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“China expulsou ONGs imperialistas”: entrevista com Elias Jabbour

Pesquisador fala sobre a China e também a luta contra o imperialismo dentro do Brasil

O geógrafo Elias Jabbour estuda a China há quase 30 anos. Nesta entrevista ao Diário Causa Operária, ele opina que Pequim saiu-se vencedor da tensão com os Estados Unidos quando da visita de Nancy Pelosi, líder do Congresso norte-americano, a Taiwan. Ele concorda que existe um debilitamento do imperialismo em escala mundial e que, no entanto, isso tem gerado uma maior agressividade contra a China. Para se proteger dessa agressão, Xi Jinping tem afirmado seu poder no governo chinês.

Jabbour destaca o combate do governo da China contra ONGs imperialistas, como a Open Society de George Soros, e da burguesia interna, como as tentativas de Jack Ma de formar as suas próprias lideranças para uma possível “revolução colorida” no gigante asiático. Membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ele se preocupa também com o papel dessas fundações norte-americanas dentro do Brasil que, além de influenciarem negativamente a política nacional, “estão conseguindo reescrever o que é ser de esquerda e o que é ser de direita no Brasil e no mundo“.

Acredita ainda que Bolsonaro criou todas as condições para que o imperialismo instalasse o “caos” na Amazônia e que é “urgentíssima” a retomada da soberania brasileira sobre o território.

Leia a entrevista na íntegra:

DCO: quem levou a melhor após as tensões com a visita da Nancy Pelosi a Taiwan?

Eu acho que a China. Em 1997, houve uma visita semelhante a essa, mas naquela ocasião a China não tinha condições materiais para dar uma pronta resposta, apenas protestaram com uma nota. Mas agora foi diferente, disseram aos EUA que quem brinca com fogo se queima.

E a visita da Nancy Pelosi foi seguida de um bloqueio naval e aéreo jamais visto naquela região. E foi um dos maiores exercícios militares da história do Mar do Sul da China. Os chineses fizeram exercícios com munição real, alcançando a costa japonesa, e o bloqueio aéreo e naval mostrou que no dia que a China quiser cerca Taiwan, ela vai cercá-la e sufocá-la. E os americanos não tiveram condições de dar nenhuma resposta a isso. Foram a Taiwan, disseram que apoiam a democracia taiwanesa, mas não puderam fazer absolutamente nada em relação a essa resposta chinesa.

Mas o fundo da questão, na minha opinião, é que a China já ganhou antecipadamente essa batalha, porque conseguiu quebrar qualquer possibilidade de bloqueio naval que os americanos pudessem impor a ela por meio do Mar do Sul da China. Os americanos tinham supremacia naval naquela região e agora deixaram de tê-la. Então a China hoje é capaz de impedir qualquer tentativa militar e naval norte-americana de bloquear os fluxos de comércio da China, que passam em sua maioria pelo Mar do Sul da China ─ uma região onde Pequim sempre foi muito vulnerável do ponto de vista geopolítico.

Os chineses estão na deles, vendo os americanos completamente desesperados e sem condições de dar uma pronta resposta, que eles tinham dez ou quinze anos atrás. E os chineses vão tirando proveito disso. Quem sai vitoriosa nesta história toda é a própria China.

DCO: esse é um sinal da debilitação do imperialismo?

A própria financeirização ─ que é o próprio imperialismo hoje ─ debilitou muito os Estados Unidos. A diferença na manufatura e na alta tecnologia entre a China e os EUA diminuiu muito mais rápido nos últimos 40 anos do que esperava o próprio Deng Xiaoping quando lançou as reformas econômicas. Porque uma das características da financeirização é que as crises são mais curtas temporalmente entre uma e outra e mais violentas a cada crise. Tudo isso foi produzindo contradições que foram se sobrepondo ao longo do tempo no centro do sistema capitalista e que a China foi se aproveitando, diminuindo mais rapidamente a diferença entre ela e o “Ocidente”.

Portanto, existe o imperialismo em decadência (eu acho que é relativa, mas é uma decadência), enquanto que existe um fortalecimento absurdo da China em todos os campos da arena social, inclusive o militar.

DCO: no último congresso do Partido Comunista Chinês, foi aprovado que o secretário-geral e, portanto, presidente da república, não tem mais limites para a reeleição, o que beneficia Xi Jinping. Você acha que é uma medida de proteção contra o imperialismo sabendo que a tendência é o aumento das tensões, sendo necessária uma maior centralização do regime?

Exatamente isso. Primeiro que Xi Jinping conseguiu para si muitos inimigos internos. Ou seja, a sua campanha anticorrupção levou a uma elevação de tensão interna em que ele mirou uma burguesia que é interessada na abertura financeira do país. Isso geou uma limpeza dentro do partido comunista. Evidentemente ele mexou com milhares de interesses. Tanto é que teve gente do Politburo, isto é, de seu entorno, que foi presa. Esses inimigos internos que surgiram são um motivo a mais para ele não “largar o osso”.

Por outro lado, existe uma tensão internacional muito grande e que em grande medida ─ gostemos ou não da forma como as coisas acontecem ─ fez com que Xi Jinping terminasse por encarnar em si mesmo a força necessária do povo chinês para enfrentar a atual situação interna e externa.

DCO: há um setor da esquerda que diz que a China é imperialista. Qual a sua opinião sobre isso?

