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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Língua portuguesa

As Vozes Verbais

Quem não se lembra desta pergunta: qual é o correto, “vende-se casas” ou “vendem-se casas”?

Poema visual

Nos artigos anteriores sobre questões de língua portuguesa, o sujeito da enunciação foi estudado com enfoques linguísticos próprios das questões de discursos e texto, todavia, convém não nos esquecermos de que os textos são formados por frases, sendo necessário, portanto, conhecer a teoria gramatical para escrever adequadamente. As vozes ativa e passiva dos verbos são tópicos gramaticais interessantes; contudo, antes das vozes, vale a pena relembrar do papel desempenhado pelo verbo na estrutura da frase. A frase com verbo é chamada oração – quem não se lembra disso? –; é difícil esquecer, também, de o verbo ser o centro da oração.

Por que o verbo é o centro da oração? O verbo tem propriedades interessantes: (1) ele concorda com o sujeito e rege os complementos verbais; (2) tanto o sujeito quanto os complementos do verbo são os substantivos principais na estrutura da oração. Eis os primeiros versos do poema “Palavras no mar”, de Carlos Drummond de Andrade:

              Escrita nas ondas
              a palavra encanto
              balança os náufragos,
              embala os suicidas.

 A frase “a palavra encanto” é o sujeito dos verbos “balançar” e “embalar”. A conjugação do verbo está na terceira pessoa do singular e o sujeito também; isso é chamado concordância verbal, quer dizer, quando o substantivo-sujeito e a pessoa da conjugação verbal são a mesma pessoa. Se o sujeito fosse “as palavras”, as conjugações seriam “balançam” e “embalam”, pois o substantivo-sujeito e a conjugação verbal estariam na terceira pessoa do plural.

 O que “a palavra encanto” “balança” e “embala”? “A palavra encanto” “balança os náufragos” e “embala os suicidas”. O verbo “balançar” rege seu complemento “os náufragos” e o verbo “embalar” rege seu complemento “os suicidas”. Percebe-se, por meio dos exemplos, que os elementos da oração estão estruturados ao redor do verbo, por isso sua função de centralidade.

Voltando à questão das vozes nos versos de Drummond, os dois verbos mencionados anteriormente estão na voz ativa: (1) nas duas frases, o sujeito age ativamente sobre o objeto, isto é, “a palavra encanto balança os náufragos” e “a palavra encanto embala os suicidas”; (2) nas duas orações, há a seguinte estrutura sintática: “sujeito + verbo + objeto direto”.

 O complemento, no caso, porque não há preposição entre ele e o verbo, é chamado “objeto direto”, diferentemente da frase “o garoto gosta de chocolate”, em que existe a preposição “de” entre o verbo “gostar” e o complemento do verbo “chocolate”, chamado, assim, “objeto indireto” (o tópico da regência verbal é tema das próximas colunas).

  As orações na voz ativa, formadas por “sujeito + verbo + objeto direto”, podem ser transformadas na voz passiva, com estes resultados: “os náufragos são balançados pela palavra encanto” e “os suicidas são embalados pela palavra encanto”.

              a palavra encanto balança os náufragos
              os náufragos são balançados pela palavra encanto
              a palavra encanto embala os suicidas
              os suicidas são embalados pela palavra encanto

 Atenção: (1) “objeto direto” da voz ativa torna-se o “sujeito” da voz passiva – os objetos diretos “os náufragos” e “os suicidas” são respectivamente os sujeitos das novas orações –; (2) o “sujeito” da “voz ativa” transforma-se, quando na voz passiva, no termo chamado “agente da passiva” – o sujeito “a palavra encanto” transformou-se em “agente da passiva” nas duas novas orações –.

Dessa maneira, torna-se possível contar, com os mesmos elementos, as ações sob dois pontos de vista, pois ora o enfoque é dado em quem faz a ação na voz ativa e ora em quem recebe a ação na voz passiva. Em “a palavra encanto balança os náufragos”, destaca-se a ação de “balançar”; contrariamente, em “os náufragos são balançados pela palavra encanto”, destaca-se a recepção da ação, fazendo o uso da voz depender do efeito pretendido na construção das orações.

Por fim, não se pode esquecer de que não há somente um tipo de voz passiva. A oração “os suicidas são embalados pela palavra encanto” está na voz passiva analítica; há ainda a voz passiva sintética, formada assim: “embalam-se os suicidas”. Na voz passiva sintética o “agente da passiva” desaparece da oração, pois ele se transforma no “-se” de “embalam-se”; esse “-se” é chamado “partícula apassivadora”.

O desaparecimento do “agente da passiva” resulta em um efeito de sentido diferente daquele da voz passiva analítica; sem o “agente”, o enfoque concentra-se na recepção da ação, sem se destacar quem está agindo. Na oração “embalam-se os suicidas”, não se sabe quem “embala”; já em “os suicidas são embalados pela palavra encanto”, o agente da passiva aparece. Novamente, cabe ao enunciador escolher o efeito pretendido em suas orações.

Porque o “sujeito” da voz passiva continua sendo “os suicidas”, o verbo continua concordando com ele e é conjugado na terceira pessoa do plural “embalam”. Quem não se lembra desta pergunta: qual é o correto, “vende-se casas” ou “vendem-se casas”?

Para responder com segurança, basta reconstruir o processo indo da voz ativa para a voz passiva sintética: (1) “alguém vende casas” / “casas são vendidas por alguém” / “vendem-se casas”; (2) ou ainda: “alguém vende casa” / “casa é vendida por alguém” / “vende-se casa”. O certo, portanto, é “vendem-se casas” ou “vende-se casa”.

(as ilustrações desta coluna são poemas visuais do poeta experimental português Fernando Aguiar)

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*As opiniões do colunistas não expressam, necessariamente, as deste Diário.

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