Um dos cínicos argumentos em voga para pressionar os militantes mais sinceros da esquerda a engolirem o apoio do PT, do PCdoB e do PSOL ao bloco de Rodrigo Maia na Câmara dos Deputados é o de que, sem a esquerda, Bolsonaro sairia vencedor. Essa posição pode ser encontrada, por exemplo, em artigo recente assinado pelo jornalista Alex Solnik, intitulado “Sem PT no Grupo dos 11, Bolsonaro leva”.
O tom é claramente de uma chantagem. Ou a esquerda — e principalmente o PT, que é o partido com a maior bancada na Câmara — apoia os vigaristas da direita nacional ou será responsável pela vitória de um aliado do fascista, grotesco e genocida Jair Bolsonaro. O leitor que procurar alguma lógica neste raciocínio, não encontrará: trata-se apenas de histeria.
Vê-se, nesta posição de franca defesa da direita nacional, uma política muito semelhante à que a esquerda levou adiante durante as eleições municipais de 2020. Naquela oportunidade, PT, PCdoB, PSOL, PCB, PSTU e UP, alguns de maneira mais, outros de maneira menos escancarada abriram mão de qualquer programa para apoiar a política da direita. Em alguns casos, como no Rio de Janeiro, o PT, o PCdoB e parte do PSOL apoiaram o candidato do DEM, Eduardo Paes, em nome da luta contra o “bolsonarismo” do Republicanos. Em São Luís, contudo, o mesmo PCdoB apoiou o Republicanos em nome da luta contra o “bolsonarismo” do Podemos! E pior: o PPL, fração do PCdoB, apoiou o candidato do Podemos na capital maranhense…
Nos casos um pouco menos explícitos, a confusão alcança a mesma envergadura. Guilherme Boulos, candidato do PSOL em São Paulo, defendeu o mesmo programa da direita nacional, embora não tenha apoiado diretamente o PSDB, por exemplo. Boulos defendeu o armamento da guarda municipal, assinou manifestos com a direita nacional e ainda prometeu não “demonizar” os empresários. Em outras cidades, seu partido lançou candidatos diretamente ligados à burguesia. Um deles, que foi eleito, é um latifundiário!
A luta contra o bolsonarismo, portanto, não é uma política séria por parte da esquerda nacional. Tanto é que se tornou uma luta sem qualquer princípio: é bolsonarista aquele que a esquerda diz que é, e não é bolsonarista quem a esquerda pequeno-burguesa diz que não é. Ou, sendo ainda mais preciso: é bolsonarista aquele quem a imprensa burguesa diz ser, e é “democrático” e “civilizado” aquele que é recebido com confetes e serpentinas pelos capitalistas.
Nas eleições da Câmara, nem o PT, nem o PCdoB, nem o PSOL têm quaisquer chances de tomar a mesa diretora. Assim como, por exemplo, a esquerda tinha pouquíssimas chances de ter um bom desempenho eleitoral neste ano. Afinal, tanto em um caso, como em outro, o jogo já foi montado para que a direita saísse vitoriosa. E, no caso da Câmara, a situação é ainda pior: quem irá votar são os deputados, picaretas inimigos do povo, que conquistam seus cargos ao se submeterem a todo tipo de política podre da burguesia. E se não há chance de ganhar, o que fazer?
A política de escolher um dos candidatos com maior força, mesmo que ele não corresponda ao seu programa, é a famigerada política do “mal menor”. No cálculo de quem defende esse tipo de política, a situação seria a seguinte: já que é impossível que o meu programa vença, vou defender aquele que tem um programa mais parecido com o meu. Esse raciocínio, contudo, não é válido.
Isso porque a política da direita nacional não é “meio-progressista”. É uma política completamente antagônica aos interesses da esquerda e do povo. Pior ainda: a direita nacional é a responsável direta pela situação terrível em que se encontram os trabalhadores: 200 mil mortos na pandemia, mas de 14 milhões de desempregados, o País de volta ao mapa da fome, privatizações diversas etc.
E quando a esquerda sai em defesa da direita nacional, sua única contribuição é no sentido de confundir os trabalhadores, que identificam na esquerda uma defesa de seus interesses. Ao ver a esquerda com Maia, Baleia Rossi (MDB) e tantos outros golpistas, acabam abandonando qualquer perspectiva de luta contra a direita e se dirigindo ao precipício.