Enquanto o povo boliviano vem sendo assassinado nas ruas pelo próprio Estado e o povo chileno vem rejeitando todo e qualquer tipo de acordo com o regime político burguês, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) decidiu que sua política para as eleições municipais de 2020 será a mais reacionária de sua breve história. Na última reunião do Diretório Nacional do PSOL, já havia sido deliberado que o partido buscaria fazer alianças “mais amplas”. Agora, o presidente da sigla, Juliano Medeiros, junto com outras lideranças, em entrevistas cedidas ao portal UOL, tornou ainda mais transparente sobre o que se tratam essas alianças.
O PSOL, que foi fundado em 2005, passou a participar das eleições em 2006. Naquela época, o partido teria adotado uma política muito restrita de alianças. Segundo seus dirigentes, o partido só deveria se aliar aos movimentos sociais e a partidos de esquerda, sobretudo o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).
Embora a orientação oficial do partido fosse a de se aliar apenas com a esquerda, houve inúmeros casos em que o PSOL se aliou a setores da burguesia. Nas eleições de 2008, o então filiado ao PSOL Randolfe Rodrigues disputou o cargo de vice-governador ao lado de Camilo Capiberibe, membro de uma oligarquia dissidente do Amapá. Nas eleições de 2014, Edilson Silva, que era, na época, o principal dirigente do PSOL em Pernambuco, foi eleito deputado federal após uma aliança com o direitista Partido da Mobilização Nacional (PMN), que apoiara, naquele ano, a candidatura de Aécio Neves.
Para as eleições de 2020, a decisão do Diretório Nacional abriu a possibilidade de que o PSOL se alie com basicamente qualquer partido. Segundo expresso por Juliano Medeiros,
A gente quer ter outros partidos além do PT. É claro que o PT é um apoio muito importante, mas, além do PT, queremos ter também o PDT, PCdoB, PSB, Rede. O próprio PV nos procurou lá. Tem abertura para esse diálogo.
Na avaliação do presidente do PSOL, portanto, partidos como o Partido Verde (PV), a Rede Sustentabilidade (Rede) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB) seriam partidos com os quais se poderia estabelecer uma aliança, merecedores da confiança da esquerda. Tais partidos, no entanto, não merecem nenhuma gota de confiança: são partidos que apoiaram, explicitamente, o golpe de Estado de 2016, que derrubou a presidenta Dilmar Rousseff e criou condições para a prisão de Lula e a ascensão do bolsonarismo. O próprio Partido Democrático Trabalhista (PDT), embora tenha se posicionado oficialmente contra o impeachment de Dilma Rousseff, permitiu que vários de seus deputados votassem a favor do golpe e, tão logo estabelecido o governo Temer, se integrou ao regime.
Se na época em que o PSOL fazia questão de criticar o PT por fazer alianças com a direita, já podiam ser vistas frentes com organizações da extrema-direita, como o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), e de outras agremiações de vigaristas, como o PMN, o Partido Popular Socialista (PPS) e o Partido Trabalhista Cristão (PTC), é de se esperar que a abertura permitirá praticamente todo o tipo de aliança. Essa abertura, que foi definida pelo psolista Chico Alencar como “firme na estratégia, mas flexível na tática”, é justificada por todos os dirigentes e lideranças do partido pelo avanço da direita no regime político:
É importante somar forças para derrotar o bolsonarismo nas eleições municipais, sempre respeitando os princípios políticos e programáticos do nosso partido (Sâmia Bonfim – PSOL/SP).
É a ação necessária para este momento (Mônica Seixas – PSOL/SP).
Para 2020, as condições para maior unidade estão colocadas (Juliano Medeiros).
Essa tese, no entanto, não é verdadeira. Utilizar o governo Bolsonaro como justificativa para ampliar as alianças eleitorais revela apenas uma política oportunista e, portanto, uma política que serve aos interesses da burguesia. O bolsonarismo não vai ser derrotado por meio de uma série de arranjos eleitorais – os golpistas e a extrema-direita não respeitam eleições, como o golpe de 2016 mostrou e como o recente golpe militar na Bolívia está demonstrando.
