Devemos aceitar golpistas só por terem se “arrependido” de apoiar Bolsonaro?
É possível ver, agora que o grupo de transição do governo foi criado, uma intensa propaganda para que os políticos e articuladores do golpe de 2016 e até da eleição de Jair Bolsonaro em 2018 sejam “perdoados” e sejam inclusos no governo, que a esquerda se abstenha de criticá-los, pelo fato de “apoiarem” o novo governo. Os que advogam esta política estão incorretos e não tentam, paradoxalmente, aplicá-la onde ela deveria ser aplicada, isto é, convencer camadas populares que votaram no bolsonarismo abandonar a política.
Quem merece “perdão”?
Obviamente não se trata de perdão num sentido moral, mas de relevar as decisões erradas do passado para poder trabalhar juntos no presente. Mas quem deveria merecer este tratamento? Nas lideranças políticas que apoiaram a direita, o golpe e Bolsonaro, é preciso que haja uma demonstração clara de mudança de posição e que haja uma mudança em relação a mais coisas do que apenas a “democracia”, que é usada pela direita como uma abstração.
Para um político de extrema-direita como Alexandre Frota dizer que mudou sua posição por conta da “defesa da democracia” é muito pouco. No que consiste o antidemocratismo de Bolsonaro? Apenas na seu projeto pessoal de poder? Se for isso, não podemos aceitar. Um governo que respeite o teto de gastos, realize o massacre da população pobre por via econômica, por austeridade, não é democrático, mesmo que tenha a aparência “democrática”. Democracia é fazer aquilo que o povo deseja, é defender o interesse popular. Trocar o carrasco fardado por um carrasco de terno não muda nada na vida da população pobre.
Não podemos aceitar um bolsonarismo sem Bolsonaro. O governo de Bolsonaro foi sim antidemocrático e cruel com a população pobre, mas não foi, nem de longe, mais antidemocrático e mais cruel que o de Fernando Henrique Cardoso.
O fim do mandato de FHC causou uma situação de calamidade pública tão grande, que a fome matava 300 crianças por dia. É importante dizer os 700 mil mortos na pandemia, ainda que sintomáticos de uma ação criminosa, não superam em nada as 300 mortes de crianças por dia no final da Era FHC, em um ano isso remontaria a mais de 100 mil mortes, sem pandemia, por pura crueldade governamental.
Democracia requer comida na mesa, salários dignos, emprego digno, requer que o País não seja transformado num campo de concentração nazista.
Se vamos “perdoar” políticos que apoiaram essa barbaridade, não somos melhores que os bolsonaristas. Para perdoar líderes políticos, precisamos que se defendam algo concreto nessa democracia. Para perdoar o militante bolsonarista, o cidadão comum, aquele que apenas foi enganado, basta apenas que ele diga que errou. O cidadão comum, principalmente os mais pobres merecem perdão, até quando mantém a posição errada. O frase bíblica “Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem” é bastante aplicada ao militante que o faz por mal colocada convicção política. A esquerda precisa parar de perdoar criminosos e começar a perdoar os ingênuos.
