Na última quinta-feira (18), o presidente fascista Jair Bolsonaro ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra as medidas impostas pelos governadores para restringir a circulação de pessoas ̶ trata-se dos chamados lockdowns e toques de recolher, implementados em vários Estados e cidades.
“Entramos com uma ação hoje. Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), exatamente buscando conter esses abusos. Entre eles, o mais importante, é que a nossa ação foi contra decreto de três governadores”, disse Bolsonaro, sem especificar a quais Estados se referia. “Que inclusive, no decreto, o cara bota ali toque de recolher. Isso é estado de defesa, estado de sítio que só uma pessoa pode decretar: eu”, completou.
A celeuma é mais um capítulo do conflito entre a extrema direita bolsonarista e a direita tradicional, duas alas do bloco golpista do regime político. Bolsonaro alega que os governadores e prefeitos, ao decretar medidas como o toque de recolher, estão invadindo sua competência, na medida que em tais medidas restritivas configuram situações típicas presentes no estado de defesa ou no estado de sítio, medidas extraordinárias previstas na Constituição Federal e de competência exclusiva do Presidente da República e, em certos casos, do Parlamento.
As principais direções políticas da esquerda, mantendo certa coerência, diga-se de passagem, não perderam tempo. Colocaram-se ao lado dos governadores e prefeitos e qualificaram a iniciativa do presidente ilegítimo de mais um exemplo do seu “negacionismo”. Afinal, como é possível se postar contra as medidas de isolamento adotadas pelos governadores e prefeitos “científicos” da direita tradicional?
A política da esquerda é um tiro no próprio pé. Apoiar as medidas de isolamento aplicadas até agora pelos governadores e prefeitos é apoiar uma farsa total. Os lockdowns e toques de recolher da direita são mais encenação e jogo de cena do que qualquer outra coisa. Não são medidas reais e efetivas. É possível fazer um verdadeiro isolamento social mantendo praticamente todos os setores econômicos funcionando, mantendo as escolas abertas, permitindo que os trens, ônibus e metrôs permaneçam lotados, aglomerando os trabalhadores em seus locais de trabalho? Tudo o que a direita faz, nos estados e municípios, é adotar uma série de medidas que, do ponto de vista do controle da pandemia, são essencialmente inócuas.
As medidas dos governadores e prefeitos, no entanto, trazem também graves consequências no terreno econômico e político. Economicamente, o lockdown vem se demonstrando uma verdadeira catástrofe para amplos setores dos trabalhadores e da pequena burguesia. Decreta-se o fechamento de lojas, bares, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais, mas não se garante, por outro lado, nenhuma compensação econômica para o período de inatividade. Não há auxílio emergencial, não há linhas de créditos para os pequenos comerciantes e lojistas, não há medidas que protejam os trabalhadores e sua família diante da crise, como a proibição das demissões e dos despejos. Como tais setores da sociedade, que dependem economicamente dessas atividades, poderão sobreviver?
Ainda mais grave, o lockdown e o toque de recolher abrem caminho para toda sorte de ações antidemocráticas e arbitrárias. Embora de maneira demagógica, Bolsonaro acerta quando diz que o toque de recolher é uma medida típica do estado de defesa, do estado de sítio. As medidas dos governadores e prefeitos implicam uma série de violações aos direitos democráticos da população. Elas impõem restrições graves nos direitos de ir e vir, no direito de reunião, de manifestação etc. Reforçam decisivamente as tendências repressivas do aparato estatal e pavimentam a estrada para uma ditadura numa e crua.
Fica patente, diante de tudo isso, que as direções da esquerda não possuem uma política própria, independente. Tentando se contrapor a Bolsonaro, acabam caindo no colo da direita golpista tradicional, o setor político que conduziu o golpe de Estado de 2016 e um dos principais fiadores de Bolsonaro no governo. Ao fim e ao cabo, terminam por não combater Bolsonaro, mas, antes, por fortalecê-lo. Bolsonaro explora o real e profundo descontentamento social derivado da repulsa popular contra as medidas dos governadores e prefeitos. Ao aderir acriticamente à política da direita, a esquerda oferece uma grande ajuda para reforçar as posições do bolsonarismo.
Sem uma política independente ante a burguesia, não será possível enfrentar a pandemia e derrotar Bolsonaro e todos os golpistas. É preciso ter um programa claro, concreto, de reivindicações para enfrentar a crise sanitária e econômica, um programa que responda aos interesses fundamentais das massas operárias e populares. A luta por esse programa, por sua vez, passa necessariamente por travar uma agressiva luta política, recorrendo aos métodos típicos dos explorados, a saber, à ação das massas, às mobilizações de rua, às manifestações e greves.