O youtuber do PCB, Jones Manoel, publicou dois textos no sítio da revista Ópera discutindo a Revolução Brasileira. O primeiro deles, chamado “A Revolução Brasileira como horizonte político concreto” também foi publicado no portal do PCB no dia 5 de dezembro.
No início do primeiro artigo, Jones Manoel tenta analisar o capitalismo:
“A grande novidade do capitalismo é a centralização e concentração da produção de subjetividades, memória e horizontes políticos. Ainda ficando no exemplo da ordem feudal na Europa Ocidental, a família de então camponesa formava não só o núcleo produtivo, como também era – junto com a Igreja Católica – o principal aparelho de socialização e interiorização das normas sociais da ordem dominante.”
Jones Manoel quer dar lições sobre a Revolução Brasileira, mas já na sua primeira caracterização sobre o capitalismo ele demonstra uma séria limitação teórica e histórica. A “grande novidade” do capitalismo não é a centralização e concentração da “produção de subjetividade”. Pelo contrário, o desenvolvimento capitalista é um avanço em relação à ordem anterior, feudal. O feudalismo, com a família, o núcleo camponês e a Igreja, era um sistema muito menos diversificado “subjetivamente”, com um controle ideológico extremamente centralizado e concentrado.
Com o desenvolvimento do capitalismo, o controle ideológico é mais descentralizado, pois a sociedade é mais complexa. No capitalismo, a classe dominante precisa de um esforço muito maior para centralizar as ideias.
O capitalismo e o desenvolvimento econômico criam cada vez mais meios de comunicação. O intercâmbio entre as pessoas e as sociedades aumenta, aparecem a imprensa, os jornais. Para uma pessoa do Século XXI é simples perceber isso: a diversificação dos meios de dominação é enorme e a burguesia precisa de muito esforço para dominar a opinião e a ideologia das pessoas. Igrejas, imprensa de esquerda e de direita, internet. Portanto, o capitalismo não cria nenhuma centralização e concentração da produção de subjetividades – pelo contrário, ele as dilui e faz com que o controle exercido pela classe dominante seja mais “frouxo” do que nunca.
Jones Manoel, que se diz marxista, não recorre a Marx justamente quando pretende compreender o capitalismo.
“As ideias dominantes de cada época são as ideias da classe dominante”, afirmou Marx. O problema, no entanto, é como a classe dominante vai conseguir controlar as ideias da época. Na sociedade agrária, com pouca diversificação, era mais fácil esse controle. O tuiteiro “marxista”, contudo, acha que é o contrário.
“Com o capitalismo, o processo de produção de subjetividades é centralizado e ganha uma dimensão de uniformização e uma escala de massas. As televisões, cinema, mercado fonográfico, aparelho escolar, igrejas, mercado literário e afins alcançam diariamente milhões de pessoas, oferecem ideias, organizam pensamentos (…) O capitalismo, em contraste com o feudalismo, tem uma rede de socialização e vida social mais rica e complexa, ao passo que a capacidade da classe dominante de controlar a produção das subjetividades é infinitamente maior na ordem burguesa do que em outros modos de produção.”
Como vemos na citação acima, a consideração de Jones Manoel é a de que o feudalismo, ao menos no aspecto do que ele chama “produção de subjetividades”, seria um sistema mais progressista que o capitalismo. Uma conclusão totalmente antimarxista. Essa conclusão reacionária é produto da confusão muito comum na esquerda que considera negativa a diversificação dos meios de comunicação sem considerar que existe uma relação dialética existente aí: a burguesia tenta controlar todos esses meios para impor sua ideologia às massas, mas, ao mesmo tempo, ela dificulta essa dominação. Quanto maior o acesso à informação, mais difícil é esse controle.
“O controle da produção de subjetividades caminha na direção de mostrar como impossível, um ato de loucura, um delírio, a ideia de que seja possível construir uma outra forma de organização social, o comunismo.”
A mentalidade acadêmica é realmente um problema quando se aventura na política. Jones Manoel acredita que hoje é muito mais difícil defender o comunismo. Mas se ele olhasse para si mesmo, ele veria que o próprio texto dele, defendendo supostas ideias comunistas, tem muito mais facilidade de acesso do que no Século XIX, quando escrever e divulgar um artigo era muito mais difícil. A burguesia pode até ter muitos meios de convencer as pessoas contra o comunismo, mas os comunistas têm muito mais condições e meios de defenderem suas ideias do que cem anos atrás ou menos.
A análise do capitalismo atual feita por Jones Manoel parece ser uma justificativa para o fracasso da própria política do PCB. Como fazer um partido revolucionário se as condições são as piores possíveis?
“Nesse momento, temos mais de 20 milhões de famílias brasileiras passando fome e metade dos lares brasileiros em insegurança alimentar. Os números são suficientes para afirmarmos que vivemos uma crise humanitária e de fome, mas não vivenciamos o clima de crise por não termos, nesse momento, organizações revolucionárias com suficiente força para elevar essa realidade a um dado de percepção política e subjetividade generalizada.”
