Em artigo chamado “A vitória de Lula foi um grande triunfo democrático contra o autoritarismo”, a corrente interna do PSOL, Movimento Esquerda Socialista (MES), faz contorcionismo para explicar sua participação na coligação com Geraldo Alckmin.
Para quem não sabe, o MES, corrente de Luciana Genro e Sâmia Bonfim, foi a favor do golpe de Estado contra Dilma, com uma posição parecida com a do PSTU, algo como o “fora todos”. O MES também ficou a favor da Lava Jato e da prisão de Lula. O grupo dizia na época que burguês corrupto, como era Lula para eles, deve pagar por seus crimes. Em suma, o MES é apenas mais uma corrente de esquerda que ficou a favor do golpe de Estado e agora tenta disfarçar sua posição.
Mas como explicar para seus apoiadores e militantes que, depois de atacar tanto Lula e o PT, é preciso não apenas apoiar a candidatura de Lula como entrar na chapa com Alckmin e assinar o programa dessa chapa? É aí que entra a ginástica política.
No seu balanço do resultado das eleições, o MES afirma que foi um produto de “setores democráticos”. E que setores seriam esses? Além da esquerda nacional, os grandes “democratas” do Partido Democrata norte-americano e o imperialismo europeu. Segundo o próprio MES, então Lula e sua chapa foram apoiados pelos setores mais importantes do imperialismo. E não para por aí: segundo a matéria, o governo Lula será ainda mais liberal do que o que foi eleito em 2002.
Se tudo isso fosse verdade, o próprio MES deveria se autoacusar de ter entrado numa chapa pró-imperialista. Mas não é assim tão simples. Para um esquerdista acadêmico, basta inventar um conceito político para justificar uma política errada: o “progressismo neoliberal”. É mais ou menos como dizer fascista progressista.
“Setores progressistas neoliberais, como define Nancy Fraser – incluindo aí Rede Globo -, que não pactuam com o obscurantismo, não atacam a ciência, a cultura, nem querem impor um modo de vida e liquidar as liberdades democráticas – ainda que defendam uma política econômica liberal – formataram o caminho para a derrota de Bolsonaro. Seguiram os passos de grupos da burguesia progressista neoliberal pelo mundo, em relação aos projetos autoritários ou neofascistas – ou como se queira defini-los – como a oposição que alguns setores burgueses norte-americanos fizeram a Donald Trump nos Estados Unidos.”
Para justificar a sua adesão a uma suposta coligação imperialista, o MES reproduz uma ideia que é uma verdadeira aberração política. Acreditar que os maiores devastadores de países inteiros, responsáveis por um sem-número de ditaduras no mundo todo são “progressistas”. Mas não precisa ser teórico para notar o absurdo da colocação.
Como é possível um grupo de esquerda acreditar que a Rede Globo é progressista, que a Rede Globo não “pactua com o obscurantismo” e não quer “liquidar as liberdades democráticas”? É até estranho ter que explicar algo assim para alguém de esquerda, mas a Rede Globo “não obscurantista e a favor da liberdade” apoiou o sangrento golpe militar em 1964. Essa mesma Rede Globo foi um dos principais pilares do golpe de Estado de 2016 que colocou na rua o que há de mais retrógrado e obscurantista, o que acabou resultando no bolsonarismo.
Pelo menos, o absurdo dito pelo MES ajuda a explicar porque o grupo ficou a favor do golpe contra Dilma. Eles acreditam que a Globo, o imperialismo e todos os golpistas são “progressistas”.
Mais absurda ainda é a ideia de que Biden e o Partido Democrata também teriam todas essas qualidades. Justamente o senhor da Guerra, o partido que promove invasões no mundo todo.
O imperialismo apoiou Lula?
Mas apesar de todos os absurdos, o MES ao menos estaria correto em dizer que o imperialismo e a Rede Globo apoiaram Lula? Esta afirmação está longe da realidade.
Se não é errado dizer, como afirma o artigo do MES, que a divisão na burguesia foi “fundamental para derrubar eleitoralmente” Bolsonaro, essa divisão não se deu pelos motivos apresentados pelo MES.
Se houve alguma divisão, ela dizia respeito a uma necessidade imediata da burguesia. A Globo de fato mostrou uma boa vontade com Lula durante o primeiro turno, principalmente, mas isso não tem nada a ver com democracia, obscurantismo ou liberdade. A Globo estava simplesmente preocupada com seus lucros. Sua vida como empresa capitalista ficou um pouco mais difícil com Bolsonaro.
O MES transformou uma posição meramente econômica da Rede Globo em altruísmo, democracia e luta pela liberdade. É ridículo.
Já no caso do imperialismo e do Partido Democrata de Biden, não é correto dizer que apoiaram Lula. Se é fato que Bolsonaro não agradava esses setores, é fato que não tinha outra opção a não ser reconhecer a vitória de Lula.
Não, o imperialismo não apoia Lula. Tanto é assim que, já na transição, o dito mercado, os jornais golpistas pró-imperialistas, já atacam Lula por sua política econômica.
Ao transformar uma máquina de guerra contra os povos do mundo todo em “progressista”, o MES está prestando um bom serviço para os setores mais reacionários. Tudo isso apenas para justificar sua política oportunista nas eleições.