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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Me engana, que eu gosto

Etiquetando o discurso dos banqueiros

Precisamos das “instituições democráticas” para conferir legalidade a golpes e falcatruas de todo tipo

Especialista

A esta altura, todos já viram a tal “carta às brasileiras e aos brasileiros”, manifesto dos economistas, banqueiros e empresários, cujo título, embora nos remeta ao bordão do ex-presidente José Sarney, é um aceno à pauta do feminismo identitário, a coisa mais moderna do mundo. Outra coisa muito moderna são as chamadas “agências de checagem”, constituídas por jornalistas que, com base na astrologia ou nas matérias jornalísticas feitas por seus colegas da imprensa burguesa, supostamente seriam capazes de atestar a veracidade ou a falsidade do que as pessoas dizem. Que tal submeter o manifesto da burguesia a uma “checagem” desse tipo?

Antes, porém, cabe uma observação sobre essa artimanha da imprensa da burguesia. Toda vez que o Lula ou mesmo o Bolsonaro fazem discurso, aparece uma agência desse tipo que escrutina o texto e atribui “etiquetas” (“verdadeiro”, “falso”, “exagero” e “verdadeiro, mas…”) a cada afirmação. (O pessoal da terceira via, por algum motivo desconhecido, não precisa dessas checagens.)

A propósito, ontem, não sendo essa a primeira vez que isso ocorre, a Folha de São Paulo registrou “errata” de análise de uma dessas checagens, segundo a qual Lula teria “errado” ao falar sobre o Programa Mais Médicos. Vejamos:

Erramos: o texto foi alterado

25.jul.2022 às 22h30

A etiqueta da frase de Lula sobre o programa Mais Médicos é “verdadeiro, mas”, não “falso” como publicado em versão anterior deste texto. Embora a licitação em questão autorizasse a contratação de estrangeiros, ela foi realizada internamente e não citava a contratação específica de médicos cubanos. O termo de cooperação que trouxe os cubanos para o Brasil foi assinado somente no mês seguinte.

O título do texto, que, como se vê no link da matéria, era “Lula acerta sobre universitários, mas erra sobre Mais Médicos”, mudou para “Lula acerta sobre universitários, mas erra sobre voto de Bolsonaro em PEC”, quando, honestamente, deveria ter sido corrigido para “Lula acerta sobre Mais Médicos, e Agência Lupa erra sobre Lula”. O que importa, porém, é dizer no título que Lula “erra” alguma coisa, o que pode sugerir que “mente”, a depender da boa vontade do leitor ou da falta dela. E assim se faz jornalismo “profissional”, como eles gostam de dizer.

Como pimenta nos olhos dos outros não arde, vamos “checar” algumas coisinhas que os empresários, ditos porta-vozes da “sociedade civil”, disseram no seu manifesto pela democracia. O texto, diga-se, conseguiu um endosso de peso, a assinatura de Chico Buarque, que, como sabemos, já se rendeu à pauta passivo-opressora dos identitários, quando declarou que deixaria de cantar uma de suas mais belas canções. Foi, provavelmente, o Chico “sem açúcar e sem afeto” quem assinou essa carta. Vamos a ela.

Nas primeiras linhas, temos o seguinte: “Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo”. Considerando que apenas dois países no mundo, Butão e Bangladesh, usam sistema de urna eletrônica sem comprovante impresso (como o nosso), dizer que temos “servido de exemplo no mundo” é um exagero tão grande que, em nossa modesta opinião, vai além da falsidade. Etiqueta: “caradurismo”.

Depois lemos isto: “Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral […]”.  Aqui a porca torce o rabo, pois a última eleição de Dilma Rousseff foi contestada pelo PSDB de Aécio Neves (neto do Tancredo Neves, aquele que morreu antes de assumir a presidência pós-ditadura militar, dando lugar ao vice, José Sarney, apoiador da ditadura, o tal que dizia “Brasileiras e brasileiros”). Bem, como ninguém conseguiu comprovar fraude nas urnas eletrônicas, foi acionado o plano B – e Dilma foi apeada do poder, “com Supremo, com tudo”. Etiqueta: “assim é se lhe parece”.

Em seguida: “Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública”. Aqui a velha constatação do óbvio, que faz parecer que essa turma de golpistas tem algum projeto social nessas áreas. Não seriam eles próprios os responsáveis por essas profundas desigualdades? Etiqueta: “cinismo”.

Depois: “Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável”. A palavrinha da moda (“sustentável”) é o sinal de compromisso com a tal “agenda ESG”, a “governança empresarial, social e ambiental”, que, grosso modo, desloca ao empresariado a tarefa de gerenciar as soluções para os problemas do país sob uma capa politicamente correta, que inclui a pauta identitária, mas obviamente está a serviço de seus interesses particulares. A frase do manifesto é capciosa e pode sugerir até mesmo a internacionalização da Amazônia. Etiqueta: “apito de cachorro”.

Outra afirmação: “O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios”. Verdadeiro ou falso? Temos aqui uma interpretação apresentada como fato, o que essa turma gosta de chamar de “narrativa”. O problema estaria no Estado (não em um governo “x” ou “y”). Etiqueta: “babação neoliberal”.

Vamos adiante: “Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude”. Essa é fácil. Etiqueta: “demagogia identitária”.

E esta: “Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos”. Essa parece ter sido redigida por algum roteirista de seriado da Rede Globo: a “democracia” seria um congraçamento de pessoas num convescote a conversar tranquilamente sobre os rumos do país, à maneira de uma aula de sociologia em Harvard. Etiqueta: “camuflagem da luta de classes”.

Mais uma: “Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”. Essa deve sensibilizar aquela turma da esquerda pom-pom, que gosta mesmo é de uma boa festa e morre de medo de tudo. Falta lembrar que a “normalidade democrática” sofreu um abalo sísmico por ocasião do golpe de 2016, um notório desacato ao resultado das eleições de 2014, que as ilibadas instituições da República avalizaram. Etiqueta: “amnésia”.

Outra afirmação: “Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional”. No lugar de “ataques”, leia-se “críticas”. Fica estabelecido, por esses senhores empresários, banqueiros e juristas, que não se pode suspeitar de nada sem ter provas, o que mais parece um contrassenso, pois, havendo provas, a suspeita vira fato. Ou não? Etiqueta “incoerência”.

Esta é boa: “Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão”. A vontade de copiar os EUA é tão grande que estão torcendo para aparecer por aqui também um cara vestido de viking a ameaçar a nossa linda democracia. Etiqueta: “só leio o New York Times”.

A cereja do bolo: “Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática”. As “divergências menores” que pretendem deixar de lado são basicamente a luta de classes, o fato de haver opressores golpistas que dão golpe de Estado para subtrair ainda mais os direitos dos trabalhadores. Etiqueta: “me engana, que eu gosto”.

E a chave de ouro: “No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições. Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito sempre!”. O truque, basicamente, é o de associar um suposto golpe de Bolsonaro à ditadura militar, com tanque de guerra e urutu no meio da rua. Esse tipo de golpe pertence ao passado. Hoje, só precisamos das “instituições democráticas” para conferir legalidade a golpes e falcatruas de todo tipo, camuflados por um palavrório pedante. Precisa de etiqueta? Me engana, que eu gosto.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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