Maria Arleide é natural de Goiás e veio para São Paulo com a família porque passavam muitas dificuldades naquele estado. Perdeu dois irmãos para a fome lá.
Ainda adolescente, ela participou das greves do final dos anos 70, início dos 80, que foram pioneiras do novo sindicalismo no País. Nossa redação entrou em contato com a companheira, que nos deu um interessante relato sobre sua participação nesses movimentos.
Segue relato:
Nós chegamos aqui em SP em 1966, eu tinha 7 ou 8 anos. Minha mãe tinha 10 filhos, dois morreram de fome, ficamos dormindo na estação de trem do Tietê, pedindo comida na rua e depois de uma semana meu pai arrumou um emprego na Nitroquímica, empresa que ninguém queria trabalhar porque matava muito funcionário.
Porque eles mexiam com veneno que matava rato, o BHC que dava doença no pulmão e “comeu” 40% do pulmão dele, pelo veneno.
Mesmo nessa época difícil conseguimos alugar um barraco, de um cômodo só. Nós morávamos todos, oito filhos, minha mãe e meu pai.
Passei minha infância toda nesse barraco e minha mãe já logo mandou todos os filhos trabalharem.
Eu entrei com oito anos numa casa de família para cuidar dos filhos das mulheres, eu e minhas irmãs, e meus irmãos vendiam coisas na feira. Meu horário de trabalho era de manhã até de noite e teve uma casa que eu dormia, trabalhei por dois anos lá e não voltava para casa e apanhava muito da Dona Dolores que me obrigava a carregar o bebê dela que era muito gordinho e eu era muito magrinha e ele caia sem querer, porque eu não tinha forças para aguentar ele.
Eu fui estudar, eu já era mais velha, tinha uns 15 anos e voltei para a escola. Na época, o povo falava “madureza”, o Geisel fez questão de fazer propaganda dele “Pra frente Brasil”, era o “Mobral”, educação dos mais velhos.
Quando eu me formei professora eu já era bem mais velha, e isso dificultou inclusive minha aposentadoria, mas quando prestei concurso na prefeitura eu passei em 5º lugar na educação infantil e depois peguei o ensino médio, me formei em pedagogia na UNICSUL, fiz uma pós-graduação na UNG em psicopedagogia, fiz uma graduação em artes e agora estou terminando um mestrado com relação à luta operária. Estou editando um livro de lembranças da minha mãe. Eu fui protagonista de uns filmes de uma pesquisa de doutorado, era o filme “luta do povo”, apareço em 79 na grande greve pelo aumento de salário, na Vila Euclides. Eu estava lá inclusive e o Lula estava falando, eu encontrava com Lula em vários momentos.
Até que meu pai ganhou um processo da Nitroquímica, pela doença dele e aposentou com um salário mínimo e foram momentos muito difíceis. E com esse dinheiro ele comprou o terreno onde a gente morava e construiu a nossa casa e começou a trabalhar de pedreiro e todas as pessoas do entorno gostavam e chamavam ele para trabalhar por ali.
Eu e meus irmãos fomos registrados, nas empresas, eu com 13 anos eu entrei na “Starup” na época era de costura, eu fazia aquelas calças jeans de Starup, era moda na época 60, 70.
Cada um entrou em uma empresa diferente, minha irmã entrou na Alpargatas e eu na Starup.
Eu resolvi sair das tecelagens e fui para metalurgia que chegou forte em São Paulo naquela época, 70 e 80, eu consegui arrumar emprego na Fame com 15 anos, trabalhei e fizemos uma greve, a maioria lá era menor de idade, nós fizemos uma greve pedindo leite porque a gente mexia com solda e a solda corroía as narinas da gente.
Nessa greve, nós saímos vitoriosos porque toda a empresa parou, inclusive os adultos que eram eletricistas, mecânicos, ficava ali no Belém.
Foi a primeira vez que eu tive contato com os sindicatos. Os sindicatos de São Paulo eram ocupados por interventores, na época o Joaquinzão, o Joaquim Andrade, era o presidente a mando da ditadura militar.
