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Imcompatíveis

É possível um veganismo marxista?

A esquerda pequeno-burguesa busca um ecletismo para dar vazão às suas filosofias

No dia 20 de outubro foi publicado no portal “Em defesa do Comunismo”, ligado ao racha do PCB, o PCB-RR, um artigo intitulado “Pela construção de um veganismo marxista”.

Segundo o autor, Felipe Resende, seu objetivo é levantar um debate sobre o problema do veganismo no movimento comunista “a tentativa de unir veganismo e marxismo em uma só militância tem sido um desafio, e a quase total ausência dessa pauta nas tribunas até agora me motivou a tentar oferecer alguma contribuição ao debate”.

O texto está voltado aos debates internos do PCB, mas como a discussão está aberta, é interessante algumas colocações sobre o tema que tem sido, como veremos no próprio texto, uma fonte de confusão entre um círculo de pessoas de esquerda.

Logo de cara, é preciso dizer ao jovem autor da matéria que não existe um “marxismo vegano” e nem mesmo é possível a existência de tal coisa. No máximo, a tentativa de uma junção das duas coisas não passa de um tipo de revisão do marxismo, como muitas formas revisionistas que acompanharam o movimento de esquerda.

Antes de ver porque não existe, nem existirá um “veganismo marxista”, vejamos alguns pontos colocados no texto.

“o partido [PCB] criou o Coletivo LGBT Comunista, justamente para tensionar e disputar esse espaço por entender que é sim uma pauta essencial, e o mesmo pode ser dito, cada um com suas particularidades, do movimento negro ou do feminista, que em suas vertentes liberais trocam o combate às causas das opressões por uma visão meritocrática, do empreendedorismo negro/feminino/LGBT e da representatividade formal, e mesmo assim esses são ambientes nos quais o partido busca tensionamento político por meio de seus coletivos e dos acúmulos teóricos que eles produzem.”

O autor do texto está argumentando com aqueles que afirmam que o veganismo é algo “liberal” e burguês, algo que obedece principalmente a determinados nichos de mercado, composto principalmente por setores de classe média e classe média alta. Essa é uma afirmação correta, mas de fato não resumiria todo o problema.

Ele compara o veganismo, que ele classifica como um movimento contra a exploração animal, com outras formas de luta. A luta pelos direitos dos LGBTs e até com o movimento negro e de mulheres. Antes de mais nada, é preciso separar as três coisas. O movimento LGBT é basicamente um movimento de minorias que lutam por direitos sociais. Por ser de minoria, naturalmente, ele acaba sendo um movimento com predominância de classe média, o que não retira a necessidade de defender o direito desse setor. Mas devemos notar que é algo muito diferente do movimento negro  de mulheres.

O movimento negro e de mulheres não são minoritários. Os negros são minorias apenas em alguns países imperialistas, mas mesmo aí isso não impede os negros de serem um amplo grupo massivo do povo.

A luta das mulheres e dos negros, portanto, é a luta pela emancipação de amplos setores sociais. Essa luta é, portanto, intimamente ligada à própria luta dos trabalhadores. Isso não significa que o movimento negro e o movimento de mulheres não tenham suas próprias reivindicações.

Grosso modo, são movimentos cujo objetivo é a luta por direitos políticos e econômicos. E o veganismo, onde entra nisso?

O veganismo é uma filosofia que acredita que os animais que não são da espécie humana, teriam direitos iguais aos da espécie humana. Podemos dizer de outro modo, o veganismo transfere para outros animais coisas que são criadas pelo ser-humano, ou ainda, o veganismo humaniza os outros animais.

Apenas a título de exemplo, se levarmos coerentemente essa ideia, deveríamos ter uma luta para convencer a onça a parar de comer a capivara, afinal, porque deveríamos permitir tamanha atrocidade? Logicamente que um veganos terá mil argumentos contra esse ponto, mas a questão aqui é apenas levar até as últimas consequências a ideologia.

