Aumenta o número de matérias dentro da imprensa alternativa negando que as críticas do governo Lula pela esquerda sejam positivas. Defendendo essa tese, já vimos textos fazendo menção às ‘jornadas de junho de 2013’ e até mesmo o surgimento de neologismos como o ‘antihaddadismo’. Desta vez, temos uma matéria publicada no Brasil 247, assinada por Bepe Damasco e intitulada “Por que as críticas pela esquerda ao governo são equivocadas” que vai no mesmo sentido.
Antes, precisamos considerar três questões: 1) tudo é passível de crítica; 2) criticar não é o mesmo que atacar e 3) sim, é verdade que existem grupos que estão utilizando o que é criticável para atacar o governo Lula.
Bepe Damasco defende seu ponto dizendo que o governo esteve “enfrentando e derrotando uma tentativa de golpe logo de cara”, e que “tem pouco mais de 60 dias e muitas realizações para mostrar”. Discordamos que tenha sido uma tentativa de golpe, sim uma ação de desmoralização do governo pelo alto-comando das Forças Armadas, mas esse não é o tema do debate.
Com relação ao governo ter apenas iniciado, é preciso considerar que as críticas são anteriores, apareceram desde a formação da chapa que, para surpresa geral da esquerda – menos dos mais direitistas –, apresentou o nome de Alckmin para a vice-presidência. Isso abriu flancos pela esquerda e pela direita. Bolsonaro usou vídeos dos ataques de Alckmin contra durante a campanha eleitoral. Na esquerda houve um desânimo generalizado. Nos comícios, por exemplo, a rejeição ao tucano era visível; este chegou a ser vaiado durante discursos.
Apesar de que não é o vice que governa, o fantasma de Temer está aí, queiramos ou não. Uma parte da esquerda, especialmente de partidos que já vinham fazendo oposição ao PT e que apoiaram aberta ou veladamente o golpe de 2016, ou mesmo a Operação Lava-jato; esses grupos oportunistas aproveitaram a brecha e passaram a tratar a atual gestão de ‘Lula-Alckmin’.
A quem serve não debater?
Vemos que alguns esquerdistas utilizando a crítica para estabelecer uma ruptura com a atual gestão. Por outro lado, impedir o debate tem servido para a extrema-direita petista forçar para que o governo vá para a direita.
Washington Quáquá, atacou a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, dizendo que “Posição da Gleisi não é a do partido”. Esse conhecido direitista, que andou tirando fotos sorridentes com o bolsonarista Eduardo Pazuello, tentou desautorizar ninguém menos que a presidente de seu partido por esta ter contestado a política econômica de Haddad, ministro da Fazendo de Lula, com relação à desoneração do preço dos combustíveis.
Haddad sofre uma enorme pressão pela direita – dentro e fora do governo –, pelo ‘mercado’ e pelos grandes veículos de comunicação; nada mais desejável do que sofrer pressão pela esquerda. Impedir as críticas vai fazer a balança pender para um único lado.
O próprio Bepe Damasco reconhece essa realidade quando destaca que “em um governo de frente ampla o papel da esquerda e dos setores populares é mesmo o de pressionar pela adoção de suas propostas e projetos”. A ‘frente ampla’ – proposta por Boulos–, ‘amplíssima’ – como queria Flávio Dino – foi criticada lá atrás, durante a formação da chapa, e, agora estamos vendo os resultados. O governo sendo sabotado dentro das próprias linhas.
O Bloco Vermelho, formado por militantes de base petistas, PCO e demais companheiros, lutaram o quanto puderam para evitar a frente ampla, pois já previa seus desdobramentos. A ação direta da mitlitânica foi que garantiu que Lula se candidatasse. Era visível o boicote de setores como o Psol e PCdoB que tentaram atrair a esquerda para servir de base para a terceira via. No entanto, a força do movimento rechaçou a aproximação com Ciro Gomes e Bolsodória. Infelizmente, como se viu, a frente ampla, a despeito de toda luta e crítica, foi se formando aos poucos e se materializou.
O plano internacional
Também estamos de acordo quando Damasco chama a atenção para os ataques que Lula vem sofrendo de parte da esquerda. Sua posição sobre a Ucrânia já era conhecida e resistiu “às pressões ocidentais para fornecer munições à Ucrânia”. E é fato que “bastou o Itamaraty apoiar uma protocolar declaração em defesa da integridade territorial da Ucrânia para (…) virar um mero braço do imperialismo. Até de trair e sabotar os Brics”.
Na verdade, o simples fato de Joe Biden ter felicitado a vitória de Lula, que é uma praxe diplomática, já o transformou em capacho do imperialismo para determinados setores da esquerda, que omitem que Maduro, Ortega, Díaz-Canel, dentre outros, também o felicitaram.
Seguir criticando
Há uma certa contradição na matéria de Bepe Damasco: no título se lê que “as críticas pela esquerda ao governo são equivocadas”. No entanto, no último parágrafo, admite que “críticas e cobranças são essenciais tanto para a correção de rumos políticos e estratégicos como para impedir posturas acomodadas e burocráticas (…) tendo a realidade como bússola e medida de todas as coisas”.
Pois bem, o papel da esquerda revolucionária é defender os interesses da classe trabalhadora e lutar por sua emancipação. Os trabalhadores depositaram esperanças no governo Lula; então, é preciso aprofundar essa experiência, levar o governo a seus limites, radicalizar o confronto com a burguesia. Isso só vai poder se dar por meio da crítica, que é a única ferramenta que pode expor as contradições políticas e proporcionar sua superação.
É ruim que existam críticas sectárias? Sim, mas a classe trabalhadora precisa aprender a identificar e desmascarar esses críticos. O cerceamento do debate, da crítica, por quaisquer ângulos que se observe, sempre será negativo.