Eles mandavam o sindicato não para intermediar a luta dos trabalhadores, eles vinham para mapear, fotografar as pessoas que dirigiam o movimento, a serviço mesmo da polícia, aí até que fizeram um acordo em defesa do patrão, e a gente era menor, não tinha orientação e achamos que foi uma conquista ganhar um litro de leite para 10 operários tomarem. Em pouco tempo eu fui mandada embora, fui dedurada pelo próprio sindicato.
E na época minha mãe era contra isso, de fazer isso né.
Eu entrei num grupo de jovens aqui do bairro chamado JOC (Juventude Operária Cristã), que reunia os operários para discutir essa questão do bairro, asfalto de rua, encanamento e tal, movimentos sociais, cestas básicas para as pessoas, discutir política, falava mais da palavra de Deus e da bíblia, mas ajudava a organizar.
Tal padre foi preso por que estava ajudando os operários, e a gente não entendia muito na época, o que acontecia.
Foi na época que eu estava desempregada e ajudando aqui no bairro né, aí minha mãe não gostava que gente saía, e a gente se encontrava clandestinamente porque na época a gente nem podia se falar, então a gente falava que era um grupo de passeio que a gente se organizou para ir passear e tal, e a gente ia para a praia e lá na praia tinha uma casa que a gente se reunia escondido né, foi a primeira vez que eu conheci através de padre chamado Xavier esse movimento, e a gente se engajou e ficamos, militamos por muito tempo.
Aí eu entrei na Colméia, empresa metalúrgica no bairro do Tatuapé, ali tinha muita empresa e indústrias têxteis, o sindicato dos têxteis era bem melhor do que o dos metalúrgicos, mas era também conciliador, estava a serviço da polícia e da ditadura militar.
Nessa fábrica eu também organizei, eu me destacava porque eu era bocuda, não que eu tivesse consciência política, mas eu sabia que aquilo estava errado e não permitia.
O cara trabalhar oito horas direto, ter 30 minutos de almoço, trabalhar em serviço pesado, mesmo sendo jovem, consciência política eu fui adquirindo quando entrei no PCdoB aí eu comecei a estudar, fazer cursos.
A casa da minha mãe se tornou um comitê, a gente se reunia escondido lá nessa casa do fundo do quintal, aí a gente começou a se reunir, chamar pessoas e chegamos a 30 jovens pra discutir a questão política. Através de Ana Martins, vereadora, nos aproximamos do PCdoB, aí entramos eu e meu irmão, o Arnaldo, que foi vereador também, pelo PCdoB, mas na época foi pelo PMDB porque na época o PCdoB não era legalizado, eles usavam a legenda do PMDB.
Então nós focamos em metalúrgicas e começamos a reunir jovens metalúrgicos, traçava planos como qual eram as empresas que a gente iria organizar, como iria organizar, com quem a gente podia contar e tomar cuidado para não vazar a informação.
Então a gente pegava aqueles funcionários mais aguerridos, mais espertos, menos os puxa-sacos que entregavam as pessoas e a repressão se aproveitava disso. O patrão aumentava o salário do cara para ele servir de espião e dedurar as pessoas.
A primeira vez que eu fui presa, a gente estava pichando de madrugada, no muro da avenida Celso Garcia indo lá para a Radial Leste, em um viaduto bem grande e a gente pichava “Contra a ditadura militar” e “viva a classe operária”, aí pegaram a gente, eu e meu irmão e uns companheiros, foi em 1977, na época da greve geral, da greve dos metalúrgicos.
E aí a gente começou a organizar, foi a primeira vez que organizamos os metalúrgicos fazerem greve, fora o que a gente ia nas assembleias dos metalúrgicos para pedi a palavra, do qual era difícil, porque tinha policia na porta que tomava documento da gente, dava rasteira, era difícil entrar no sindicato até a oposição se fortalecer e ficar mais fácil para gente intervir nas assembleias, ou então a gente chamava os operários lá para fora para conversar com eles. O plano era tomar o sindicato das mãos dos interventores e convocar uma eleição.
Foi quando organizamos a primeira greve, e eu fui eleita da CIPA com 100% dos votos, mas os caras já me conheceram né, eu estava visada. Para eu ter estabilidade de dois anos.
