Em texto opinativo publicado no portal Brasil 247, Francisco Calmon defende a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), apresentada como “um imperativo pedagógico à consolidação da democracia a prisão imediata de Bolsonaro e sua gangue golpista e assaltante dos bens públicos” (“Bolsonaro solto é um risco à democracia e a paz social”, 13/8/2023). A posição de Calmon reflete um desejo muito reverberado pela esquerda pequeno-burguesa, que se notabilizou no último período por buscar uma satisfação moral para suas frustrações sem, no entanto, medir as consequências do que ajuda a criar. Como por exemplo, a banalização da prisão de lideranças políticas.
Como o próprio autor lembra, “o ex-presidente Michael Temer foi preso”, lembrando a detenção do ex-presidente em 2019. O fato ocorrido foi ótimo para o regime político exibir um caráter “democrática” da repressão, pegando líderes de direita e de esquerda, mas não melhorou em nada a luta contra os golpistas, que à época, mantinham Lula preso em Curitiba. Michel Temer, no entanto, não é o único.
Na esteira do golpe de 2016, logo após a deposição golpista da então presidenta Dilma Rousseff (PT), o na época presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (hoje no PTB), foi preso em outubro do mesmo ano. Seu cárcere não trouxe a reversão do impeachment da presidenta petista, não aliviou em nada a disposição com a qual os golpistas atropelaram o País, tanto no âmbito dos direitos dos trabalhadores quanto nas condições da nação se desenvolver e melhorar os padrões de vida do povo.
Pior ainda, tanto no caso de Cunha quanto no de Temer, a golpista Operação Lava Jato foi a verdadeira fortalecida. Deflagrada em 2014 e articulada pelo imperialismo para reorganizar o regime político brasileiro, a operação ganharia uma sobrevida, mantendo-se ativa até julho de 2020, quando finalmente é encerrada por Bolsonaro. Desgastada, a operação golpista tornou-se insustentável, mas o sucesso do método levaria a uma nova ofensiva contra os direitos democráticos, desta vez, não por meio de juízes provincianos, mas do Supremo Tribunal Federal, que agora lidera o atropelo às garantias fundamentais, tendo o cuidado, no entanto, de começar contra a extrema-direita, o que é ótimo para evitar o alarde enquanto se cria um clima favorável à instauração de um regime de terror completo.
Finalmente, nas condições atuais e da forma como vem sendo defendida, uma eventual prisão de Bolsonaro tende inevitavelmente a criar um efeito de “mártir”, fazendo com que o ex-capitão pareça, aos olhos do povo, um líder perseguido por um sistema político sabidamente corrupto e nada democrático. Tendo perdido as eleições de 2022 para Lula por uma margem muito pequena, sua base de apoio pode se radicalizar e crescer em uma prisão percebida pela população como injusta.
Calmon não chega a dizer expressamente, mas fica implícito em suas colocações que sua política é a ação do Judiciário contra Bolsonaro. “Querem um flagrante”, diz o colunista, “para prender o genocida golpista e ladrão do patrimônio público? Pois provas e evidências estão sobrando e inquietando a sociedade que percebe dois pesos e duas medidas”, lembrando que “Temer foi preso por um juiz de piso, por conta de uma delação”, ou seja, por uma arbitrariedade bárbara da justiça, aparentemente aprovada pelo autor.
Fica então a pergunta sobre que democracia é essa desejada pelo colunista? Uma “democracia” construída e regulada por arbitrariedades das mais diversas, garantida pelo terror e na qual pessoas são presas sem o devido processo legal não é, finalmente, muito diferente do regime defendido por outra casta de burocratas – os militares – entre 1964 e 1985.
Esta “democracia” não se limitou a perseguir a esquerda e foi além de prender lideranças da direita. Célebres apoiadores do golpe de 1964 e da Ditadura Militar como Juscelino Kubitschek, e mesmo articuladores do golpe como Carlos Lacerda, foram perseguidos e mortos pelos militares. O que não trouxe alívio algum para os trabalhadores, camponeses e estudantes presos, torturados e também mortos pelo regime.
Naquela “democracia”, ainda que alguém pudesse se regozijar das mortes dos direitistas, foi a esquerda e sua base social que sentiu os piores efeitos das arbitrariedades e do terror que reinavam. Também com o golpe de 2016, prisões como as de Cunha, Temer e tantos outros direitistas não tiveram uma fração do impacto que a esquerda sentiu com a prisão de Lula, esta sim, com consequências duríssimas para a população, inclusive pela força que deu ao regime golpista para implementar mais arbitrariedades, as quais incluíram um segundo golpe de Estado, com a inelegibilidade de Lula, da qual se derivou a eleição de Bolsonaro e toda a sequência de eventos elencadas pelo colunista como razões para a prisão do segundo.
As organizações de luta dos trabalhadores, camponeses, estudantes e demais setores populares devem, obrigatoriamente, lutar contra o que está sendo chamado de “democracia” aqui. Um regime com características tão repressivas e terroristas não será outra coisa além de uma ameaça constante ao povo.