Acho que eles deveriam estudar o que é o imperialismo. Quem fala que a China é imperialista está colocando a China em sinal de igualdade com os EUA. Então, a China seria imperialista porque ela exporta capitais. Mas hoje, exportar capital produtivo é até mesmo uma forma “anti-imperialista”, vamos dizer assim, de relações internacionais (eu tenho defendido cada vez mais essa tese). Porque os americanos hoje exportam capitais improdutivos, especulativos. Quebram moedas, produzem crises financeiras a partir de seus agentes como George Soros. A China exporta infraestrutura, ou seja, forças produtivas.

Agora, que existem contradições nas relações da China com a América Latina, com a África etc, evidentemente que existe. Mas daí até chamar a China de imperialista é uma distância muito grande, porque a China, por exemplo, se adapta a projetos nacionais autônomos, não impõe condições de empréstimos, costuma atender às demandas dos países. Os países não querem que a China compre soja deles, querem que a China instale indústrias ali. E a China negogia. Por exemplo, a China não exige que seja o único parceiro comercial de nenhum país. Não impõe o monopólio sobre importação e exportação de produtos. 

Ou seja, ela não tem nada que caracterizaria um país imperialista hoje. Fora, por exemplo, a utilização do poderio econômico dela para mostrar para a Austrália ou Taiwan que se elas agirem de maneira agressiva, a China irá deixar de importar desses países.

DCO: como a China trata as ONGs ligadas a governos imperialistas?

Já faz muito tempo que a China expulsou a Open Society de seu território. Além disso, Jack Ma [dono da companhia Alibaba] havia montado várias escolas ao estilo da Open Society dentro da China para “formar lideranças” ─ o que na verdade tinha o objetivo de fomentar a contrarrevolução. O Xi Jinping mandou fechar todas essas escolas. Então, essas ONGs não têm muito espaço dentro da China.

Por outro lado, a China tem convênios, por exemplo, com a Fundação Ford. Mas daí à Fundação Ford ter na China o mesmo papel que teve aqui na “periferia”, é uma outra história. A China e a Rússia expulsaram essas ONGs há muito tempo.

DCO: o que você pensa sobre o processo de adaptação de uma parte da esquerda ao imperialismo, inclusive trabalhando em ONGs que são financiadas por órgãos do governo dos EUA como o NED ou a USAID?

A Universidade pública, por exemplo, está falindo. E tem muitos pesquisadores que não conseguem receber financiamento. É nessa brecha que essas fundações entram. Nós temos que entender a situação em que um país cria condições para que essas fundações entrem e influenciem os rumos do país. O caso do Brasil e da América Latina é grave porque essas organizações entram no país, cooptam intelectuais do campo progressista e, ao fim e ao cabo, após dez ou vinte anos ─ porque não é em curto prazo que você percebe a mudança ─ eles estão conseguindo reescrever o que é ser de esquerda e o que é ser de direita no Brasil e no mundo.

Por exemplo, eles conseguiram emplacar no âmbito da esquerda e da direita aquela velha separação entre liberdade real e liberdade formal do Kant. Essas ONGs, utilizando partidos de esquerda e intelectuais de esquerda, recriam essa separação. Tanto é que hoje a pauta desse pessoal é a seguinte: o mundo é dividido em duas classes de países, os democráticos e os autoritários. As pessoas não percebem que o que parece algo progressista ou de esquerda, na verdade não passa de um discurso liberal.

Então eu acho que o maior perigo nem é a questão de essas ONGs entrarem aqui e financiarem a esquerda, mas que elas estão conseguindo o que é ser de direita e de esquerda no mundo e no Brasil. Por isso eu acho que os partidos de orientação socialista devem redobrar o esforço de propaganda do socialismo e das nossas visões de socialismo em detrimento dessas falsas visões pseudoprogressistas que se vende por aí, financiadas por um homem branco biolionário e reacionário europeu que é o George Soros.

DCO: e sobre o identitarismo?

Sim, somos contra o identitarismo porque somos contra essa compartimentação, contra observar o todo pela parte. Mas não devemos cair nas armadilhas que eles nos colocam dizendo que negamos a questão racial, a questão de gênero, se não acabamos caindo no mesmo campo do bolsonarismo caso neguemos isso.

DCO: como você vê esse discurso de alguns setores que indicam que o Brasil deve entregar a Amazônia para controle internacional?

Eu acho que o Bolsonaro criou todas as condições do mundo para que o imperialismo instalasse o caos na Amazônia. Porque o caos é a forma atual que o imperialismo tem de dominação mundial. Então, por exemplo, quando temos a morte daquele indigenista e do jornalista inglês na Amazônia, isso é muito funcional para a demonstração de que o Estado brasileiro não teria capacidade para tomar conta dela, ou para se abrir condições para esse discurso de que a Amazônia tem que ser internacionalizada criar força no mundo.

Temos um combo na Amazônia: as ONGs estrangeiras, o tráfico de drogas e o tráfico de madeira. Ou seja, a Amazônia virou terra de ninguém. E é urgentíssima a retomada da soberania brasileira sobre a Amazônia ─ algo contra o qual Bolsonaro está prestando um grande desserviço. A primeira correspondência dele com o Biden não foi para reconhecer sua vitória nas eleições, mas para propor a exploração conjunta da Amazônia. Então, hoje, o principal agente de entrega da Amazônia para a abertura da discussão sobre a “internacionalização” da Amazônia é o próprio Bolsonaro. Ele é atualmente o maior risco à nossa soberania nacional.

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