As eleições municipais tornaram-se um caso de vida-ou-morte. Ao menos 84 candidatos a prefeito ou vereador foram assassinados durante o curtíssimo pleito deste ano. Outros 80 tentativas de assassinato ou agressões consumadas foram notificados. O número, apesar de alto, poderia ser maior ainda, não fossem os ínfimos 45 dias de campanha.
Engana-se quem acha que a situação é nova. Pois não é. No interior do Brasil, especialmente nas cidades das regiões Norte e Nordeste, junto com o voto de cabresto, a violência sempre imperou antes, durante e após os pleitos.
Para as cidades menores do interior, o controle sobre a prefeitura sempre foi vital para a classe dominante local. Junto com o orçamento municipal, vem o poder de dar concessões e benefícios a aliados e cargos de confiança a cabos eleitorais e outros eleitores “fiéis”.
O que ocorre agora é uma acentuação desta situação. A crise econômica do capitalismo, somada a política de austeridade imposta pelo golpe de estado, de 2016 em diante, acirrou a briga pelos escassos recursos públicos.
É bom lembrar que, na maioria das cidades do interior, a economia local depende do serviço público. Em um cenário de altíssima taxa de desemprego, o controle sobre as prefeituras tornou-se ainda mais importante para controlar as cidades.
O aparato repressivo do estado, nas regiões mais remotas do país, ou é inexistente ou possui “dono”, geralmente algum oligarca local. Deste modo, é comum o uso da violência para impedir adversários políticos de concorrerem ou intimidá-los.
Entretanto, é falso achar que, aumentando o aparelho repressivo do estado, a carnificina eleitoral chegará ao fim. Pelo contrário, tende-se a intensificar-se. A polícia, tanto nas capitais, quanto no interior, servem a determinados grupos políticos, geralmente os que estão a controlar o estado.
Também é falso colocar a culpa em entidades do “poder paralelo”, como o narcotráfico. Até porque estes não estão apartados do “poder central”, visto que elementos da burguesia ou vinculados a esta são os verdadeiros controladores do narcotráfico.
Esta visão, de que o narcotráfico ou demais “poderes paralelos” são os responsáveis pela violência, é meramente parcial e bastante imprecisa. O que ocorre é o acirramento das divergências entre os elementos das classes dominantes locais pelo poder. Como estas controlam, também, o narcotráfico, a pistolagem, a grilagem e outros, utilizam o seu braço armado para “enfrentar” seus adversários políticos.
Porém, é correta a análise de que, no interior do Brasil, o poder centralizado – leia-se, leis formais – é ainda menos firme que nas regiões de capitalismo mais desenvolvido. Dada a fragilidade ainda mais aguda do estado burguês, criam-se facções de “coronéis”, que disputam o controle do ínfimo estado lá existente, e fazem suas próprias leis.
Um ponto importante a ser ressaltado na sanguinolência destas eleições é o caráter fraudulento das eleições municipais como um todo. Como dito anteriormente, as eleições municipais, especialmente nas cidades menores do interior, sempre foram bastante violentas e a compra de votos e outros “crimes eleitorais”, como o transporte de eleitores para as seções de votações e fraudes nas urnas, sempre foram corriqueiros.
O acirramento da violência nas eleições municipais está claramente ligado a efeitos externos e nacionais e não a causas específicas e locais. O apodrecimento do capitalismo e da democracia burguesa, que levou ao golpe de estado de 2016 e a eleição fraudulenta do fascista Jair Bolsonaro, intensificam a briga pelos, cada vez mais, escassos recursos e cargos de confiança. Caso o quadro não seja revertido, com a derrubada de Jair Bolsonaro e todos os golpistas e a unificação da esquerda sob a candidatura de uma figura ligada à classe trabalhadora, tornará o pleito de 2022 em uma carnificina maior ainda, visto que as políticas de austeridade e o ataque aos direitos dos trabalhadores tenderão a aumentar, intensificando a disputa pelas prefeituras a patamares a muito tempo não vistos.