Em 13 de abril de 1975, eclodiu a Guerra Civil no Líbano. Na realidade, não se tratava de uma mera “guerra civil”, mas de uma guerra de agressão arquitetada, impulsionada e travada pelo imperialismo e por “Israel” contra o povo palestino e suas organizações de resistência: a OLP e a Fatá, que haviam se estabelecido integralmente no Líbano em 1970, após serem expulsas da Jordânia.
No dia 6, uma semana antes da eclosão da guerra, houve uma partida de futebol amistosa no Líbano. De um lado, um dos principais times do país, o Nejmeh SC (Estrela Vermelha em português).
Do outro, um time composto por vários jogadores vindos de diferentes universidades de língua francesa. Segundo reportagem da época do jornal L’Orient-Le Jour, compareceram à partida 35 mil fãs de futebol.
Mas não se tratava de uma partida qualquer. De passagem pelo Líbano, em turnê mundial pelo New York Cosmos, estava o Rei Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos. Não era à toa que, em um país à beira de uma guerra de gigantescas proporções, que iria durar 15 anos, mais de 30 mil pessoas, dentre muçulmanos (inclusos palestinos), cristãos e judeus, que depois lutariam entre si, juntaram-se em um estádio de futebol para ver Pelé jogar.
Mesmo a Rede Globo, que busca a todo o momento rebaixar o futebol brasileiro, afirmou, em reportagem sobre o evento histórico, que “judeus, cristãos e muçulmanos esqueceram as diferenças para aplaudir e comemorar a entrada de Pelé em campo com a camisa da estrela vermelha de Beirute”, complementando que “seguidores de Maomé e de Jesus juntos em um só coro gritavam para Pelé: Deus da bola”. Sobre isto, deve-se lembrar que a guerra de agressão de “Israel” e do imperialismo contra a OLP e a Fatá no Líbano configurou-se em uma guerra civil, pois um setor da população, mais especificamente os cristãos maronitas, seus partidos e milícias fascistas (a exemplo do Cataebe e da Falange), foram mobilizados para esmagar os palestinos e suas organizações de resistência.
Na mesma reportagem, citada acima, um cidadão Libanês chamado Ali Jebai, comerciante bem sucedido, diz que ver Pelé jogar fez lhe trocar o fuzil pela bola, e frisa entender que a visita de Pelé foi responsável por adiar a guerra:
“Eu acho que a guerra iria começar antes do dia 14 de abril de 1975, mas a vinda do Pelé acho que atrasou um pouco, pois ele chegou dia 6 e a guerra começou dia 14”.
No mesmo sentido, o historiador Murilo Meihy também entende que a partida “serviu como trégua aos grupos armados que disputavam o poder”. O que serve para demonstrar que a grandiosidade de Pelé, como jogador de futebol, ultrapassou a barreira do próprio esporte, servindo para, em inúmeras ocasiões, unir os povos oprimidos, acabando com a diferença entre eles, mesmo que de forma temporária.
Quanto ao jogo em si, de forma um tanto curiosa, Pelé iniciou jogando na posição de goleiro, substituindo o titular Zein Hashem. Sim, como goleiro. A primeira defesa que fez foi aos dois minutos.
Contudo, sob o clamor da torcida, Hashem o substituiu aos 15 minutos do primeiro tempo, e o Rei foi para o ataque.
Vestiu a camisa 10 durante o jogo, na qual estava escrita “Rei Pelé”. Embora não tenha marcado os gols que deram a vitória ao Nejmeh, prestou importantes assistências aos jogadores que balançaram as redes: Youssef Al-Ghoul e Ahmed Shatila.
Pelé terminaria sua participação no amistoso a 9 minutos do término da partida, e do estádio rumaria a seu hotel.
Há relatos de que muitos vieram de Damasco, na Síria, para ver o gênio brasileiro jogar em Beirute.
Cerca de uma semana depois da partida, a guerra civil eclodiria no Líbano, e duraria 15 anos, com um saldo de mortos de cerca de 150 mil pessoas, resultado da intervenção de “Israel” e do imperialismo, para acabar com a luta do povo palestino. Não acabou, pois apesar da capitulação da Fatá, anos mais tarde viria o Hamas. E, dos escombros de Beirute, surgiria também o Hesbolá. Hoje, essas duas organizações estão entre as principais que conformam a resistência árabe, que trava a luta que resultará no fim de “Israel” e do sionismo.
Quando ao Rei Pelé, continuará na história como o maior jogador de futebol que já passou por este mundo, e, como um embaixador não apenas do esporte, mas dos povos oprimidos em sua luta contra o imperialismo, e de sua esperança de que dias melhores virão.