Eles queriam me mandar embora na greve de 78, mas não puderam.
Aí apareceram dois policiais e foi a primeira vez que eu fui presa dentro da fábrica, aí eles me arrastaram pelos cabelos pela fábrica inteirinha, quando chegou lá na porta me esconderam num lugar lá, eu nem sabia para onde eu estava indo. Quando eu cheguei lá no DOPS tinham outros companheiros. Fiquei presa lá, pegaram documentos e tal e começaram a ameaçar.
- “Ali é cabeça de fulano, tá vendo? Vocês vão apanhar igual”.
Aí eles chutavam a cara da gente com coturno, quebravam os dentes da gente
- “Mulher tem que ser estuprada, tem que limpar casa” e batiam na nossa cara.
Estava eu e meu irmão, que foi preso no mesmo dia.
Aí tivemos visita de um vereador lá na rua que foi tentar tirar a gente, inclusive tinha dois padres, um deles era o Dom Angelo, aqui da zona Leste, era o bispo daqui. Negociaram e aí saímos, eu tinha 15 ou 16 anos, aí eu saí de lá, saímos todos. Aí mataram o Santo Dias, na mesma greve, operário metalúrgico que foi morto pela Silvania, lá na zona Sul, fábrica de lâmpadas.
Aí meu nome foi para lista, mas o sindicato já tinha dado nosso nome com certeza.
Fui mandada embora sem direitos, o sindicato disse que recorreu, mas acho difícil.
Aí nessa época estava acontecendo a eleição do sindicato, do qual o PCdoB fez uma chapa, aí eu e meu irmão entramos na chapa, na chapa 1 que era deles, e a chapa 2 que era oposição sindical, que era o MOSD na época, e nós ficamos na chapa 3. O que foi uma burrice porque se tivesse se juntado tinha tirado os caras, tinha tirado o Joaquinzão, mas aí houve muito roubo, essa eleição não apareceu nossos nomes, nessa eleição ganhou unânime, e a luta continuou para tirarmos o Joaquinzão.
No dia seguinte fomos para a Silvania para velar o corpo do companheiro, fizemos uma passeata enorme, fechamos a cidade, foi na Avenida Paulista, e eles não reprimiram, porque nós estávamos com o corpo do Santo Dias na passeata, inclusive tem um filme, “A luta do povo” (https://www.youtube.com/watch?v=fg6WbDwLS6s )que aparece quando a gente foi lá.
Aí São Bernardo unificou a luta dos operários, ficou São Bernardo, Santo André, o ABCD e São Paulo e nós saímos de São Paulo em passeatas e nos juntamos no ABCD e foi uma das maiores passeatas que eu estive. Aí a ditadura jogou pesado e fechou tudo para gente não entrar e foi chegando gente, ônibus cheio de gente, aí fomos tomando o estádio de São Bernardo e tomamos o espaço todo e foi tomando, tomando e ficou um grande ato, um dos maiores que eu já vi na minha vida, depois daqueles dos professores de mais de 100 mil pessoas, gente chorando, chateada e lutando.
Depois disso arrumei outro emprego, fui trabalhar na “Douglas do Brasil”, mas meu nome aparecia e eles me mandavam embora, eu mudei aqui da zona Leste pra zona Sul.
Fui para lá desempregada, apareceu emprego na Ki-Refresco na zona sul, empresa grande, avenida Nações Unidas.
Eu fui morar com meu irmão que casou e eu não tinha emprego para sobreviver sozinha, eles comentavam e na época meu irmão concorreu a vereador, não ganhou a eleição, mas depois pegou a vaga do Zé Maria de suplente e entrou, em 1985.
Aí tinha umas vagas e eu fiquei na fila, aí disseram que não tinha mais vaga, na época da recessão não tinha emprego, quando tinha uma vaga juntava 100 ou 200 pessoas para aquela vaga.
Eu comecei a fazer discurso na porta da fábrica e falei que a gente tinha que “ir pras cabeças”, fazer passeata e tem que ter arruma emprego para gente, aí saímos em passeata:
- Queremos emprego! Queremos emprego!
