O colunista do portal Brasil 247, Carlos D’Incao, escreveu no último dia 18 que a escolha de Alckmin por Lula foi “genial”, não porque seu vice cumprisse qualquer papel relevante na campanha, mas porque este será importante para tornar viável o governo Lula.
Não serviu para eleger Lula
Para provar seu ponto, o autor do artigo “Alckmin: uma escolha genial” (Portal Brasil 247, 18/11/22) começa descartando as objeções que, segundo ele, foram levantadas por quem se opôs à escolha de Alckmin como vice de Lula. “a) Alckmin poderia facilmente se tornar em um novo Temer e golpear Lula em um momento de fragilidade política; b) Tratava-se de um rival político recente, o que poderia desgastar a própria candidatura de Lula pelos ataques recíprocos já trocados; c) Alckmin provavelmente não puxaria votos, fazendo da candidatura de Lula uma empreitada eleitoral quase ‘solo’.”
De trás para a frente, o próprio colunista reconhece que Alckmin não serviu para puxar voto nenhum. “Lula venceu a eleição e seria justo afirmar que puxou quase que a totalidade de seus votos por seu carisma e projeto político”, disse.
A campanha de Lula sofreu uma mudança radical do primeiro para o segundo turno. A mudança consistiu, principalmente, no abandono dos elogios a aliados direitistas como Alckmin e em deixar de lado a presença do candidato a vice e voltar-se à população trabalhadora das periferias das grandes cidades, destacadamente a classe operária de São Paulo e do Rio de Janeiro.
A realidade confirmou, ainda, os receios dos que levantaram os argumentos assinalados por D’Incao: a presença de Alckmin na chapa foi utilizada por Bolsonaro na campanha como um eixo para atacar a candidatura de Lula. Era o seu flanco exposto na campanha e não há motivo suficiente para acreditar que disso, passará a ser um ponto forte do governo.
Permanece aberta a possibilidade de Alckmin se tornar “um novo Temer” e esse é justamente um dos motivos pelos quais sua presença no governo é um ponto fraco, e não forte.
“Governabilidade”
Uma vez vencidas as eleições e comprovada a verdadeira inutilidade do vice na disputa pelo voto popular, restou a incógnita: para que servirá Alckmin então? Segundo D’Incao, a escolha foi “genial” porque Alckmin dará condições para que Lula governe, e não pelo seu papel na campanha eleitoral. É uma conclusão inevitável uma vez que se constatou que Lula ganhou as eleições apesar de figuras como Alckmin em sua chapa e em torno de si.
“Quanto mais abre-se a caixa de Pandora do governo Bolsonaro, mais relevância Alckmin atua no complexo ofício que será governar o Brasil junto com Lula.”
“Lula, ao escolher Alckmin, não pensou nas eleições e sim na governabilidade…”, escreveu o colunista. “Alckmin tem dirigido a equipe de transição com maestria única e, sem a qual, talvez, Lula sozinho não conseguisse abrir as mínimas possibilidades de um governo factível, tendo minoria nas duas casas”, disse.
Os problemas do governo Lula vão muito além da transição, muito além do que será deixado como “legado” pelo governo Bolsonaro. Lula enfrentará dura oposição bolsonarista. Esta oposição, aliás, já é uma realidade antes mesmo do governo começar, uma vez que o movimento verde e amarelo que saiu às ruas imediatamente após o resultado aponta para uma composição entre o apoio popular que Bolsonaro possui (atestado pela vitória apertada de Lula por menos de dois pontos percentuais) e a maioria direitista no Congresso Nacional e nos governos estaduais.
Alckmin não é defesa nenhuma contra essa oposição, que só pode ser contraposta por um amplo movimento popular, como ficou patente durante o segundo turno da campanha eleitoral. A força de Lula não está nos gabinetes de seu vice e ministros, nas instituições carcomidas dentro das quais a burguesia conspira contra o povo, mas nas ruas.
Ele “mudou”
Para D’Incao, Alckmin é “um indivíduo (…) levado a atuar em circunstâncias que nem mesmo ele imaginava” e que está sendo “recriado e atuando pela imposição de forças históricas que não estão sob seu controle”. Isso faz dele um ponto de apoio para Lula junto às massas trabalhadoras? Não.
D’Incao elogia fartamente o ex-governador: “Geraldo tem mostrado enorme coesão e lealdade com o projeto progressista de Lula e demonstra enorme correção, urbanidade, eloquência e respeito junto a todos os protagonistas da sociedade civil. Habilita-se, assim, em talvez tornar-se no mais importante vice-presidente da História da República.” A “sociedade civil” é um apelido do empresariado, dos banqueiros, dos especuladores e dos políticos de direita que representam seus interesses. Foi com eles – e só com eles – que Alckmin conversou até agora. E deles nada obteve até o momento, a não ser elogios e afagos que não significam nada senão respeito por suas qualidades direitistas, não por seu pendor popular ou “esquerdização”.
