O artigo “Rio de Janeiro: A ação violenta da polícia no Jacarezinho não combate o tráfico”, publicado pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), é mais uma demonstração de que os morenistas, afogados na crise profunda causada pelo seu sectarismo, são, no frigir dos ovos, as amantes mais leais da democracia burguesa. Embora curto, o texto permite ao corajoso leitor se dar conta que o PSTU ignora completamente os debates mais importantes sobre a questão da polícia, do Estado e da criminalidade. Ou, se não ignora, decidiu sentar-se ao lado da imprensa capitalistas e de suas posições genocidas.
Uma coisa que precisa ser dita desde início é que o PSTU compartilha da mesma “teoria” da criminalidade que os setores mais fascistas da extrema-direita. A grande “crítica” dos morenistas à ação policial no Jacarezinho seria de que a polícia não dá conta de reprimir os “bandidos”, o que nos força a concluir que a repressão é mais do que justificável, desde que ela consiga reduzir os verdadeiros “bandidos” a pó:
“Uma pergunta aos policiais: os dois baleados que foram feridos no metrô também seriam bandidos? É evidente que não, tanto que os próprios delegados lamentaram”.
Em determinado momento do texto, o artigo procura apresentar a tese de que, mesmo que as vítimas fossem “bandidas”, a polícia teria “exagerado” em assassiná-las:
“Os maiores crimes que se pode cometer é tirar a vida de alguém, e em nome de defender a sociedade contra criminosos que tiram a vida de alguém liberemos Agentes do Estado a tirar a vida de quem achar que merece”.
Essa concepção, no entanto, continua sendo reacionária. Embora procure se colocar contra a chacina no Rio de Janeiro, os morenistas estão de acordo com a concepção geral da burguesia em relação ao crime: a de que o mundo seria divido entre “bandidos” e “não bandidos”. O que corresponderia, de acordo com o jargão das novelas da Rede Globo, em “vilões” e “mocinhos”. A única divergência do PSTU, portanto, é que os bandidos deveriam ser punidos de maneira mais branda do que o fuzilamento — com prisão perpétua, talvez —, mas que, por serem bandidos, deveriam sentir todo o peso da mão do Estado.
Obviamente, é uma posição antimarxista, pois os marxistas nunca defenderiam a máquina de repressão do Estado burguês contra quem quer que fosse, sejam “vilões” ou “mocinhos”. Mas não é só antimarxista, é uma posição reacionária, que acaba sendo uma versão mais “esquerdista” do que defende a extrema-direita. É a defesa de que um determinado setor da população seja esmagado violentamente por motivos políticos. E esse setor, obviamente, é a classe trabalhadora.
São os trabalhadores que cotidianamente sofrem nas mãos da polícia, do Poder Judiciário e do Estado de conjunto porque o Estado serve como um intermediário dos interesses da classe que o domina, a burguesia. A solução “humanitária” que o PSTU apresenta seria o encarceramento, em vez dos massacres da polícia. Mas os morenistas não se dão conta que entre os presos hoje no Brasil, pelo menos 61,7% são negros e 75% têm, no máximo, o ensino fundamental completo, um indicador de baixa renda. O “bandido”, portanto, é só uma palavra que a burguesia cunhou para chamar todo mundo que ela decidir tratar como lixo.
Feita essa primeira consideração, de que os “bandidos” só existem na ponta da língua dos fascistas e na imprensa golpista, é preciso também destacar que aquilo que é punido como crime nada mais é do que a reação inevitável da população pobre à política neoliberal. A dita criminalidade é a consequência direta da falta de infraestrutura, de saúde, de moradia, de saneamento básico e, claro, do desemprego. Antes de falar em “bandido”, é dever de qualquer organização progressista levantar a questão do salário mínimo vital, do auxílio emergencial com valor aumentado, da redução da jornada de trabalho etc.
É fato que parte da população pobre é empurrada para o crime, diante das condições de miséria que a burguesia lhe impõe. Mesmo assim, isso não torna essa parte “bandida”, nem muito menos deve ser punida. Pelo contrário: é mais do que legítimo que os trabalhadores se revoltem se sequer têm sua existência assegurada.
O caso do artigo do PSTU, contudo, é ainda pior do que parece. Pois se trata de clamar pela repressão de pessoas que teriam cometido “crimes” puramente artificiais. O tráfico de drogas enquanto crime, finalmente, só existe porque a burguesia resolveu institui-lo. É um pretexto para a repressão e serve tão somente para manter o narcotráfico um negócio bilionário. Todos sabem que os verdadeiros responsáveis pelo narcotráfico nunca são punidos. Ao mesmo tempo, um terço de todos os presos hoje, o que corresponde a centenas de milhares de brasileiros, estão presos devido a esse crime artificial.
Chama a atenção, inclusive, que o PSTU, que, como todo partido da esquerda pequeno-burguesa, faz demagogia com a legalização das drogas, defende, diante de uma crise, que a polícia seja eficiente no combate ao tráfico.
Toda essa concepção direitista do PSTU, em defesa da polícia contra os “vilões” leva, finalmente, a uma política que não poderia deixar de ser extremamente reacionária. Após o massacre do Jacarezinho, o PSTU não dá um pio sobre o que fazer com o aparato de repressão, ou seja, não diz uma palavra sobre a necessidade de dissolver esse aparato. É preciso acabar com todas as polícias e defender o direito de toda a população se armar e fazer sua própria defesa. O papel da esquerda deve ser de ajudar o povo a travar uma guerra contra os seus inimigos, e não aparecer com uma explicação, como fez o PSTU, de que o povo deveria aguentar calado o massacre diariamente causado pela polícia.