Nesse caso, Jones Manoel confunde diferentes momentos políticos. As pessoas podem ser indiferentes hoje à fome, mas amanhã a situação é outra e isso pode explodir numa crise política.
Todas essas considerações são o preambulo de Jones Manoel para o que ele considera ser a concepção da vanguarda revolucionária. Para ele a tática política da vanguarda não é a luta aberta pela tomada do poder, mas deve “ser fator de desestruturação e paralisia do Estado burguês”.
“Esse fator político é a vanguarda revolucionária organizada em um Partido Revolucionário. Aqui o conceito de vanguarda não é entendido como um pequeno grupo iluminado, detentor da verdade e que, como disse um profeta, traz a “boa nova”. Vanguarda revolucionária é um conceito que indica a organização de uma parte da classe trabalhadora e outros estratos sociais para ação política revolucionária, fator ativo e subjetivo de alargamento do horizonte político, sujeito da criação de uma crise revolucionária e decisivo para vitória do proletariado. Ninguém – nenhum grupo ou organização – pode-se afirmar a vanguarda do proletariado. O papel histórico de vanguarda é provado na prática, no solo concreto da luta de classes, e pode assumir diversas formas organizativas.”
A tática política da vanguarda, ou seja, do partido revolucionário, deve ser a tomado do poder. Diferente do que diz Jones Manoel, a vanguarda não pode assumir diversas formas organizativas. O partido político, o partido operário, é a forma organizativa da vanguarda por excelência.
Jones Manoel diz que “ninguém pode-se afirmar a vanguarda do proletariado”, talvez isso explique a completa inatividade do PCB enquanto partido. Fato é que, para liderar e dirigir a classe operária, a vanguarda precisa se “proclamar” como tal. Se não for assim, ela deixa de ser vanguarda pois simplesmente nunca vai conseguir construir um partido e liderar as massas.
Essa concepção distorcida de Jones Manoel sobre o partido se explica na própria ideia que apresenta sobre a Revolução Russa. Para ele, o Partido Bolchevique “cumpriu o papel de vanguarda revolucionária”. Eis uma ideia totalmente errada sobre os bolcheviques. O partido de Lênin não “cumpriu esse papel”, o partido era a própria vanguarda da classe operária russa. E diferente do que diz Jones Manoel, os bolcheviques se colocaram o problema da tomada de poder desde o início, ou seja, se “proclamaram” a vanguarda.
A confusão de Jones Manoel se apresenta também na sua concepção sobre outras revoluções:
“Na Revolução Coreana, Chinesa e Vietnamita, guardadas todas as suas diferenças, esse papel de vanguarda revolucionária se expressou nas frentes de resistência nacional e anticolonial com hegemonia dos Partidos Comunistas. Nessas três revoluções, a vanguarda revolucionária também teve um papel central como organizadora do dispositivo militar revolucionário. Na Revolução Cubana, como sabemos, a guerrilha liderada por Fidel Castro cumpriu o papel histórico de vanguarda, unificando as lutas, potencializando a radicalidade, acelerando a crise política do regime, colocando em tela a conquista do poder.”
Os exemplos dados por Jones Manoel desmentem a sua própria tese eclética de que a vanguarda pode assumir diversas formas de organização. Jones confunde a qualidade dos partidos que lideraram essas revoluções com a existência do partido. A ação desses grupos foi limitada pela ausência de um programa político revolucionário claro, aspecto ignorado por Jones Manoel. Em todos esses casos, os partidos e frentes acabaram se transformando na vanguarda, ou seja, no partido da classe operária quando esta ingressa na revolução.
Todos eles foram empurrados pela classe operária. No caso de Cuba, por exemplo, a guerrilha, na medida em que ganhava a adesão da classe operária, se transformou no próprio partido da vanguarda revolucionária.
Em todos esses casos, inclusive, os revolucionários precisaram romper com o stalinismo, na prática, que era contra-revolucionário e servia como um instrumento de contenção dessas revoluções.
Jones cita o caso do golpe militar de 1964 no Brasil que, segundo ele, é um “belo exemplo da ausência de uma vanguarda revolucionária constituída e atuando como tal” e isso fora fundamental para o golpe. O que ele não entende é que o velho PCB, que seria a vanguarda na época, tinha uma política desastrosa que trabalhou para derrotar o movimento. A mesma coisa aconteceu com a Unidade Popular de Salvador Allende, no Chile. Em nenhum desses casos o problema foi a “ausência” de uma vanguarda, mas a política completamente errada, deveríamos dizer, contrarrevolucionária.
Essas concepções de Jones Manoel parecem servir para justificar o próprio fracasso do PCB na situação atual como um partido que se apresenta como comunista, mas não tem condições de ser a vanguarda da classe operária. Por isso, é preciso inventar teorias de que um partido não pode se “proclamar” a vanguarda e que a vanguarda pode assumir “diversas formas”.