No vídeo Uma teoria do socialismo contra o Brasil, o youtuber Jones Manoel apresenta uma tese tão bizarra que acabou sendo criticada até mesmo por redatores do portal Em Defesa do Comunismo, que pertence ao grupo que Manoel integra. Segundo ele, as obras elaboradas por Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lênin ou qualquer marxista deveriam ter sua validade testada a partir das questões nacionais de cada país. Em outras palavras, que o que Lênin desenvolveu não foi o marxismo, mas um “marxismo russo”. Que Marx não desenvolveu o marxismo, mas um “marxismo alemão”.
Que, para aplicar o marxismo em um determinado país, é preciso conhecer as especificidades locais, é algo óbvio. Caso contrário, o marxismo seria uma teoria abstrata. A questão, no entanto, é: o que exatamente Jones Manoel quer dizer com isso?
Segundo ele, o que tornaria o Brasil diferente da Rússia seriam coisas como o “folclore” ou a “religiosidade”. Diz ele:
“Nós, comunistas, somos internacionalistas. Isso não significa negar ou esquecer que a gente atua no Brasil e a formação social brasileira, ela tem particularidades ela tem singularidades, a formação territorial cultural, histórica, política, econômica, racial, de gênero, enfim, alimentar, tudo o que você imaginar do Brasil não é igual na França, não é igual na Alemanha, não é igual nos Estados Unidos, não é igual na Holanda, não é igual no Marrocos. […] O comunista deveria ser alguém profundamente enraizado no seu país, ele deveria ser o mais nacional de todos os militantes no sentido de que se ele se propõe a fazer uma revolução que necessariamente é nacional na sua forma. Ele precisa conhecer o Brasil, conhecer a nossa história, a nossa Cultura, nossa economia, nosso folclore, a nossa institucionalidade, enfim, entender profundamente o país em que atua para garantir que a Revolução brasileira […] Lênin nunca estudou a realidade brasileira, não conhece a especificidade da questão religiosa no Brasil, Lênin não sabe o que é o candomblé, a umbanda, Lênin não conhece a mescla da religiosidade cristã católica com os elementos de religiosidade de matriz africana e de matriz indígena […].”
O fato é que Jones Manoel não sabe o que é uma formação econômica e social nacional. Isso não tem nada a ver com folclore, nem com candomblé, nem com religião de matriz africana. A única questão nacional que o marxista deve levar em consideração é o modo de produção. Neste sentido, hoje, é entender quais são as características da formação insuficiente do modo de produção capitalista. Então, por exemplo, é importante entender se o país foi um país feudal, como a Rússia, e como o feudalismo forneceu obstáculos ao desenvolvimento capitalista naquele país.
Todo país tem religião, e isso não tem importância para a análise. Os russos eram muito mais religiosos que os brasileiros, de tal modo que a revolução de 1905 começou com uma mobilização dos operários conduzidos pelos padres das igrejas católica ortodoxa.
Nesse sentido, o que de fato é importante para um marxista saber sobre o Brasil? A tarefa de unificação nacional do Brasil é uma tarefa que foi realizada de maneira imperfeita. Há regiões muito pobres e outras bem desenvolvidas. Que solução o desenvolvimento capitalista deu ao problema agrário? Que solução o marxista deve propor em seu programa? É na análise do modo de produção original que cada país é completamente diferente do outro, e é, por isso, a análise dessas questões que realmente importa.
Jones Manoel, ao mesmo tempo em que se mostra completamente ignorante no que se refere ao marxismo, também se revela como um típico identitário “decolonial”. Afinal, segundo o “decolonial”, um oprimido, como o índio, que continua vivendo sob condições terríveis por causa da pressão do imperialismo sobre eles, propõe não a luta contra o imperialismo, conforme propunha o “eurocêntrico” Lênin. O “decolonial” vai dizer que o índio deveria permanecer sob essas condições para sempre.