O resultado do primeiro turno das eleições presidenciais chilenas, ocorrido no último dia 21 de novembro, foi muito bom para a extrema-direita, que viu seu candidato, o advogado José A. Kast, sair na frente com 27,92% dos votos, enquanto o candidato de centro-esquerda, Gabriel Boric, obteve 25,80% da preferência dos eleitores. O segundo turno ocorrerá no dia 19 de dezembro e a disputa será acirrada, pois a linha dura do fascismo chileno se reagrupou em torno de Kast e parte agora para o contra-ataque em um país convulsionado pela crise econômica e social legada pelo governo neoliberal de Sebastian Piñera, ainda no cargo, embora totalmente desprestigiado desde a sangrenta repressão estatal às manifestações de 2019.
Para compreender o que se passa atualmente no Chile, é preciso retornar a 2019, quando o aumento das tarifas de transporte público provocou a indignação popular. Em 7 de outubro de 2019, estudantes do ensino fundamental e médio reivindicaram o não pagamento das passagens e passaram a pular as catracas. Poucos dias depois, pressionado pela escalada da revolta, Piñera invocou a Lei de Segurança do Estado e fechou todas as linhas de metrô. Durante a noite, os carabinieri – forças policiais locais – confrontaram violentamente manifestantes defendidos por barricadas. Várias estações de metrô foram incendiadas, assim como uma guarita da polícia e um prédio da empresa multinacional de energia Enel. A capilaridade das redes sociais fez a revolta se espalhar. No dia 25 de outubro, mais de 2 milhões de pessoas saíram às ruas. Acovardado, o governo suspendeu o estado de emergência e buscou uma solução política para a crise. O sucesso da greve nacional de 12 de novembro de 2019 mostrou aos patrões que a situação era grave e a maioria presidencial – Renovação Nacional (RN) e União Democrática Independente (UDI) – engajou-se, então, em uma manobra tática habilidosa. Na noite de 15 de novembro, membros influentes do Congresso assinaram um “acordo pela paz social e por uma nova Constituição”. Foi uma tentativa bem sucedida de canalizar o movimento social para a realização de um referendo sobre a Constituição. Tanto a Democracia Cristã e os Socialistas (que governaram o país de 1990 a 2010), bem como a maioria da Frente Ampla (FA) – um jovem partido nascido na sequência das lutas estudantis de 2011 – aceitaram a ideia de uma Assembleia Constituinte, eleita ano passado e atualmente em atividade.
A mobilização popular gigantesca que sacudiu o Chile em outubro e novembro de 2019 está sendo sabotada novamente. Houve quase uma insurreição no Chile, mas quem vai ganhar as eleições será ou um fascista, ou uma espécie de “Guilherme Boulos” chileno.