Dino, o divino

Flávio Dino usa a Bíblia, mas militares continuarão impunes

Flávio Dino recorre á Bíblia, mas nem Deus vai ajudá-lo a colocar genereais atrás das grades. Enquanto isso, bolsonaristas sem importância servem de bodes expiatórios

Adão e Eva são expulsos do Paraíso

Abaixo, reproduzimos parte do discurso de Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Lula, proferido nesta terça-feira (10), na posse do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues.

A Bíblia, no livro do Gênesis, trás o primeiro inquérito, a primeira ação penal e a primeira sentença. Em que foram condenados Adão, Eva e a Serpente. E Deus não fez anistia, Deus não transigiu com princípios. Deus aplicou a Lei. E Deus puniu, proporcionalmente Adão, Eva e a serpente. É isto que temos que fazer. Esse é o princípio da responsabilidade. E aqueles que dizem que são cristãos, mas que, em verdade, são aquilo que Jesus Cristo disse a respeito dos sepulcros caiados: por fora, ostentam supostos valores da família. Por dentro, são capazes de atos hediondos. E, por isso mesmo, amigos e amigas, sejamos nós autenticamente cristãos, sejamos nós autenticamente patriotas e possamos garantir a autoridade da lei” (grifo nosso).

Façamos algumas considerações sobre o discurso de Dino:

1) O Estado é laico, por isso não cabe a um ministro da justiça falar em nome da Bíblia, ou do cristianismo. Pode ser que estivesse falando em sentido figurado o “sejamos autenticamente cristãos”, ou que criticasse àqueles que, sendo cristão, notadamente evangélicos e eleitores de Bolsonaro, invadiram e depredaram os prédios públicos na Praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.

Não adianta se disfarçar de cristão para apontar o dedo para os ‘maus cristãos’. Essa tem sido uma mania da esquerda, que, para provar que é mais patriota que os bolsonaristas, insiste em vestir o verde e o amarelo. Aqueles que mais pregaram o verdeamarelismo, especialmente em 2021, nos atos pelo ‘Fora, Bolsonaro’, foram os que mais batalharam para emplacar frentes amplas com a direita do ‘campo democrático’ e os que mais sabotam o governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva.

Para essa esquerda identitária que vive mencionando os ‘povos originários’, ‘reparação pela escravidão’, não pega bem ficar falar em Cristo, pois isso afronta a cultura dos ‘povos originários’ – vulgarmente conhecidos como ‘indígenas’ –, e também as crenças da população negra trazida para o trabalho escravo durante o período colonial.

2) A menção ao ‘sem anistia’ é uma verdadeira conversa mole, serve para ocultar o fato de que nenhum militar de alta patente será punido pelos distúrbios do dia 8. Quem está preso não tem importância política ou relação com alguns desses generalões.

No dia 9 de janeiro, em um ato na Escola de Direito do Largo São Francisco (USP), os participantes puxaram essa palavra de ordem: sem anistia. De lá para cá, uma ou outra tendência de esquerda que se diz revolucionária insiste nesse ponto que, convenhamos, não empolga ninguém. Nenhum trabalhador sairá às ruas para defender uma coisa tão abstrata. Esse tipo de slogan serve apenas para a esquerda pequeno-burguesa fazer pose de radical.

Se fosse para não anistiar quem quer fosse, primeiro seria preciso investigar quem está por trás dos atos do dia 8. Segundo, é preciso ter poder para tal. Quem vai colocar os militares do alto-comando na cadeia, uma esquerda pacifista, antirrevolucionária, que luta pelo desarmamento da população?

De fato, Deus no Gênesis “não transigiu com princípios. Deus aplicou a Lei. A única diferença é que tinha poder para tal. E, no Brasil do STF ‘ativo’, a lei é quase que um fóssil vivo do Direito. A Constituição serve para quase nada, o Supremo passa por cima da Câmara e do Senado e segue legislando por conta própria. No entanto,  essa corte não é assim tão suprema e não vai peitar os militares.

Meu nome é punição

Esse discurso do ‘rigor da lei’, de Flávio Dino está em consonância com essa esquerda identitária, que quer transformar tudo em crime e colocar a todos na cadeia. Dino sabe que ao falar essa linguagem está agradando uma parte do eleitorado de esquerda que a cada dia fica mais antidemocrático. E, como se não bastasse, apoia Alexandre de Moraes.

Qualquer um sabe que o ‘rigor da lei’ é um princípio que vai enrijecendo conforme o réu tenha poucos recursos. Em um Estado burguês, as classes trabalhadoras é que realmente sentem a mão pesada do Judiciário.

É curioso que Flávio Dino recorra à figura de Deus para tratar da aplicação da lei. O Deus da Bíblia é a autoridade máxima, incontestável. O Estado e suas instituições, por outro lado, não apenas podem como devem ser contestados, principalmente quando agem de maneira autoritária. E, por falar nisso, Flávio Dino já foi juiz, o que diz muito.

Direito de defesa

O exemplo bíblico foi revelador no que diz respeito ao ministro, e, ao mesmo tempo, infeliz. Se analisarmos friamente a questão, Adão é Eva eram réus primários, deveriam ter tido algum tipo de atenuante na condenação, ou alguma pena alternativa.

Deus investigou o caso, uma vez que é onisciente, e também julgou, isso fere um princípio básico do Direito. Temos outro agravante, o tribunal divino/supremo é a última instância recursiva. Adão e Eva, portanto, não tinham como recorrer da decisão.

Ao contrário do que muitos podem imaginar, a Justiça no Brasil se parece muito com aquilo que aconteceu no Éden. O caso do Partido da Causa Operária (PCO), por exemplo, é muito ilustrativo. Foi aberto um inquérito – ao qual o PCO não teve acesso aos autos – pelo Divino/Supremo Tribunal Federal sobre umas tais‘fake news’, um suposto crime que sequer consta no ordenamento jurídico nacional, ainda mais com um nome desses, em uma língua estrangeira. Ou seja, um tribunal conduz uma série de sindicâncias para apurar fatos que ele próprio julgará. O STF, todos sabem, é a última instância e o julgamento nunca poderia ser iniciado ali; se for condenado por esse crime que sequer existe, o PCO não terá a quem recorrer e, portanto, não lhe será dado o amplo direito de defesa.

O Partido da Causa Operária teve suas redes sociais bloqueadas por decisão monocrática de (Deus?) Alexandre de Moraes antes mesmo de o inquérito ter sido concluído ou ter havido julgamento. O PCO está sofrendo punição antecipada. Porém, ‘Deus’ tudo pode. Amém!

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