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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Música instrumental

Adeus a Wayne Shorter

A música perde Wayne Shorter, artista inovador do jazz e do saxofone

No dia 2 de março de 2023 faleceu o saxofonista Wayne Shorter.

A música é uma linguagem geral formada por linguagens particulares; conhecê-las nos sensibiliza para apreciar samba, salsa, rock, jazz, música erudita etc. Dessa maneira, para quem escuta jazz, talvez boa parte da fascinação esteja na exploração musical das numerosas possibilidades entre tema e improviso.

Para muitos ouvintes, o jazz estaria restrito ao chamado jazz tradicional, bastante marcado por improvisadores geniais, tais quais Django Reinhardt, Benny Goodman, Lois Armstrong e Billie Holiday; entretanto, a história do jazz é o desenvolvimento dessa linguagem em diálogos constantes com outras linguagens musicais. Para os especialistas, a primeira grande revolução no jazz deu-se por volta dos 1940 no chamado bebop, levado a cabo por Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Thelonious Monk e Max Roach; em seguida, por volta de 1950, com ênfase nas curvas melódicas e na modulação sonora durante os improvisos, foi a vez do cool-jazz, bastando comparar as concepções dos músicos citados com as propostas de Paul Desmond ou Chet Baker para verificar as diferenças entre cool e bebop. Tais oscilações entre a agressividade na condução musical e a modulação melódica voltam a se repetir de outros pontos vista; em 1960, retomando as ideias do bebop, acontece o hard bop, cujo maior expoente é, sem dúvida, John Coltrane, para, em 1970, surgir o neo-cool, levado adiante basicamente pela gravadora ECM, e o jazz rock, no qual se destaca o grupo Weather Report, formado pelo tecladista Joe Zawinul e o saxofonista Wayne Shorter. Vários músicos tocaram bateria e percussão no grupo, entre eles, os brasileiros Don Um Romão e Airto Moreira, além da presença marcante do baixista Jaco Pastorius; entretanto, a liderança da banda sempre esteve sob a responsabilidade de Shorter e Zawinul.

O que significa, em termos de indústria cultural, o jazz rock? O jazz, o blues e o rock nasceram gêneros proscritos, levados adiante por comunidades excluídas de negros e proletários; uma vez absorvidos pela indústria cultural, eles perderam grande parte dos poderes de combate e contestação aos valores ditados pela burguesia. Para isso se explicitar veementemente, contrastemos John Coltrane com Kenny G.; The Jimi Hendrix Experience com Whitesnake; Billie Holiday ou Janis Joplin com Beyoncé; Weather Report com Spirogyra. Entretanto, talvez porque nas canções do rock, enquanto linguagem musical, articulam-se melodia, letra e solos de guitarra, e no jazz há predominância de música instrumental e insistência nos improvisos, o rock, perante o mercado ávido por consumir refrões fáceis de memorizar e cantar, terminou predominando nas gravadoras, rádios e festivais de música, do mesmo modo que a música instrumental brasileira foi paulatinamente apagada pelas canções, cada vez mais insossas, da MPB.

Os bons músicos de rock, em regra, admiram os músicos de jazz; os longos solos de teclado e guitarra da famosa canção “Light my fire”, dos Doors, são inspirados em John Coltrane; da homenagem “Burning for Buddy”, dedicada ao baterista de jazz Buddy Rich, participaram vários bateristas de rock, entre eles Neil Peart, do Rush, e Bill Bruford, do Yes e King Crimson; muitos músicos de jazz fizeram parte de The Mothers of Invention, a banda de Frank Zappa, entre eles, o tecladista George Duke; o próprio Zappa, no álbum “The Grand Wazoo”, compôs temas de jazz para big band.

Dessa maneira, fazendo parte do jazz sofisticar divisões rítmicas e linhas de improviso, nele também dialoga-se constantemente com as músicas erudita, latino-americana, semítica e indiana, não causando surpresa diálogos com o rock e a música pop, desde as gravações de Herbie Hancock com temas de Lennon e McCartney, Kurt Cobain e Sade Adu, às experiências radicais de Miles Davis em álbuns tais quais “Bitches Brew”, 1970, cuja percussão foi concebida pelo brasileiro Airto Moreira, a guitarra, por John McLaughlin, os teclados são tocados por Chick Corea e Joe Zawinul, ficando o saxofone sob a responsabilidade de Wayne Shorter. Dessas concepções, por exemplo, derivaram a Mahavishnu Orchestra, de McLaughlin, a Elektric Band, de Chick Corea, e o Weather Report.   

Apenas com essas informações, ligeiras e parciais, percebe-se que o jazz-rock não é simplificação do jazz nem sua comercialização, porque, justamente, a comercialização da música se dá em todas as linguagens, tendo em conta as simplificações do repertório erudito feitas por Philip Glass. Nessas circunstâncias, não foram apenas bandas ou instrumentistas iguais à Spirogyra, ou ao violinista Jean Luc Ponty e similares a banalizar as inovações do jazz-rock levadas adiante por Billy Cobham, Jan Hammer, Michael Brecker e os músicos que passaram pelo Weather Report, valendo lembrar de Don Um Romão, Airto Moreira, Chester Thompson, Miroslav Vitous e Jaco Pastorius.

Desse ponto de vista, o da inovação, isto é, na construção do jazz-rock enquanto linguagem musical, todos os instrumentistas citados contribuíram propondo novas levadas de percussão e bateria, conduções harmônicas e linhas melódicas para os respectivos instrumentos na composição de temas e invenção nos improvisos. Louis Armstrong, por exemplo, concebeu vários desses constituintes do jazz, seja para composição, seja para trompete especificamente; Billie Holiday praticamente inventou modos de cantar, modificando, em suas interpretações, sensivelmente os temas das canções; Charlie Parker reinventou o saxofone ao propor o bebop; no mesmo bebop, Max Roach e Thelonious Monk fizeram o mesmo para, respectivamente, as conduções de bateria e as linhas de piano; John Coltrane modificou a própria música… Wayne Shorter, por sua vez, ao lado dos grandes inovadores do jazz, inventou várias linhas de saxofone, modificando as concepções do instrumento, havendo contribuído para seu desenvolvimento no próprio jazz e suas inserções na música pop.

Um artista confunde-se com seus trabalhos; Wayne Shorte e seu espírito, enquanto sopro, soarão para sempre na música instrumental. Que a terra lhe seja leve.

Weather Report Live at Shinjuku Kosei Nenkin Hall, 11 Jun 1981

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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