Eclodida em 18 de março e derrotada em 28 de maio de 1871, a Comuna de Paris foi um dos principais acontecimentos da história do movimento operário, a primeira experiência de um governo operário no mundo e uma bela lição dada ao mundo pelo proletariado francês.
No dia 26 de março de 1871, a classe operária de Paris, na França, toma o poder na cidade e é declarada oficialmente a Comuna de Paris, a primeira experiência de um governo operário na história da humanidade, indicando o início do fim do capitalismo e o futuro que está por vir.
Uma “coluna de fogo” que arde até hoje
Nos 150 anos que se seguiram, a classe operária escreveu, com sua luta e o desenvolvimento de sua organização independente, muitas outras experiências revolucionárias, como a magnífica vitória da revolução proletária no maior país do planeta, a Rússia, e consequente criação do maior Estado Operário até hoje existente, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), na qual seus principais dirigentes levaram às últimas consequências os problemas colocados, os erros e os acertos da Comuna sem diminuir em nada a importância da primeira experiência.
Como assinalou Gustav Mayer, militante socialista e destacado biógrafo de Friedrich Engels,
“das cinzas cobertas de sangue da Comuna de Paris ergueu-se uma coluna de fogo que, ao longo de várias décadas, iluminou o caminho dos trabalhadores no resto da Europa”.
Segundo Lênin, principal dirigente da Revolução Russa de 1917, com a autoridade de quem colocou em prática as lições da Comuna,
“Quando estudamos as lições da Comuna de Paris não devemos imitar os enganos que cometeu (não ter tomado o Banco da França e lançado uma ofensiva contra Versalhes, a falta de um programa claro etc.), mas as medidas práticas bem-sucedidas que mostraram o caminho correto”.
É necessário compreender, portanto, a experiência da Comuna de Paris tanto como parte da história da luta de classes, quanto como base das conclusões fundamentais para o programa político do partido revolucionário e para a sua luta nos dias atuais.
Como assinalou Lênin, mesmo tendo sido derrotada – o que, de certa forma era natural, pelas condições em que se desenvolveu e pela imaturidade da organização revolucionária -, a Comuna constituiu-se em
“um passo à frente para a revolução proletária universal”.
Nada de covardia
A iniciativa dos operários franceses, sua disposição de luta, sua fibra e determinação e empenho revolucionários, constituem um exemplo, frente à notória covardia que domina a esquerda nos dias atuais.
Eles fizeram, não ficaram esperando, não depositaram sua confiança na ilusão de que a burguesia iria resolver os problemas que se colocavam diante deles e mesmo sem disporem das condições objetivas mais favoráveis (diferente do que ocorre na etapa atual de crise histórica do capitalismo) buscaram com todas as suas forças e serviram de inspiração para os revolucionários russos de 1917, bem como para todos os que se coloquem nas sendas da revolução ao longo de todo o século XX e nos dias atuais.
No Manifesto do Comitê Central da Comuna de 18 de Março, os revolucionários assinalam,
“Os proletários da capital no meio dos desfalecimentos e das traições das classes governantes, compreenderam que para eles tinha chegado a hora de salvar a situação tomando em mãos a direção dos negócios públicos (…) O proletariado (…) compreendeu que era seu dever imperioso e seu direito incontestável tomar em mãos os seus destinos e assegurar-lhes o triunfo conquistando o poder.”
Ao contrário da esquerda burguesa e pequeno burguesa que, no século e meio que se seguiu, adotou um rumo diverso da Comuna e da Revolução Russa (entre outras) e buscou o caminho da conciliação e entendimento com as classe dominantes e buscaram a saída utópica e reacionária de “remendar” o Estado capitalista em decomposição, os dirigentes da Comuna entenderam a necessidade de edificar um outro Estado, um Estado à serviço dos interesses classe operária.
Como assinala Karl Marx, em seu magistral livro A guerra civil na França,
“a classe operária não pode apossar-se simplesmente da maquinaria de Estado já pronta e fazê-la funcionar para os seus próprios objetivos…”
“…O primeiro decreto da Comuna, por isso, foi a supressão do exército permanente e a sua substituição pelo povo armado.”
Para colocar de pé o Estado que pudesse servir aos seus interesses, a classe operária parisiense, destroçou a organização do Estado capitalista tal como ele existia naquele momento.
Ao contrário da já arcaica organização instituída pela burguesia – defendida até hoje, como modelo, por setores da esquerda -, a Comuna constituiu-se conselheiros municipais, de maioria operária ou de elementos de sua confiança, eleitos pelo voto universal nos vários bairros da cidade, que tinham que prestar contas aos que representavam e tinham seus mandatos revogáveis a qualquer momento.
