Em 2015 e mesmo em 2016, quando já estava em marcha a engrenagem política que levaria ao golpe de Estado, que derrubou a presidenta Dilma Rousseff, uma considerável parcela da esquerda apresentava a “sábia” posição que o governo não cairia, devido ao “fato” que a democracia no Brasil estava “ consolidada”. Pois bem, mesmo após a consumação do golpe, com o fraudulento impeachment, a esquerda continua subestimando os sinais evidentes emitidos pelos golpistas, que querem o aprofundamento do golpe com a intervenção militar.
O artigo Não se faz mais ditaduras como antigamente de autoria de Alex Solnik, publicado no Brasil 247, é uma expressão da miopia política que atinge a esquerda nacional diante das ameaças proferidas por Bolsonaro e por militares.
“Não há dúvida que Bolsonaro quer implantar uma ditadura para chamar de sua, parecida com aquela dos anos 60. O problema é que não estamos nos anos 60.”
Para o articulista do Brasil 247, a que pese o desejo de Bolsonaro por uma ditadura no estilo anos 1960, não estaríamos mais no período da guerra fria, quando os Estados Unidos impulsionaram ditaduras militares na América Latina em contraposição à extinta URSS. Segundo essa abordagem, “não estamos nos anos 60” e, portanto, intervenção de militares através de golpes de Estados seria algo démodé. Essa “argumentação” justamente quando as forças armadas ameaçam cada vez mais de um golpe militar.
A visão que “o golpe é coisa do passado” é estritamente linear e não consegue compreender que a história não é uma simples coleção de acontecimentos. Além disso, evidencia uma completa falta de avaliação do que seja o imperialismo, em especial o norte-americano. A opção pela implementação de ditaduras nos países da sua periferia nos 1960 e 1970, não foi uma medida excepcional ou momentânea devido à guerra fria, mas decorre da política de controle e dominação.
Da mesma forma, a exportação de “democracia” e o incentivo de regimes democratizantes nos anos 1980 não foi uma opção pelas “ liberdades democráticas”, mas foi produto de uma adequação devido à crise capitalista pelo imperialismo e pelas burguesias nacionais que tinham apoiado os regimes militares.
Alex Solnik diz que não dá para implementar ditaduras como antigamente, até porque os EUA (e a China) não querem uma ditadura aqui no Brasil:
“Não há guerra entre comunismo e capitalismo porque a China também é mezzo capitalista. Nem a um país nem a outro interessa apoiar ditaduras na América Latina. O que lhes interessa é vender e comprar da América Latina e qualquer conflito é inimigo do comércio. Duvido que Trump ou Xi Jinping apoiassem uma ditadura Bolsonaro.”
Portanto, como os Estados Unidos e a China “não querem”, Bolsonaro estaria isolado, sem apoio internacional, para implementar um regime militar, pois as superpotências não têm interesse na política de “apoiar ditaduras na América Latina.”
Curiosamente, Alex Solnik requenta argumentos da chamada teoria liberal idealista dos Estudos em RI (Relações Internacionais) para negar o apoio internacional a um golpe no Brasil. De acordo com os liberais a ampliação das trocas comerciais entre os países impossibilitaria um conflito armado, pois seria contraproducente. A catástrofe da I Guerra Mundial demostrou que a guerra (como os golpes) são instrumentos da luta econômica, e, portanto, são aspectos dos enfrentamentos por interesses econômicos.
Além do mais, mesmo depois da guerra fria, os Estados Unidos nunca abandonaram o fomento a golpes de Estado. Na América Latina, nos últimos anos golpes de Estado em Honduras, Paraguai, Bolívia, e inclusive no Brasil foram realizados com participação das Forças Armadas, e apoiados pelos Estados Unidos. A permanente tentativa de golpe na Venezuela, com utilização inclusive de mercenários, a cerca de um mês atrás, são fatos que desmontam categoricamente a “análise” de Alex Solnik.
De qualquer forma, negar a possibilidade de golpe militar parece muito aquela história de antes do golpe de que não dava para ter golpe porque o imperialismo não queria um golpe no Brasil, a era dos golpes havia sido ultrapassada. O que foi ultrapassada pelos acontecimentos foi a política da esquerda de negar a realidade, como se a negação “ analítica” da possibilidade de um golpe, em si mesmo fosse suficiente para impedir a realização do golpe.