Saíram em direção ao Largo 13, praça Central dos operários, juntou muita gente, foi em 05/04/1986, subimos em marcha, foi juntando, juntando, era muito desempregado, era muita gente, e no meio do caminho ninguém reprimiu e subimos para o largo 13 e fomos em direção a prefeitura.
De repente apareceu um vereador chamado Benedito Cintra, do PCdoB e chamou a gente para a Câmara Municipal, aí como eu estava dirigindo o pessoal, que convocou foi eu, quem chamou foi eu aí fui reconhecida como liderança né, mas nem era a intenção.
Subimos e o povo foi saqueando, o povo entrava nos açougues e levava costela de vaca inteira. O cidadão que estava sem comer há um tempão levava saco de arroz, feijão, pegava de carrinho, eu via o povo fazer e não ia falar para não fazer. Passamos no Carrefour, o povo entrou e levou tudinho, limpou o Carrefour, entraram e foram pegando e levando, a caminho da Câmara.
Montamos uma comissão para entrar porque não cabia todo mundo e na época, Marcos Ribeiro de Mendonça era o presidente da Câmara e disse para gente:
- “Aqui não entra, não quero arruaça de comunista aqui não!”
Ai o Cintra falou:
- “É pegar ou largar, ou eles descem ou vai entrar todo mundo, tira uma comissão para negociar ”
Negociamos para entrar dois de cada partido, tinha PCdoB, PSTU, Libelu que era uns rapazes da área estudantil e o PCB.
Entrou dois de cada partido e o povo saqueando. Aí na época o Aldo Rebelo era vereador, ele veio segurando o povo e eu disse, eu vou deixar todo mundo saquear, imagina o povo passando fome eu iria impedir? Eu não!
No primeiro dia foi tranquilo não teve repressão, no segundo dia, dia 06 também, no terceiro dia baixou o pau, o dia que a gente combinou de ir para o Palácio dos Bandeirantes, na época era o Franco Montoro o governador e fomos para lá conversar com ele para ver passe escolar, passe mais barato ou liberar a catraca para todos poderem circular.
Nós negociamos, ele prometeu fazer um show grande, do “Bela Ciao”, fizeram um teatro e a arrecadação do evento seria destinada aos desempregados, deram na nossa mão e fomos comprando passe, e a gente exigiu passe livre para todos os desempregados aí fomos negociando, mas ficou mais estreito, mas a ideia principal era passe livre para os desempregados, porque como procurar emprego sem dinheiro.
O PCdoB queria me expulsar do partido, porque eles achavam que não era permitido um militante provocar o povo para saquear, queriam me expulsar, mas como era liderança não tinham como.
Eles tiveram que me suportar e fizeram uma reunião que era para eu pegar leve, juntaram Aldo Rebelo, Benedito Cintra e o Deputado federal Aurélio Peres. Nesse dia 8/04 eu apanhei bastante, fui enforcada, ele e eu. Não fui para o DOPS não, fui para a delegacia esse dia, e a tarde continuei na manifestação e fui presa de novo, então eu ia presa de manhã, soltava a noite e ia de novo, a noite me prenderam de novo, eu fiquei uma semana sendo presa. Porque eles queriam desmobilizar o movimento.
a tarde continuei na manifestação e fui presa de novo, então eu ia presa de manhã, soltava a noite e ia de novo, a noite me prenderam de novo, eu fiquei uma semana sendo presa.
Aí começou a saquear pelo centro lá na Paulista aí movimento contra o desemprego foi avançando até o Nordeste, virou um movimento contra o desemprego, foi um movimento grande.
O Montoro tentou enganar a gente falando que ia dar os passes, mas que ia negociar com as empresas dos ônibus e não sei o que, terminou não dando nada.
Ai o Nefi Talles, presidente da Câmara, deu uma sala para gente, dizendo que era nossa, o plenário para fazer a reunião. Aí falamos:
- “Não queremos sala, plenarinho, plenarão, queremos negociar, o povo está lá fora esperando”
Mas não conseguimos nada, conseguimos só um bilhete de um valor menor para os desempregados, mas o nosso pedido era o da “catraca livre”, por isso ficou conhecido como movimento da “catraca livre”.