Há também o lado oposto da ideologia vegana. O de que o ser humano não faz parte do mundo animal. Nesse sentido, o ser-humano deveria viver de forma completamente anti-natural, não como parte da natureza.

Como fica claro, estamos falando de uma crença sem nenhuma base científica. Uma crença que conduz a determinado modo de vida: não comer carnes.

Essa crença deve ser expelida ou reprimida pelo partido? Não. Essa crença deve se tornar parte da ideologia do partido? Também não.

Ao propor um movimento vegano “comunista” o autor do texto está querendo que o partido organize movimento ideologicamente contrário à sua ideologia, o marxismo.

Sabemos que o PCB, partido para o qual escreve o autor, não é verdadeiramente marxista. Por isso mesmo ele cita que alguns candidatos do partido assinaram uma carta de compromisso, a “declaração de Compromisso com o Veganismo Popular com 21 pautas prioritárias”.

É importante esclarecer que como filosofia, o marxismo não é compatível com o veganismo. Mas isso não impede que dentro do partido haja pessoas que não queiram comer carne. Da mesma maneira que uma pessoa pode ser religiosa e fazer parte do partido, ainda que a ideologia seja incompatível com o marxismo, uma pessoa que não come carne pode estar no partido.

Uma coisa muito diferente é se a ideologia religiosa for usada para perverter o marxismo.

Muitos veganos têm dificuldades de separar seu gosto, seu modo de vida individual e sua crença do restante da sociedade. Querer que o marxismo adote o veganismo como ideologia, será não apenas a negação do marxismo. Seria adotar a ideias de que a sociedade deveria parar de comer carne como um princípio, o que é totalmente absurdo.

Novamente, se fossemos coerentes com essa ideia, o partido deveria procurar impor essa ideologia sobre o restante da sociedade. Se a “exploração animal” é tão importante quanto a exploração do ser humano, coerentemente deveríamos agir como verdadeiros libertadores. Mas a própria ideia não se sustenta na prática.

O autor do texto não diz isso abertamente, afinal, é uma ideia absurda, embora fosse coerente com essa ideologia. Mas ele quer isso como uma espécie de convencimento sobre o restante do povo:

“como se a classe trabalhadora não tivesse capacidade cognitiva para compreender as contradições inerentes ao sistema de produção alimentar dependente de derivados animais. Isso vindo de comunistas, que esperam que os trabalhadores compreendam o materialismo histórico-dialético e se unam contra a exploração da mais valia pela burguesia via uma revolução proletária para superação do capitalismo e da ordem neoliberal imperialista”.

A confusão é gigantesca. A luta pela emancipação dos trabalhadores não tem nada a ver com uma ideologia. Essa é uma luta material, é uma luta de interesses dos trabalhadores contra os capitalistas. O autor acha que a revolução é um problema meramente ideológico, quando os trabalhadores “compreendem o materialismo histórico-dialético”. E como ele acredita nisso, ele acha que os mesmos trabalhadores também irão adotar o veganismo, basta que os veganos preguem sua filosofia até o convencimento.

O marxismo não é uma pregação religiosa. O marxismo é a doutrina da luta de classes do proletariado. O autor confunde o materialismo histórico com uma filosofia de tipo idealista que seria preciso pregar para convencer o povo.

O veganismo, por outro lado, é um tipo de filosofia idealista, ou seja, religiosa. As religiões mais tradicionais acreditam, grosso modo, que há um espírito em cada ser humano. O veganismo, por sua vez, acredita que há um espírito em todos os animais e esse espírito, embora não haja nenhuma elaboração sobre isso, se parece com o espírito humano, com os valores humanos.

O autor acredita que essa filosofia idealista, como qualquer religião, deve ser pregada e será adotada pelos trabalhadores.

Agora que falamos das implicações mais diretamente políticas dessa filosofia, é importante algumas palavras sobre o caráter anti-marxista do veganismo (aqui estamos considerando o veganismo como uma filosofia que busca ser abrangente).

