Alguém já disse que ‘o caminho para o Inferno está pavimentado das boas intenções’. Quando a direita (ainda mais pela voz do Estado de S. Paulo) vende uma história bonita tal como a união da transexual negra de esquerda com a milionária branca da Vila Madalena; rompimento de barreiras ideológicas; quebra do discurso de ódio; convívio; diálogo com o diferente… Pode ter certeza que é para encobrir alguma falcatrua.
Nesta quarta-feira (20/10), o jornal publicou uma matéria intitulada “Rivais na política, vereadoras do PSOL e do Novo se unem contra a violência trans”. O artigo celebra a parceria entre Herika Hilton (PSol) e Cris Monteiro (Novo) em uma CPI criada para investigar a violência contra pessoas trans e travestis no Brasil. Aqui, deveríamos nos perguntar por que um partido de esquerda tem de se juntar a um de extrema-direita. Se bem que a resposta do PSol até se advinha, “é por uma causa nobre”.
Uma “história de superação”
O jornalão da direita toma o cuidado de nos apresentar a biografia sofrida de Cris Monteiro a “ex-recepcionista suburbana”, que foi vítima de bullying na infância, que era filha de taxista e empregada doméstica, que foi recepcionista de banco e com muita dificuldade pagou a faculdade de Ciências Contábeis. Mas, claro, venceu na vida graças ao esforço, tem mérito. Uma espécie de Tabata Amaral com mais quilometragem.
Calma, tem mais: o jornal dá a entender que se trata quase de uma esquerdista, uma estranha no ninho no Novo, pois a nobre vereadora defende a descriminalização do aborto e o debate sobre gêneros nas escolas. Se bem que, ao mesmo tempo, defende ajuste fiscal e Estado menor. Claro que as escolas vão ficar ainda mais precarizadas com os ajustes fiscais e o tal ‘Estado menor’ (menor para o povo e maior para os capitalistas), sem mencionarmos o fato de que isso vai ferrar a vida de trans, travestis, negros, negras, indígenas, idosos… mas isso é um ‘detalhe’.
O identitarismo ataca novamente
A direita abraça as pautas identitárias porque isso não leva a nada, ou melhor, desarticula a verdadeira luta pelos direitos democráticos da população, uma vez que substitui a luta geral dos oprimidos por lutas individuais ou parciais. Além de ser um ótimo palanque eleitoral.
Boa parte da esquerda, ou iludidos do campo progressista, tendem a ver com bons olhos essas medidas que, no fundo, não passam de demagogia. O Novo apoiou Bolsonaro, o governo Romeu Zema, seu aliado, em Minas Gerais é uma tragédia. Ricardo Salles, aquele que adora ver uma boiada passar, sempre foi do Novo, partido que apoia BolsoDoria. Ora, que polícia é mais fascista e mais viola os direitos das minorias que a do Estado de São Paulo? Um partido que está ajudando a aprovar o Sampaprev, que vai roubar 14% da aposentadoria do funcionalismo paulista está interessado em defender direitos?
O que o PSOL faz, com vereadora sua posando ao lado de figuras da extrema-direita, é um grande desserviço, coloca o partido a reboque desses setores ultrarreacionários e ajuda a limpar a imagem desses verdadeiros abutres que jogam cada vez mais a população na miséria. Isso, a despeito de todo o blá blá blá identitário, inclui todos os gêneros.