Disse ainda que Alckmin “não possui uma gota do que foi e ainda é Temer. Tem inteligência e sabe muito bem que a Rússia não é mais URSS, além de não se achar ‘Carlos Magnum (sic) e os cavaleiros da távola redonda’. Em suma, é um personagem altamente culto e politizado, além de vir se atualizando em cada milímetro dos desafios que estão por vir.”
Alckmin mudou? Teria deixado de ser e pensar como pensava quando era governador de São Paulo, responsável pelas privatizações da CESP, do Metrô, da repressão aos professores e estudantes, etc. Como? O único indício de mudança, que o nosso autor sequer menciona, poderia ser o fato de ele ter deixado o PSDB e passado a compor a chapa com Lula como membro do PSB. É pouco, muito pouco, quase nada. Ele não se tornou um líder popular. Muito longe disso. Alckmin está infinitamente mais para Temer do que para Lula. É um político burguês em decadência, que tenta se reciclar ao se aproximar de Lula, não um político popular em ascendência como leva a crer o colunista do Brasil 247.
Co-presidente?
Para o autor, “na História dessa nação talvez tenhamos, na prática e pela primeira vez, um regime bi-presidencialista”. Quer dizer, não só Alckmin teria mudado, mas se elevado à altura de co-piloto, se colocado em pé de igualdade com Lula. Teríamos, portanto, dois presidentes tornados equivalentes: um líder operário e um político burguês falido. Nada poderia estar mais longe da realidade.
O único papel que Alckmin pode cumprir como vice-presidente é o papel de todos os vice-presidentes: conspirar contra o titular.
Sucessor de Lula?!
“Caso tudo corra bem e o governo Lula tenha o êxito que todos nós desejamos, seria ele o sucessor natural de Lula”, diz o colunista. Muito afeito ao ex-tucano, ele complementa: “uma pena que provavelmente não o será”. O autor é obrigado a reconhecer a esta altura que, “de fato, [Alckmin] não possui raízes tão profundas com a esquerda”. Raiz nenhuma, melhor seria dizer.
Reconhecendo que está fazendo um exercício de futurologia, D’Incao reconhece tacitamente que Alckmin teria, quando muito, condições de suceder apenas a si próprio como vice. “Com o momento devido, vendo suas possibilidades eleitorais diminutas, Alckmin certamente aceitaria ser novamente vice de uma frente democrática”, afirma.
A continuidade de Alckmin em uma chapa com Lula ou quem quer que Lula indique (o colunista aventa a possibilidade de que Haddad seja o nome escolhido por Lula e que este último governaria por apenas um mandato) apenas daria “mais força para debandar o golpismo e a extrema direita que poderá voltar a assombrar a nação com uma hipotética vitória de Trump nos EUA e o ressurgimento do clã Bolsonaro no cenário político”.
A vitória de Trump certamente ainda está por se confirmar, mas fato é que o ex-presidente republicano é candidatíssimo nas próximas eleições dos EUA, e que sua base de apoio parlamentar e popular cumprirão o mesmo papel que as de Bolsonaro cumprem imediatamente no Brasil. Mais: o “clã Bolsonaro” não desapareceu do cenário político. É pura ilusão acreditar que a derrota nas urnas fará retroceder o ímpeto golpista da burguesia que não teve outra alternativa a não ser apoiar Bolsonaro.
Ponto fraco, nada mais
A escolha de Alckmin como vice não foi um ato de gênio, mas uma concessão indevida feita por Lula às pressões da burguesia e do capital estrangeiro, que exigem “responsabilidade” e “equilíbrio” do governo. Se se apoiar nas instituições falidas, como o “centro político” do qual Alckmin é um representante igualmente falido, Lula vai ser encurralado pelos setores (os banqueiros, grandes capitalistas e grandes latifundiários) que foram derrotados nas urnas, mas não pretendem dar o braço a torcer. A única chance de uma vitória real do povo por meio do governo Lula está neste se apoiar no povo, apoiar-se na sua mobilização, atender às suas expectativas, fazendo as únicas concessões que um governo popular pode fazer, as concessões às reivindicações populares e a defesa dos interesses nacionais de um País atrasado como o Brasil frente ao imperialismo.
A corda sempre arrebenta do lado mais fraco e um flanco exposto do governo Lula que se inicia em 1º de janeiro é justamente a presença do ex-governador de São Paulo como vice-presidente. Será por seu intermédio que a pressão direitista que já está vindo das ruas e da imprensa burguesa – e virá, certamente, do Congresso Nacional e dos governos estaduais – atingirá o governo. É o seu ponto fraco, nada mais.