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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Censura

“Discurso de ódio” é pretexto para censura com aprovação do povo

Dia sim, outro também, aparece na grande imprensa um defensor do estabelecimento de limites para a liberdade de expressão com o nobre propósito de combater o “discurso de ódio”

Dia sim, outro também, aparece na grande imprensa um defensor do estabelecimento de limites para a liberdade de expressão com o nobre propósito de combater o “discurso de ódio”. A expressão é capciosa porque parece condenar o ódio, que, na óptica cirandeira, seria um mau sentimento, quando, na verdade, está criminalizando o discurso, ou seja, a livre manifestação de opinião ou sentimento.  

Para considerar legítima a discussão, temos de pressupor que certos sentimentos, não as ações deles decorrentes, sejam em si criminosos. Sentir ódio de alguma coisa seria, portanto, um crime (passível de punição), a menos que a pessoa ocultasse seu sentimento de tal forma que ele não pudesse ser percebido por ninguém. No Direito, que é laico, não parece haver brecha para a criminalização de sentimentos, mas, por uma “boa causa”, vale tudo no país da Lava Jato.

Sendo assim, urge definir “discurso de ódio” para que os operadores do Direito possam punir os novos criminosos e calar a boca de quem não se comportar. Cartilhas, semelhantes àquelas que nos ensinam o vasto repertório dos gêneros humanos e suas pegadinhas, surgem para ensinar os jovens em idade escolar a não praticar o ódio contra os colegas.  

No site Nova Escola, temos uma lista de “estratégias para identificar o discurso de ódio”. Vejamos alguns dos exemplos listados pelo autor: “ofensas” (como chamar o outro de “burro”, “idiota” ou “encostado”), “palavras carregadas” (como dizer que alguém “foi humilhado” ou que teve um “chilique”), “palavras inventadas para agredir” (como “petralha”, “coxinha”, “esquerdopata”, “reaça”, “gayzista”, “feminazi” – poderia incluir no rol o “esquerdomacho”) ou “estigmatização”, cujos exemplos são muito educativos: “Empresários são capitalistas insensíveis” ou “Professores são militantes travestidos de educadores”.

Note bem o leitor: as palavras e frases mencionadas seriam, segundo o texto, manifestações de “discurso de ódio”, portanto passíveis de punição, segundo a nova ordem jurídico-religiosa que se pretende instalar no país. Nem pensar em estigmatizar o pobre empresário capitalista, chamando-o de “insensível” – é crime! Também não se pode dizer que professores são “militantes” (suprema ofensa!). O mundo ideal parece ser aquele em que há um perfeito congraçamento entre empresários capitalistas e professores educadores, todos muito sensíveis e avessos a qualquer militância, reunidos num saudável convescote vegano nos Jardins do IREE.

Segundo o mesmo site, dizer que “Paulo Freire é o responsável pela má qualidade da Educação” é transformar o educador em bode expiatório, ou seja, “discurso de ódio” outra vez. Outro caso, sob a rubrica “falso dilema”: “Se você não faz piquete, é fura-greve”, novamente passível de punição. Como bom educador “não militante”, o autor da cartilha ensina que o fato de alguém não fazer piquete não significa que seja fura-greve. Certo. Grosso modo, ele condena a retórica, confundindo-a com o tal discurso de ódio.

O problema é que o que se enquadrar na definição de “discurso de ódio” poderá ser crime logo mais. Ao fim e ao cabo, teremos o Xandão, o Kássio, a Rosa, a Cármen, o Gilmar, o Fux, o Facchin, esse pessoal, definindo o que se pode dizer ou sentir. E, como tudo pode ser interpretado como ofensa, estaremos todos o tempo todo apontando as ofensas alheias e pedindo a punição dos vizinhos, dos colegas de classe, do motorista de ônibus que contou uma piada machista e por aí vai.

Segundo um texto não assinado do site Politize, um desses institutos plurais de “formação de lideranças cidadãs”, “discurso de ódio é um conjunto de ações com teor intolerante direcionadas a grupos, na maioria das vezes, minorias sociais (mulheres, LGBTs, gordos(as), pessoas com deficiência, imigrantes, dentre outros)”. Aqui o DNA identitário do debate aparece com mais clareza. Vamos proibir, por lei, que se profiram ofensas contra pessoas dessas “identidades”.

De fato, identitários não gostam de argumentar e convencer os outros de suas ideias. Preferem criminalizar o adversário. Enquanto o Direito, que não tem a mesma agilidade dos canceladores virtuais, não chega a uma conclusão sobre a questão, as empresas privadas, que são, cada vez mais, donas do Estado, definem códigos de conduta (substitutivos de leis), contratam “moderadores de conteúdo” (censores adestrados à missão a ao propósito da empresa) e controlam a comunicação via internet.

Quando algo escapa à sua censura, o exército de ONGs corre para a internet para lançar a faísca nas redes sociais, e os bobocas que preferem seguir a última moda a pensar com a própria cachola, bovinamente, cancelam o autor de opinião diferente da sua. Ato contínuo, as empresas desmonetizam canais de YouTube, cancelam shows, suprimem patrocínios, enfim, aplicam a pena, enquadrando o sujeito que, desobediente ao discurso único, é condenado a uma espécie de ostracismo moderno (vale lembrar que o ostracismo ateniense, embora determinasse o degredo do sujeito, não lhe subtraía os bens).

Vemos, assim, que a existência da expressão “discurso de ódio” e a insistência em seu uso obedecem a um propósito. Pretende-se criar uma espécie de consenso acerca da criminalização de certo tipo de opinião, mas, como é praticamente impossível elencar as supostas ofensas sem cair no ridículo, dada a subjetividade da interpretação da linguagem, caberá aos doutos juízes, funcionários do Estado burguês, punir a quem bem entenderem, sob as mais esfarrapadas desculpas.

Artigo publicado, originalmente, em 24 de março de 2022

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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