Nesta semana, nossa coluna será novamente dedicada aos “Arquivos do Twitter” (Twitter files, em inglês) – o vasto acervo de mensagens internas da companhia, antes de Elon Musk assumir seu controle, tornadas públicas principalmente através do jornalista norte-americano, Matt Taibbi. Na terceira parte dessa reportagem investigativa, Taibbi iniciou uma exposição sobre o funcionamento do maquinário político que terminou por excluir um presidente em exercício da rede social pela primeira e, até agora, única vez em sua história.
Após as mobilizações de 6 de janeiro de 2021, os moderadores do Twitter, em conluio com o FBI e o Departamento de Segurança Doméstica (DHS), decidiram banir permanentemente o perfil de Donald Trump. “A todos os que perguntaram, eu não irei à Inauguração [presidencial] no dia 20 de janeiro,” foi a postagem que garantiu a expulsão do ex-presidente. Segundo a empresa, a postagem estaria deslegitimando as eleições e incentivando os apoiadores de Trump a cometerem mais atos de violência. Trump foi banido não pelo conteúdo de seu tweet, mas pelo “contexto” em que estava inserido. Em sua reportagem, Taibbi nos remete a esse pronunciamento da empresa – com referência à discussão interna que o formulou – mas acrescenta que “o enquadramento intelectual [para essa decisão] havia sido estabelecido meses antes dos protestos no Capitólio.”
Taibbi então mostra os corriqueiros relatos de reuniões semanais entre o líder de Confiança e Segurança do Twitter, Yoel Roth, e membros do FBI e do DHS. O então diretor de Política do Twitter, Nick Pickles, aparece de forma cômica na reportagem perguntando a seus colegas de trabalho como descrever ao público como funciona a detecção de “desinformação na plataforma”.
“Através de inteligência artificial, análise humana e parcerias com especialistas externos?” pergunta Pickles. Logo em seguida, acrescenta: “podemos falar apenas em parcerias […] não tenho certeza se nós deveríamos descrever o FBI e a DHS como especialistas.”
É revelado ainda como certas postagens de Trump foram alvo de ferramentas internas do Twitter que impedem sua viralização, ou seja, sua propagação massiva através de compartilhamentos. Em outros casos, comitês internos à empresa decidiram colocar os hoje corriqueiros avisos institucionais, parcialmente “corrigindo” postagens de Trump e seus aliados com a versão “oficial” dos fatos sobre, por exemplo, as eleições.
As revelações (que prometem se estender pelo final de semana) fortalecem com dados a tese defendida pelos trumpistas – e por qualquer pessoa com mínima vivência política – de que as eleições norte-americanas de 2020 foram arrumadas para a vitória de Joe Biden. O cerceamento do alcance e o descrédito de uma autoridade pública em exercício, em ano eleitoral, por parte de agentes do Estado norte-americano também demonstram a existência do famoso “estado profundo” – em termos mais concretos, a burocracia não eleita que realmente coordena o estado imperialista nos EUA.
Não que tenha havido grande esforço para esconder esses fatos, afinal, em fevereiro de 2021, a revista Time publicou uma reportagem intitulada “A história secreta da campanha oculta que salvou as eleições de 2020“, na qual confirmavam com orgulho a tese de que “um cabal de pessoas poderosas, de diferentes indústrias e ideologias, trabalhou em conjunto nos bastidores para influenciar percepções, mudar regras e leis, conduzir a cobertura da imprensa e controlar o fluxo de informação.”
Para nós, para a esquerda operária e revolucionária, não há conclusões políticas novas. Os fatos apenas embasam a nossa leitura. A burguesia imperialista está fragmentada. A política neoliberal levada adiante pela ala mais poderosa do imperialismo não é aceita por setores representados por, por exemplo, Donald Trump e, mais recentemente, Elon Musk. O imperialismo em decadência, porém, não consegue sustentar nem mesmo o dissenso de setores da direita. Não preciso dizer que as mesmas ferramentas usadas para censurar Trump foram usadas em escala muito maior para silenciar a esquerda combativa, quem pode realmente causar problemas ao imperialismo.
Até o momento, nada realmente chocante foi revelado, mas a postura de setores que se dizer da esquerda norte-americana espanta. Taibbi foi alvo de duras críticas por estar supostamente cooperando com a direita ao fazer sua denúncia. Sofreu inclusive ameaças. Tudo em nome da defesa de uma democracia que, como a própria reportagem de Taibbi demonstra, não existe, já que representantes eleitos pela população podem ser arbitrariamente difamados e silenciados por uma burocracia oculta, amorfa que efetivamente comanda a máquina imperialista. Há uma esquerda que luta pelo fim da liberdade de expressão, contra o caráter inerentemente democrático da internet, em nome de uma democracia abstrata, que não existe na prática. Essa esquerda, a dita “nova esquerda”, fortalece a ditadura imperialista.