referências e que as usaram para construir sua história.
O Sal da Terra também é um verdadeiro filme de protesto. Ele foi feito no auge da perseguição política do governo aos partidos de esquerda, em especial, o Partido Comunista.
Esse momento ficou conhecido como macartismo, em referência ao senador que liderava a perseguição no Congresso dos Estados Unidos, no âmbito da Guerra Fria.
O filme foi censurado e banido. Seu diretor foi condenado à prisão. Seu crime: atividades consideradas anti-americanas.
Biberman integrou o grupo que ficou conhecido como The Hollywood 10 e que foi retratado no filme Trumbo: Lista Negra (Trumbo, 2015) (leia minha crítica aqui).
Em um pequeno documentário de 1950, disponível no YouTube, os 10 condenados discutem as arbitrariedades da perseguição e a liberdade de expressão naquele momento. Vale assistir. Suas perguntas não poderiam ser mais atuais.
Nesse contexto, o filme O Sal da Terra é também um documento de um momento em que a esquerda americana, forte e organizada, estava sendo massacrada.
A perseguição foi tão grande que, até hoje, os partidos de esquerda são inexpressivos nos Estados Unidos, apesar da organização sindical de algumas categorias, como os professores.
A luta de classes continua nesse país, se acirrando a cada dia. Mas o movimento operário ainda está muito distante da organização necessária para que haja uma mudança efetiva nessa sociedade. Resultado da intensa perseguição que filmes como esse nos ajudam a compreender.