Conclusão, nessa semana eu e meu irmão fomos 10 vezes presos, uma vez o Cintra foi, uma vez o Aurélio foi, outra vez o Jamil Murad.
Nessa semana eu e meu irmão fomos 10 vezes presos
Mas dava para perceber que o PCdoB não estava 100% com o povo, eles estavam querendo, como eles elegeram o Montoro numa frente única com o PMDB dentro, então PCdoB queria passar um pano.
Cortei laços, fiquei chateada com o PCdoB, uma coisa é você ler o marxismo, a dialética da natureza, ler todos os materiais e na prática era diferente. Não era o que Marx e Lênin fizeram. A gente queria derrubar mesmo aquele governo que fez tanta miséria para o povo, como hoje né?!
Trouxe bastante desgraça, desempregado, acabou com o país, inflação altíssima, tipo hoje.
Eles disseram que me expulsariam e eu disse que eu estava saindo. Que não compartilhava desse assunto de jeito nenhum.
Comecei a trabalhar, militar independente, depois dessas manifestações eu cheguei a ser presa na porta da UBM metalúrgica. Foi a única que eu consegui arrumar emprego depois, eu fiquei muito marcada, meu nome nos jornais, entrevistas minhas, contando a minha vida, falei que eu tinha um filho, o repórter do Diário de São Paulo perguntou o que eu fazia com meu filho, porque eu não ficava em casa com ele, eu respondia, – “Porque eu tô lutando pra dar comida pra ele”.
Foi uma trajetória bem triste assim, porque a gente estudou tanto e sabia qual era o alvo que era que a gente estava combatendo ali.
Mas tinham intermediários, vestidos de esquerda que não são esquerda, que na hora do pau os caras saíram fora.
Aí eu fui lá pro Araguaia, fui fazer aula de tiro, inclusive perdi uma eleição do sindicato, sindicato dos lavradores, me chamaram para participar, fui como jornalista na época e recolhi algumas informações dos trabalhadores. Estávamos dormindo na casinha de uma trabalhadora bem no fundo, pegamos um caminhãozinho com as urnas da eleição e eu ia fazer a cobertura, chegou um cara e apontou a metralhadora para minha cabeça e disse: – “Vocês não vão a lugar nenhum, essa eleição é nossa”.
Tem um documentário contando essa trajetória, esse relato tá nas 500 folhas que eu fui pegar lá na DOPS, que na época eu fui pedir anistia, e eu queria voltar a usar meu nome novamente e em 2000 eles me deram as folhas contando a história, falando quando eu fui presa, a minha foto, digital, onde eu fui presa.
Eles me seguiam no banheiro para ouvir as minhas falas. Um relato das falas deles, e fatos que eu já tinha esquecido. Eu ajudando uma amiga que foi atropelada, que era companheira, nada a ver. Para a gente ver como os caras faziam né, olhavam tudo, me seguiam.
Minha mãe já estava militando aqui em São Paulo, com os operários metalúrgicos no grupos das mulheres que fizeram aquele movimento grande contra a carestia, um movimento muito bonito. Ela aparece muito pouco em um livro que conta essa época chamado “A Severina”. Inclusive eu fui presa ali na Penha, eu e minha mãe, porque a gente estava se manifestando já em 88/89. Coisa que eu nem lembrava está lá.
Aí o PCdoB fez um conchavo com outros partidos e fez um sindicato, juntou toda a oposição e aí eu fui chamada para trabalhar com o Vitão Nolasco, como assessora dele, eu estava desempregada e ele me chamou, eu fiquei lá um ano e meio.
Arrumei um emprego numa fábrica grande de computador que surgiu lá na zona Sul, nós paramos a fábrica depois de seis meses para conquista de aumento de salário, porque eles tiraram alegando que os juros estavam alto e eles teriam que tirar porque se estava ruim para nós, para eles estava pior, porque eles tinham que comprar máquina e aí fizemos greve por três dias aí eu fui mandada embora. Fizemos uma comissão que organizava e falava e eu era da comissão, me demitiram.
