O colunista Mario Vitor Santos, do sítio Brasil 247, escreveu um artigo com o título “Ao deixar soterrar a investigação do golpe, Lula cede à cúpula militar que envergonha o país”. Nele, o articulista procura incentivar o presidente Lula a manter e a intensificar a investigação do que ocorreu na manifestação bolsonarista do dia 8 de janeiro. Para ele, apenas a continuação da investigação seria capaz de chegar nos verdadeiros responsáveis pelo ocorrido: o alto comando das Forças Armadas brasileiras.
Santos demonstra uma dificuldade grande de compreender, primeiramente, o objetivo central do ocorrido em Brasília. Para ele, o evento teria sido uma “instigação ao golpe” de Estado, “para evitar a posse de Lula”. No entanto, não se trata disso. Ainda que seja correto de que foi uma ação orquestrada pelos militares, a manifestação bolsonarista não pode ser considerada uma tentativa de golpe. Aquilo foi nada mais do que uma forma de desestabilizar o governo logo em seus primeiros dias. A interpretação de que teria sido uma “intentona golpista” frustrada levou uma parte das pessoas no espectro governista a se considerarem vitoriosos sem travar luta política alguma.
O autor está correto em afirmar que todas as investigações se encaminham para uma “farsa estrepitosa”. No entanto, seu julgamento moral a respeito dos comandantes do Exército não terá efeito nenhum. Essas pessoas não se importam nem um pouco com a sua imagem, que o autor diz estar “enlameada” diante da sociedade.
Os militares não começaram a sua ofensiva contra o PT recentemente. Eles estavam por trás do golpe de Estado de 2016, dando cobertura para os setores que se articularam para a derrubada da presidenta Dilma. Desde aquele momento, eles têm se mostrado como os principais defensores de todo o golpe. É nos militares que se repousa toda a estrutura do regime golpista que se instalou a partir daquele momento. Junto com eles estão todos os deputados, senadores e, principalmente, juízes do STF e das demais instâncias. Trata-se de um conjunto podre de instituições tomado pelo golpismo.
Nesse sentido, parece natural que ocorram coisas como as descritas pelo autor, que afirmou, ao se referir ao comandante Tomás Paiva: “O Exército, por exemplo, na voz vazada por seu comandante, dá uma lamentável demonstração de covardia ao não investigar, assumir seus erros e admitir as consequências de suas convicções. Ao contrário, o comandante conspira em encontros sigilosos, para blindar a participação do Alto Comando na sabotagem à democracia perpetrada por anos em associação com o fascista presidente Jair Bolsonaro”. O fato de um comandante do Exército no Brasil conspirar contra o país não é novidade para ninguém. A avaliação moral que o autor tem desse fato não vai modificar nada nesse sentido. As Forças Armadas estão na ofensiva contra o PT desde o princípio do processo golpista e foram os maiores avalizadores do golpe de Estado no Brasil.
Ainda que, neste momento, as coisas aparentem estar paradas e não estejam ocorrendo grandes acontecimentos políticos, não se pode confundir. A burguesia, assim como os militares e os bolsonaristas, apenas aguarda uma brecha para uma nova ofensiva com o governo. A melhor brecha seria justamente a demonstração de que o governo perdeu sua base de apoio: a classe operária.
O autor continua demonstrando uma indignação moral e se surpreendendo com as ações dos comandantes, aparentemente sem saber que se trata de um dos setores mais corruptos e mais vendidos ao imperialismo da política nacional. Se já houve alguma confiança por parte do PT e da esquerda nos militares, tratou-se de um erro gigantesco. As pessoas que ali estão são as mesmas desde o período da ditadura militar.
É ótimo que um setor da esquerda tenha se dado conta de que os militares que estiveram por trás dos eventos do 8 de janeiro e que eles farão o que estiver ao seu alcance para não serem punidos por isso. No entanto, o autor demonstra que, mesmo com essa evidência da tomada das instituições pelos maiores inimigos do país, ainda há uma confiança quase cega de que as próprias instituições vão realizar algum tipo de punição contra os militares:
Ele pede, ao final de seu texto: “Presidente, faça um bem ao país. Mantenha essa investigação. Puna os envolvidos de qualquer patente. As próximas gerações vão lhe agradecer”.
No entanto, o Presidente não tem a força política necessária para operar qualquer coisa que seja contra os militares. Além disso, não há interesse e nem coragem nenhuma da parte do Poder Judiciário em levar essa investigação adiante até chegar na cúpula do comando militar. A própria burguesia também não permitiria que isso ocorresse.
A questão, portanto, não é a necessidade de vencer os generais golpistas, mas como fazer isso. Com qual política é possível enfrentar os militares. Isso, o colunista não sabe responder, passando a impressão de que Lula, num passe de mágica, pudesse enfrentar, com sua política conciliadora, os generais golpistas.
A política de “investigar” através da Polícia Federal e das instituições, tão golpistas quanto o Exército e as FA, não vai resolver o problema da luta política contra os militares e os bolsonaristas. É preciso mobilizar a classe operária através de medidas que sejam benéficas e auxiliem na sustentação do governo. A única forma de colocar a direita na defensiva é através do povo. O governo Lula precisa começar a colocar em pauta os interesses dos trabalhadores: aumento real do salário-mínimo, medidas para aumentar o emprego, etc. Dessa forma, o povo estará disposto a defender o governo e frustrar as verdadeiras tentativas golpistas que podem surgir num horizonte próximo.