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Victor Assis

Editor e colunista do Diário Causa Operária. Membro da Direção Nacional do PCO. Integra o Coletivo de Negros João Cândido e a coordenação dos comitês de luta no estado de Pernambuco.

Nada a comemorar?

Sérgio Camargo, a esquerda e a luta do negro (parte 1/5)

Série de artigos procura aprofundar a polêmica estabelecida em torno da homenagem da Fundação Palmares à princesa Isabel

Neste ano, o mês de maio teve início com uma enorme polêmica colocada no interior do movimento operário, repercutindo em toda a esquerda nacional. O tradicional ato de primeiro de maio, estabelecido há mais de um século como dia internacional de luta dos trabalhadores, foi transformado pelas direções das maiores organizações da esquerda brasileira em um palanque de bandidos políticos, como Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Ciro Ferreira Gomes (PDT). Diante do acontecimento, nosso partido ocupou um papel fundamental, denunciando volumosamente a operação golpista em curso e organizando um ato de primeiro de maio classista, socialista e internacionalista com a presença de delegações de todas as regiões do País.

Menos de duas semanas depois, uma nova polêmica se estabelece, dessa vez no movimento negro. O fascista Sérgio Camargo, atual presidente da Fundação Palmares, decidiu homenagear, no dia 13, a princesa Isabel do Brasil. Como é de conhecimento geral, a data marca a abolição legal da escravidão do País, sendo que a homenagem à monarquia escravocrata representa um verdadeiro insulto à implacável luta do povo negro em toda o continente americano.

Diferentemente do que vimos no primeiro de maio, a esquerda não esteve envolvida na homenagem à princesa Isabel. Neste sentido, não houve uma traição: a extrema-direita fascista apenas cumpriu seu papel de atacar a memória dos povos explorados. No entanto, a forma como a esquerda nacional reagiu a esse ataque é que chamou particularmente a atenção, revelando uma profunda desorientação e uma gigantesca ignorância em relação à luta do povo negro.

Para abrir o debate com os companheiros sobre questões de fundamental importância para o movimento negro, inicio nesta coluna uma série de cinco textos polêmicos que, espero, sirvam de orientação para a atual etapa de luta política contra a extrema-direita diante da crise terminal do capitalismo.

I – Nada a comemorar?

Não chegou a meu conhecimento que alguma organização de esquerda ou do movimento negro tenha se posicionado a favor da homenagem do fascista Sérgio Camargo à princesa Isabel. Deve ser digno de nota, por outro lado, que algumas organizações, como o Movimento Negro Unificado (MNU), não denunciaram o ocorrido. A polêmica que vamos estabelecer, no entanto, se dá por outras razões. Vejamos, antes disso, algumas posições sobre o ocorrido:

a) “Essa abolição não nos representa”

Artigo do jornal Opinião Socialista (PSTU), nº 589.

 

b) Uma falsa abolição

Cartaz virtual publicado pelo Instituto Lula, via Twitter, no dia 13 de maio.

 

c) “Essa data faz parte da história do Brasil, para marcar o sofrimento que houve durante o processo abolicionista. Mas ela marca uma condenação, porque a abolição foi uma condenação”, deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), em entrevista ao UOL.

d) “O 13 de maio de 1888 não pode ser esquecido, porém, em hipótese alguma, merece ser comemorado ou reverenciado”, Luiz Eduardo Neves dos Santos (Resistência-PSOL), em artigo para o portal Esquerda Online.

e) “A princesa e seu feito são reverenciados nos livros escolares de história e a data, Dia da Abolição da Escravatura, foi instituída no calendário oficial como algo a ser comemorado. Mas para o movimento negro não há o que festejar”, Zezé Motta (MNU), em publicação no Facebook.

Ao que podemos constatar, todas essas posições demonstram um esforço no sentido de desmerecer o ato oficial da monarquia que levou à abolição da escravidão. A posição seria lógica: se a princesa Isabel, como representante da burocracia parasita da monarquia brasileira, é inimiga do povo negro, a abolição assinada por ela não deveria ser comemorada. Dito de outra forma: se o presidente fascista da Fundação Palmares quer homenagear a princesa Isabel, o correto seria se colocar contra o ato que a fez famosa na historiografia brasileira.

Pode parecer lógico, mas, no fim das contas, não corresponde verdadeiramente a uma defesa da memória do povo negro. Ora, se a crítica que o movimento negro faz à homenagem à princesa Isabel é a de que ela omite todas as lutas do povo negro em busca de sua libertação, considerar que a abolição da escravidão não é uma vitória, uma conquista do povo negro, desemboca no mesmo erro.

Há de se separar uma coisa da outra. O ato oficial da monarquia não foi capaz de pôr fim a todas as mazelas do povo negro, é fato. A abolição assinada pela princesa Isabel formalizou apenas o que estava sendo imposto por um movimento gigantesco de características revolucionárias. No entanto, desdenhar da abolição da escravidão e concebê-la como algo que não tem qualquer influência sobre a vida do povo negro é o mesmo que dizer que sua luta foi em vão. Trata-se, no fim das contas, da mesma posição da Fundação Palmares, embora se coloque no extremo oposto: é como se a luta do povo negro não tivesse exercido nenhuma influência no mundo em que vivemos, como se a princesa Isabel agisse por cima e apesar da luta de classes.

É preciso, portanto, estabelecer uma posição coerente e que apresente um perspectiva de luta para o povo negro. A abolição da escravidão, embora se apresente como um ato oficial da monarquia, que visava a sua própria preservação, é o resultado da luta de classes. Foi a mobilização de milhares e milhares de negros que fez com que a escravidão se tornasse inviável. No Ceará, sob a liderança de Dragão do Mar, a escravidão foi abolida pela força. Em todo o país, mas sobretudo na região sudeste, a fuga de escravos já não era mais uma saída individual para o negro. Organizados por abolicionistas como Antonio Bento, os caifazes eram verdadeiros grupos de assalto que libertavam os escravos também pela força. Nesse sentido, a abolição oficial veio para impedir que uma revolução negra explodisse no Brasil, assim como havia explodido no Haiti — embora a burguesia faça questão de esconder esse capítulo glorioso da história de nossos companheiros centro-americanos. Em um dos textos dessa série de polêmicas, trataremos do movimento liderado por Toussaint Louverture, figura emblemática cujo aniversário de 277 anos celebramos na data de amanhã (20).

Por outro lado, a abolição não deixa de ser uma conquista. Não fosse a luta revolucionária do povo negro, a monarquia não iria se sentir forçada a acabar com a escravidão. O caráter revolucionário da mobilização foi tal que, em um ano, a monarquia não conseguiu mais se sustentar. A abolição foi uma revolução frustrada. Frustrada porque não levou o povo negro ao poder. Revolução porque fez o negro ter a experiência de que, por suas próprias forças, é capaz de escrever a sua história.

Dizer que a abolição não mudou em nada a história do negro é achatar a história, torná-la estática. As condições de vida do povo negro hoje são miseráveis, mas não são as mesmas da época em que a escravidão era permitida. A burguesia e o povo negro aprenderam com a experiência da escravidão, uma vez que as classes sociais sempre são capazes de aprender com os acontecimentos. É preciso agora reorganizar o povo negro, dar-lhe uma perspectiva de luta e garantir que o poder chegue enfim a suas mãos.

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