Como explica, Marx, na obra citada,
“A Comuna havia de ser não um corpo parlamentar, mas um corpo operante, executivo e legislativo ao mesmo tempo”
O caráter revolucionário da classe operária
A Comuna de Paris desenvolve-se como uma experiência histórica extraordinária, que comprovou também, na prática, as teses marxistas sobre o caráter revolucionário e libertador da classe operária, o que a pequena burguesia de esquerda refuta ardorosamente, defendendo, com suas teses identitárias e outras, os mais variados substitutos para o proletariado.
Com sua bravura, os operários de Paris despojaram a polícia de seus atributos políticos e a colocaram sob a responsabilidade da Comuna, tornando revogável as atribuições de seus membros a qualquer momento e fizeram o mesmo com os funcionários de todos os outros ramos da administração pública, que passaram a receber salários de operários, fazendo desaparecer os privilégios dos altos executivos do Estado.
“As funções públicas deixaram de ser propriedade privada dos testas-de-ferro do governo central. Não só a administração municipal mas toda a iniciativa até então exercida pelo Estado foram entregues nas mãos da Comuna”, nas palavras de Marx.
É instituída a Milícia Popular, tendo como base a própria Guarda Nacional. De caráter legislativo e executivo, o conselho constitui uma verdadeira democracia operária, onde o que importava era estabelecer as medidas que colocassem fim a desigualdade de classe.
Um programa e uma iniciativa revolucionária
Longe de conciliarem com o regime até então vigente, os revolucionários franceses impõem um conjunto de medidas que alteram de fato, e não apenas em palavras, as condições sociais, a tal ponto que muitas de suas medidas constam dos programas das organizações operárias e populares até os dias atuais.
Dentre as principais medidas políticas e sociais da Comuna destacamos: a eleição dos juízes, com mandatos também revogáveis, estabelecimento do ensino público e gratuito, controle dos preços dos alimentos, controle operário das fábricas, designação das casas e mansões abandonadas pela classe burguesa após o levante operário para a moradia popular, fim do trabalho noturno, fim das dívidas dos aluguéis, igualdade salarial entre homens e mulheres etc.
“Todas as instituições foram abertas ao povo gratuitamente e ao mesmo tempo desembaraçadas de toda a interferência de Igreja e Estado. Assim, não apenas a educação foi tornada acessível a todos mas a própria ciência liberta das grilhetas que os preconceitos de classe e a força governamental lhe tinham imposto”, destaca Marx.
O governo operário dos comunnards, como se auto-proclamavam os trabalhadores, durou exatamente 60 dias. As classes dominantes, a burguesia, juntamente com a nobreza, tendo apoio dos exércitos estrangeiros, colocaram abaixo o governo revolucionário da Comuna de Paris.
Por sua valentia e pelo caráter irreconciliável da política que defenderam e levaram adiante – e ante a crueldade e o pavor da burguesia européia – quase a totalidade das lideranças foram fuziladas pelas forças de repressão. Estima-se que 40 mil trabalhadores foram presos e mandados para trabalhos forçados no exílio, a maior parte morreu por conta das condições degradantes.
Sem conciliação
Uma lição fundamental e oposta à subserviência da maioria da esquerda ao Judiciário diz respeito à política adotada em Paris, contra esse poder reacionário, como explica Marx:
“Os funcionários judiciais haviam de ser despojados daquela falsa independência que só tinha servido para mascarar a sua abjeta subserviência a todos os governos sucessivos, aos quais, um após outro, eles tinham prestado e quebrado juramento de fidelidade.”
Governo operário e abolição da propriedade privada
A partir do seu estabelecimento em Paris, o regime comunal, serviu de modelo a todos os grandes centros industriais da França. O velho governo centralizado foi substituído, também nas províncias, pelo autogoverno dos produtores, ainda que de forma parcial e imperfeita, na medida em que a Comuna não teve tempo de desenvolver.
Mas ela se impôs como um exemplo de governo dos explorados, da classe operária e de todo o povo pobre e trabalhador. Nas palavras do fundador do socialismo científico,
“Era este o seu verdadeiro segredo: ela era essencialmente um governo da classe operária, o produto da luta da classe produtora contra a apropriadora, a forma política, finalmente descoberta, com a qual se realiza a emancipação econômica do trabalho. (…)
A Comuna, exclamavam eles [i.e.: os seus inimigos], tenciona abolir a propriedade, base de toda civilização! Sim, senhores, a Comuna tencionava abolir toda essa propriedade de classes que faz do trabalho de muitos a riqueza de poucos. Ela aspirava à expropriação dos expropriadores.”
Embora derrotada, a Comuna foi um marco na história fundamental na luta da classe operária mundial.
Em 1917, quarenta e seis anos depois, após essa primeira experiência, os trabalhadores chegam novamente ao poder na Rússia, desta vez a revolução varre de maneira absoluta toda a resistência das classes dominantes. A Revolução Russa abre então e de maneira definitiva, a etapa revolucionária mundial rumo ao socialismo, derrotando uma vez mais os defensores da política de conciliação de classe e capitulação diante da burguesia, no interior do movimento operário.