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Carla Dórea Bartz

Jornalista, com 30 anos de experiência (boa parte deles em comunicação corporativa). Graduada em Letras e doutora pela USP. Filiou-se ao PCO em 2022.

Cinema

Trumbo e a repressão anticomunista nos Estados Unidos

Filme americano relata a perseguição à esquerda nos Estados Unidos no período entre 1940 e 1960

Trumbo: Lista Negra (Trumbo, 2015), filme de produção estadunidense dirigido por Jay Roach, é um poderoso drama hollywoodiano sobre o período de caça aos comunistas neste país logo após o fim da II Guerra Mundial.

Na história, um grupo de roteiristas, que mais tarde ficaria conhecido como os “The Hollywood Ten”, é acusado de serem comunistas por uma comissão de investigação de atividades antiamericanas da Câmara dos Deputados (House Un-American Activities Committee – HUAC).

O objetivo do filme é mostrar como a perseguição arbitrária do governo foi, na verdade, um ataque à liberdade de expressão e de livre associação e, portanto, um ataque à própria democracia.

A comissão foi apenas uma das iniciativas parlamentares, com apoio do executivo, contra opositores de esquerda nos Estados Unidos no período que vai do final da década de 1930 até a década de 1970.

Nos anos 1950, o senador republicano Joseph McCarthy acusou de atividades contra a nação centenas de cidadãos, que tiveram suas vidas destruídas. O fenômeno ficou conhecido como macarthismo.

A HUAC, fundada em 1938, não ficou atrás. Nos dois exemplos, percebemos a mesma forma de ação: o Estado perseguiu indivíduos por suas posições políticas, consideradas criminosas e de ameaça ao país e, portanto, passíveis de punição. Muitos americanos foram presos, exilados ou morreram por conta desta arbitrariedade.

A propaganda e o apelo a um sentimento nacional foram fundamentais para que as ações pudessem acontecer. Neste caso, os americanos compraram gato por lebre: autorizaram o estado burguês capitalista a eliminar aqueles que ameaçavam sua ordem por lutarem por uma sociedade mais justa.

A ação do filme começa em 1947 e é uma biografia centrada na figura do escritor e roteirista Dalton Trumbo (1905-1976), vencedor de dois Oscars e comunista assumido.

Na história, Trumbo é denunciado por companheiros e vai preso. Ao sair, os estúdios lhe negam trabalho e ele é obrigado a escrever na clandestinidade, sob pseudônimo. Família, filhos e amigos também sofrem com a situação.

É interessante notar as datas. A HUAC foi fundada na véspera da Guerra, quando Hitler já era chanceler alemão havia pelo menos cinco anos. Suas atividades aconteceram durante todo o conflito e a perseguição em Hollywood começou apenas dois anos após o seu fim.

No início do filme, ficamos sabendo que milhares de cidadãos e centenas de trabalhadores da indústria cinematográfica eram filiados ao Partido Comunista dos Estados Unidos na ocasião. Essa adesão não só estava ligada ao esforço contra os nazistas, mas também refletia a consciência política dos americanos em um período em que havia movimentos operários em todo o mundo.

O nazismo foi uma reação a esses movimentos: destruiu uma possível insurreição dos trabalhadores alemães e avançou contra o comunismo soviético, apesar do stalinismo tê-lo comprometido. O avanço de Hitler no leste europeu foi um massacre, só derrotado pelo Exército Vermelho após milhões de mortes (leia aqui nossa análise dos filmes Vá e Veja e O fascismo de todos os dias).

Foi neste contexto que a burguesia americana, buscando lucros, lutou contra os nazistas e não hesitou em jogar duas bombas atômicas no Japão. Em seu próprio país, tratou de eliminar pela raiz qualquer ameaça comunista. Após a Guerra, assumiu de cara limpa seu extremismo de direita no lugar da Alemanha, sempre escamoteado como defesa da liberdade e dos valores americanos.

