Um dos temas de maior repercussão internacional nos últimos dias foi a decisão do Ministério das Relações Exteriores, sob orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de não endossar uma declaração conjunta crítica ao presidente nicaraguense Daniel Ortega. O texto havia sido assinado por mais de 50 países em uma reunião do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), um verdadeiro laboratório das principais atrocidades organizadas pelo imperialismo em todo o mundo.
Segundo a imprensa burguesa, o Brasil chegou a propor uma versão amena da declaração, que colocasse a possibilidade de uma “abertura para o diálogo” com Ortega. A proposta, no entanto, foi negada pelos países imperialistas. Também chamou a atenção que a mesma imprensa fez questão de destacar que presidentes latino-americanos considerados esquerdistas tiveram uma posição contrária à de Lula, como são os casos do colombiano Gustavo Petro e do chileno Gabriel Boric.
Apenas por esses dois dados, já fica clara a operação que está em curso. O fato de que nem mesmo uma declaração amena do governo brasileiro tenha sido aceita, mostra que o imperialismo está se preparando para tomar uma atitude bastante agressiva contra o país centro-americano. O objetivo não é criticar uma medida específica do governo, nem muito menos mostrar uma preocupação com os “direitos humanos”, mas sim de colocar o regime comandado por Daniel Ortega sob forte pressão.
O fato de que a imprensa destaque a posição dos outros governos latino-americanos também é um indício dessa pressão. O objetivo é mostrar que o governo Lula está isolado, que sua posição seria, portanto, equivocada até mesmo para a esquerda. Cumpre, portanto, tanto o papel de aumentar a pressão sobre o governo Lula, jogando lenha na oposição de direita ao governo, como de cooptar uma parte da esquerda para a campanha contra a Nicarágua.
A situação na Nicarágua tem despertado ainda mais atenção na política internacional desde o início de fevereiro, quando o governo de Daniel Ortega anunciou a deportação de 222 presos políticos para os Estados Unidos. O acontecimento serviu para que a imprensa imperialista voltasse com tudo a fazer a campanha de que Daniel Ortega seria um “ditador”, um “monstro”, uma espécie de reencarnação de Adolf Hitler.
A medida de Ortega, por mais que seja repressiva, é uma medida defensiva. Como se trata de um governo nacionalista burguês, que procura se equilibrar entre a classe operária e um setor da burguesia, o governo não tem a força suficiente para enfrentar o imperialismo com outros métodos. Independentemente disso, o objetivo das prisões políticas é claro: impedir que um regime pró-imperialista tome conta da Nicarágua.
O que o imperialismo quer naquele país também está claro, e já foi dito claramente em vários momentos pelos porta-vozes do governo norte-americano: alinhar a América Latina inteira aos seus interesses. Para que isso aconteça, os Estados Unidos precisam se preocupar especialmente com três países onde a mobilização popular foi mais profunda e estabeleceu regimes que se chocam mais com o imperialismo: Cuba, Venezuela e Nicarágua.
Esse alinhamento da América Latina se faz ainda mais importante no momento em que a crise do capitalismo se acentua e o imperialismo tem assistido a derrotas importantes, como a insurreição talibã no Afeganistão, o impasse na Rússia e a derrota na Síria.
