A professora Márcia Tiburi publicou uma coluna no portal Brasil 247 sobre a derrota do Brasil nas quartas de final da Copa do Mundo. Como vários personagens da esquerda nacional, Tiburi aventura-se a fazer algumas considerações sobre o futebol, mas diferente de outros, ela admite que não é conhecedora do tema. Justamente por isso, a coluna de Tiburi serve para discutir o que muitos esquerdistas acham do futebol, embora não admitam que não entendem nada do assunto.
O pretexto do artigo é filosofar sobre a derrota e relacionar, de maneira um tanto quanto torta, o resultado no futebol com o resultado das eleições presidenciais. Segundo ela, o brasileiro deveria saber perder e a derrota seria um bom aprendizado. Mas deixemos isso temporariamente de lado.
As opiniões da esquerda pequeno-burguesa mostraram que a maioria desses esquerdistas não entende nada de futebol. Diferente do que diz Tiburi, admitindo sua indiferença ao tema, alguns esquerdistas se aventuraram a apresentar receitas para a Seleção, coisa que eles não têm a menor competência para fazer.
Assim como a maioria dos jornalistas e cronistas esportivos da imprensa burguesa, esses esquerdistas não sabem como funciona o futebol, eles não sabem como são os detalhes de uma partida. Mesmo assim, acham que seus palpites e suas receitas são a coisa mais genial que poderiam dizer.
Essa esquerda pequeno-burguesa não sabe o que significa o futebol para o povo. Para a classe operária brasileira, e do mundo todo, o futebol é uma paixão. As pessoas não apreciam o futebol como fariam com qualquer outro esporte. A relação do povo com o futebol é passional, o envolvimento das pessoas é muito profundo.
A esquerda pequeno-burguesa tem dificuldade de compreender esse ponto que é essencial para entender o futebol. Por isso, muitos esquerdistas se dividiram entre tentar dar lições para a Seleção, que nem sabe a existência deles, e tirar sarro do sofrimento do povo.
Esse envolvimento passional do povo brasileiro com o futebol não é um demérito. Ele é parte da cultura nacional. Essa paixão não tem a ver com a técnica, o esquema tático ou os números, mas com a beleza do jogo. O povo se identifica com as jogadas criativas que só os jogadores brasileiros sabem fazer. O esquerdista de classe média tem muita dificuldade de entender isso porque ele é distante do povo, muitos deles consideram essa paixão uma inferioridade do povo.
Para a população pobre, o futebol se torna um componente importante na vida desde criança. São milhões de brasileiros que praticam futebol regularmente, que acompanham todos os dias o futebol. Para essas pessoas não faz nenhuma diferença, por exemplo, onde está sendo a Copa, se na “ditadura” do Catar ou na “democracia” do EUA. O povo quer ver triunfar seu time e sua Seleção, que é a representação mundial dos times brasileiros. O triunfo da Seleção é o triunfo da personalidade do próprio povo, que se reconhece na Seleção.
E o povo, o que o povo perde? Ora, o povo que vibra com o espetáculo perdeu algo que é preciso perder: a ilusão. Perder a ilusão é algo tão maravilhoso que se assemelha a uma vitória
A conclusão do artigo de Tiburi revela bem essa ausência de percepção sobre o que é o futebol. Que ilusão é essa que as pessoas perderam? Nem faz sentido, a não ser que ela considere que a vitória seja algo ruim para o povo. Mas se ela conhecesse um pouco de política, saberia que a derrota aumenta as ilusões. Quanto pior é a situação de um povo, mais ilusões ele tem, ao passo que quanto melhor sua situação, mais condições ele tem de resolver seus problemas.
A única coisa que a derrota pode trazer nesse caso é a desmoralização, que não pode ser boa para o povo.
A ideia de Tiburi de aceitar a derrota também é uma posição conservadora. Significa dizer que o povo deveria ser conformado. Não aceitar a derrota é uma característica revolucionária. Tiburi afirma isso para criticar os bolsonaristas que não aceitam a derrota eleitoral, sem perceber que sua posição é conformista. O problema dos bolsonaristas é sua política, não o fato de não aceitarem a derrota. A atitude deles contrasta, inclusive, com a atitude de boa parte da esquerda, que aceitou o golpe de Estado em silêncio.