Aí eu e meu marido voltamos para zona Leste, eu fiz um concurso para professora e a batalha foi com os professores.
Comecei a brigar para reconhecimento de valorização profissional, cursos mais baratos de aperfeiçoamento, fizemos algumas greves na época, paramos muito.
Fui chamada pra entrar no SINDSEP, entramos e fiquei um ano, depois fui chamada e não dava mais para ficar lá. Comecei a fazer a pós-graduação, queria fazer uma pós-graduação, aí eu só fazia campanha salarial, trabalhando e estudando.
Agora a coisa mais horrível, tenho uma lembrança muito triste, triste mesmo.
Lá no DOPS quando eu entrei, eu e meu irmão e o Gilberto Natalini que hoje é do PV, ele estava com a gente preso, eles me separaram. Quando eu vi que separaram eu vi que ia dar merda, quando eles me separaram… pensa … eu era bonitinha, novinha aí abusaram de mim, um, dois, três, quatro e não iam se cansando, me machucaram bastante, aí quando veio o povo para tentar soltar a gente, sindicato, parlamentares, padres e alguns artistas eu saí de lá toda sangrando, machucada, sem dente. Saí de lá sangrando muito. Isso aí eles faziam com os homens, mas com as mulheres eles eram mais violentos, diziam que as mulheres tinham que estar em casa, cuidando de casa e de filho e que tinham que machucar mesmo.
Até hoje eu tenho sequelas, mas é triste porque hoje a gente continua vendo violência e estupro contra as mulheres, virou mania, hoje virou mania, praxe, como se o exemplo do Estado se empregasse na sociedade rústica, maldosa e ainda sendo instigado por um presidente facínora, maldoso, que não tem proposta para nada, burro, nem proposta de governo, o propósito dele é roubar né?!
Isso é um resumo né, tem 400 folhas em letras pequenas, então você imagina. Minha mãe foi militante do movimento social, apoiava as mães, os metalúrgicos, as pessoas para fazer o fundo de greve para quem era mandado embora então era um papel importante da sociedade.
Meu irmão era metalúrgico, foi vereador, casou e foi para Minas, hoje ele é advogado.
Hoje eu milito com os professores, mas não como antes. Eu largava casa, dormia em cemitérios pra se esconder dos policiais, tinha codinome, que eles te descem ou era quilombo, king kong, era qualquer nome que eles descem para gente pra proteger, se esconder.
Diário Causa Operária: Como você vê o governo atual em relação ao governo da ditadura?
Maria Arleide: O Governo atual é muito diferente, naquela época eram treinados para bater, prender, matar. Agora, é muito mais difícil combater um cara que pousa de bonzinho, que está defendendo a pátria, que se esconde atrás da bandeira do Brasil, é muito mais difícil você combater um cara desses do que na ditadura, na ditadura a gente ia pro pau, para morrer ou viver! Agora não, para você combater ele, você tem que combater o povo que defende ele com a vida. é muito mais difícil você combater um cara que vai na TV e faz um Discurso tipo o do que o Moro fez ontem (refere-se ao jornal Nacional da TV Globo em 10/11/2021) se fazendo de esquerdista, com a bandeira no fundo, falando ‘nem Bolsonaro, nem Lula’, falando dos escândalos dizendo que combateram a Lei não os crimes que deveriam ser combativos.
Foi um discurso perigoso e atrativo. Você pega o Moro que prendeu o Lula que era inocente e ele que era errado, vem do Estados Unidos pra parecer o libertador da pátria, não dá para fazer uma relação entre os dois. Malcom X disse ‘É melhor você combater o inimigo que vai para cima, do que aquele que vem amansando, com a mão na sua cabeça’. É muito mais difícil porque ele vem com o povo atrás. É mais fácil combater quem prende,- quem mata, quem tortura, apesar que eles fazem isso com que tortura por trás dos panos né?! Mataram Marielle e outras pessoas que foram contrários a eles.
Maria Arleide aparece no filme “Braços cruzados, máquinas paradas” de 1979, aos 26:52.