Quando a perseguição arrefeceu, o estrago já era grande. No filme, há uma cena que particularmente nos interessa e que nos ajuda a entender os motivos.

Estamos em 1960 e, neste momento, Trumbo começa a reverter sua situação entre seus pares na indústria de cinema. Num dado momento, sua filha adolescente Niki (Elle Fanning) precisa levar um importante roteiro a um estúdio, mas se recusa.

Ao longo de anos, diante da pressão, o roteirista tratou os filhos e a esposa como se fossem seus empregados. Niki protesta e mostra ao pai que ele está sendo o oposto do que sempre pregou: explorador e autoritário.

Ao colocar os personagens em ação, Roach usa a cena para mostrar uma mudança política geracional. Niki não quer fazer a entrega porque tem uma reunião com ativistas pelos direitos civis, ou seja, pelos direitos dos negros e das mulheres.

A encenação, aderente com esta mudança, mostra Niki como uma feminista. Estabelece que a luta revolucionária, antiquada, ficou para trás, dando lugar à luta reformista e pela inclusão social na figura “moderna” da personagem feminina e jovem.

Nascia ali, no entanto, o identitarismo moralista e pequeno-burguês que presenciamos nos dias de hoje. Em seu texto “Periodizando os anos 60”, o teórico norte-americano Frederic Jameson explicou o problema:

A este respeito, a fusão da AFL (American Federation of Labor) e da CIO (Congress of Industrial Organizations) em 1955 pode ser vista como “condição de possibilidade” fundamental para o desencadeamento da nova dinâmica política e social dos anos 60: essa fusão, que foi um triunfo do macarthismo, garantiu a expulsão dos comunistas do movimento operário norte-americano, consolidou o novo contrato social apolítico entre os empresários e os sindicatos norte-americanos e criou uma situação em que os privilégios da força de trabalho masculina e branca asseguram-lhe a precedência face às demandas dos trabalhadores negros, das mulheres e de outras minorias. Estas últimas não têm, portanto, lugar algum nas instituições clássicas de uma política mais antiga da classe trabalhadora. Estão assim “liberadas” da classe social no sentido carregado e ambivalente que Marx dá à expressão (no contexto dos enclosures, por exemplo): são excluídas das antigas instituições e ficam “livres” para encontrarem novos meios de expressão política e social.”

Nos anos 1950, a repressão foi tão forte que esmagou os sindicatos e acabou com o Partido Comunista. Na citação de Jameson, ele descreve uma situação de total capitulação: em nome dos chamados “valores nacionais”, algo que Hitler usou e abusou, o maior sindicato dos trabalhadores e o maior sindicato patronal se uniram. É algo como se a CUT se unisse à FIESP. Inimaginável (porém, possível). Foi o que aconteceu nos Estados Unidos.

No filme, de maneira complacente, isso é mostrado como a rebeldia empoderada de uma feminista adolescente.

De concreto é que estamos a quase 70 anos deste fato e o identitarismo moralista não conseguiu resolveu as contradições de classe. Porém, muitos ainda acreditam, de pé junto, que tudo é uma questão de políticas humanitárias de inclusão.

Faz 70 anos que a inclusão não consegue incluir. Pior, o identitarismo, exportado para o mundo todo como único horizonte de luta política, está cada vez mais parecido com seu algoz: autoritário e armado com o cancelamento de opositores e de artistas, com a correção dos discursos, com a reescrita da História e com a pregação a favor dos limites da liberdade de expressão.

O capitalismo, que no fundo financia tudo isso, continua firme e forte, levando todos nós, sem exceção, para um buraco sem fim.

Streaming

Trumbo pode ser assistindo de graça na plataforma SescDigital #CinemaemCasa.

O texto citado é:

JAMESON, Fredric. “Periodizando os anos 60” In: Pós-Moderno e Política. Org.: Heloisa Buarque de Holanda. Rio de Janeiro, Rocco, 1992, p. 86-87.

Artigo publicado, originalmente, em 24 de fevereiro de 2022

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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