As alianças entre a esquerda e partidos tradicionais do regime político é, no fim das contas, uma aliança entre a esquerda e a direita – o que é uma aliança impossível, uma vez que representam interesses distintos. Na atual etapa, de crise acentuada do capitalismo, o único interesse da burguesia é o de esmagar a esquerda e o movimento popular em geral, de modo que o único interesse dos trabalhadores só poderá ser o de se livrar da corja golpista que está tentando lhe saquear.
O PV, a Rede Sustentabilidade, o PDT e PSB não colaboraram com o golpe de 2016 por acaso, ou por uma pura incompreensão dos acontecimentos, mas sim por uma compreensão clara de que a única maneira de sobreviver no regime político era se aliando aos donos do regime político, a burguesia. À esquerda, no entanto, deve ser incumbida da tarefa de pôr abaixo o regime político, de mobilizar os trabalhadores para impor suas reivindicações na marra.
O que o PSOL está demonstrando, na medida em que decide ampliar seu espectro de alianças, é que está disposto a seguir a mesma política dos partidos citados acima, que é o de capitular diante da pressão da direita para sobreviver no regime. O trecho abaixo da fala de Juliano Medeiros é bastante esclarecedor nesse sentido:
O PSOL tem um projeto político que não é o do PT, do PDT, do PCdoB, do PSB. Queremos construir no Brasil um polo de esquerda combativo e radical, que defenda reformas estruturais que nenhum desses partidos quando teve oportunidade de ser governo implementou.
Segundo Medeiros, portanto, o que estaria em jogo, nesse momento, não seria a luta política contra a ofensiva da direita na América Latina, mas simplesmente a construção de uma frente eleitoreira com um “projeto político” que, supostamente, serviria às necessidades da população. De fato o único objetivo seria atender aos interesses eleitorais do PSOL e seus possíveis aliados. Trata-se, portanto, de uma estratégia puramente parlamentar, eleitoral, e, portanto, inútil para a classe operária.
O que está em jogo no momento – e isso o PSOL não consegue compreender – não é a luta entre um projeto político bom, um projeto político radical e um projeto político mal feito. O que está em jogo é a classe que irá controlar o poder político do Estado, se será a burguesia golpista, que vai impor em toda a América Latina ditaduras para pilhar os povos, ou se a classe operária, que irá se livrar dos sanguessugas do imperialismo e conquistar sua independência.
Para que a mobilização contra a direita evolua, PV, Rede ou qualquer outro partido golpista não são necessários. Na verdade, só atrapalham o processo, uma vez que confundem o movimento, geram desconfiança entre os trabalhadores e, no fim, são utilizados pela burguesia para que se infiltre e controle todas as tendências revolucionárias. É necessário, portanto, romper com a vigarice do regime político e destinar à classe operária um programa de reivindicações que possa colocar em marcha um movimento pela sua liberdade.
O que está acontecendo no Chile e na Bolívia é exatamente o oposto da política proposta pelo PSOL. No Chile, o povo está nas ruas pedindo a cabeça do presidente golpista Sebastián Piñera e rejeitando todos os acordos que a esquerda parlamentar propõe no sentido de manter o regime de pé. Na Bolívia, os trabalhadores estão confrontando a extrema-direita e a polícia, mesmo que o maior líder do país, Evo Morales, tenha capitulado sucessivamente e fugido do país.
A política de alianças se revela, portanto, como uma política de interesse único e exclusivo da cúpula pequeno-burguesa que controla o PSOL, formada basicamente por professores universitários e parlamentares. As alianças, afinal, podem servir, até determinado ponto, para a manutenção de seus cargos, mas são um desastre no que diz respeito aos interesses da esmagadora maioria da população.
No fim das contas, o PSOL conseguiu comprovar que toda a sua pequena aproximação com o PT na campanha pela liberdade de Lula (que na maior dos casos não foi além de discursos dos dirigentes do PSOL em atos e reuniões) não passava de uma “tática flexível”. O interesse real não estava em desenvolver uma luta popular contra a direita golpista, mas sim pousar em uma foto que poderá valer alguns milhares de votos.