O ser humano domina a natureza, o que não quer dizer que ele esteja totalmente divorciado dela. Engels, em seu texto sobre “O Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem” explica algumas coisas importantes:

“nosso domínio sobre a natureza não se parece em nada com o domínio de um conquistador sobre o povo conquistado, que não é o domínio de alguém situado fora da natureza, mas que nós, por nossa carne, nosso sangue e nosso cérebro, pertencemos à natureza, encontramo-nos em seu seio, e todo o nosso domínio sobre ela consiste em que, diferentemente dos demais seres, somos capazes de conhecer suas leis e aplicá-las de maneira adequada. Com efeito, aprendemos cada dia a compreender melhor as leis da natureza e a conhecer tanto os efeitos imediatos como as conseqüências remotas de nossa intromissão no curso natural de seu desenvolvimento. (…) E quanto mais isso seja uma realidade, mais os homens sentirão e compreenderão sua unidade com a natureza, e mais inconcebível será essa ideia absurda e antinatural da antítese entre o espírito e a matéria, o homem e a natureza, a alma e o corpo”.

A alimentação do ser humano é parte desse domínio sobre a natureza. O vegano vê com horror a alimentação de carne e dá a isso o nome de “exploração animal”, como se isso fosse compatível com a escravização de outros seres humanos.

Não, a relação do homem com sua preza é fundamentalmente a mesma da relação de uma onça com sua capivara. A diferença é que o homem, por seu domínio da natureza, consegue diminuir muito os custos dessa operação, tanto para sua preza quanto para ele mesmo. Essa foi uma das vantagens da domesticação dos animais para o abate.

Engels continua: “A alimentação cárnea ofereceu ao organismo, em forma quase acabada, os ingredientes mais essenciais para o seu metabolismo. Desse modo, abreviou o processo da digestão e outros processos da vida vegetativa do organismo (isto é, os processos análogos ao da vida dos vegetais), poupando, assim, tempo, materiais e estímulos para que pudesse manifestar-se ativamente a vida propriamente animal. E quanto mais o homem em formação se afastava do reino vegetal, mais se elevava sobre os animais. Da mesma maneira que o hábito da alimentação mista converteu o gato e o cão selvagens em servidores do homem, assim também o hábito de combinar a carne com a alimentação vegetal contribuiu poderosamente para dar força física e independência ao homem em formação. Mas onde mais se manifestou a influência da dieta cárnea foi no cérebro, que recebeu assim em quantidade muito maior do que antes as substâncias necessárias à sua alimentação e desenvolvimento, com o que se foi tornando maior e mais rápido o seu aperfeiçoamento de geração em geração. Devemos reconhecer — e perdoem os senhores vegetarianos — que não foi sem ajuda da alimentação cárnea que o homem chegou a ser homem. (…)

O consumo de carne na alimentação significou dois novos avanços de importância decisiva: o uso do fogo e a domesticação dos animais. O primeiro reduziu ainda mais o processo da digestão, já que permitia levar a comida à boca, como se disséssemos, meio digerida; o segundo multiplicou as reservas de carne, pois agora, ao lado da caça, proporcionava uma nova fonte para obtê-la em forma mais regular. A domesticação de animais também proporcionou, com o leite e seus derivados, um novo alimento, que era pelo menos do mesmo valor que a carne quanto à composição. Assim, esses dois adiantamentos converteram-se diretamente para o homem em novos meios de emancipação. Não podemos deter-nos aqui em examinar minuciosamente suas consequências”.

Engels, um dos pais do materialismo histórico junto com Marx, atribui à ingestão de carne parte fundamental para a evolução do ser humano, sem ela, o homem não chegaria a ser homem. Ou seja, ela é parte da própria constituição da espécie humana.

Um vegetariano ou vegano têm todo o direito de não comer carnes. Mas acreditar que isso deve ser imposto para o restante da sociedade é algo anti-natural e, em última instância, reacionário, já que vai contra a própria evolução do ser humano.

Não é possível um “veganismo marxista” pelo simples fato de que o veganismo, como filosofia que se pretende geral, está diametralmente oposto ao marxismo.

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