A esquerda pequeno-burguesa é difusora de diversas ideias políticas confusas, desmobilizadoras e reacionárias, como, por exemplo, o conceito de “apropriação cultural”. Segundo essa ideia, uma cultura apropriar-se de aspectos de outra cultura seria uma coisa negativa, condenável e opressora. Alguém usar, por exemplo, um cocar indígena durante o Carnaval seria um roubo contra os indígenas e prejudicial de alguma forma para eles.
Embora tentem refinar esse conceito afirmando que essa “apropriação” só acontece quando uma cultura “dominante” retira aspectos de uma cultura “dominada”, no fim das contas os defensores dessa ideia terminam se opondo a trocas culturais em geral. É uma ideia reacionária, a apropriação de aspectos de outras culturas sempre acompanhou o progresso da humanidade, do alfabeto (“apropriado” dos fenícios) ao número zero (“apropriado” dos árabes), entre inúmeros outros exemplos.
Além disso, no cotidiano, essa ideia é usada simplesmente para impedir debates políticos e assediar os outros, sob o pretexto do combate à “apropriação cultural”. Esse debate revela o caráter pequeno-burguês de quem o propõe pelas consequências práticas que isso teria como uma política concreta.
Para uma cultura de um grupo marginalizado na sociedade seria positivo ter aspectos dessa cultura apresentados sob um ângulo positivo por outros setores dentro dessa sociedade. Como no próprio exemplo da indumentária indígena, se o conjunto da sociedade incorpora elementos indígenas, isso é positivo para um setor que é oprimido na sociedade. Sob a ideia de impedir a “apropriação”, a esquerda pequeno-burguesa defende o isolamento de culturas “dominadas”.
O problema nesse caso é a disputa por dinheiro. A bandeira da “apropriação cultural” visa defender uma espécie de “copyright” de elementos culturais. Esse é o horizonte político da pequeno-burguesia, a disputa por uns trocados com o concorrente da vendinha da esquina. Em nome dessa disputa pequena, acabam defendendo uma ideia reacionária, contrária ao progresso da humanidade até hoje, marcada por “apropriações culturais” de todos os lados.
“Apropriação de manifestação”
Outra ideia esquisita que a esquerda pequeno-burguesa vem apresentando nesse período de levante dos estudantes contra Bolsonaro é a da “apropriação de manifestação”. Segundo esse rascunho de ideia, alguém aparecer em um ato público com sua própria bandeira partidária ou reivindicação social seria uma “apropriação”.
Foi a ideia que Sabrina Fernandes, que publica vídeos no canal do YouTube “Tese Onze”, expressou em sua conta no Instagram. Segundo ela, o PCO teria se “apropriado” de uma manifestação no Rio de Janeiro por aparecer com suas próprias bandeiras. Os militantes do PCO, para expressar seu repúdio a Bolsonaro naquele ato público, teriam que ir sem suas próprias bandeiras, nem palavras de ordem.
Novamente, trata-se da concorrência pequeno-burguesa. Como no caso da “apropriação cultural”, há setores de esquerda procurando criar uma “reserva de mercado” das manifestações, impedindo que os outros se expressem livremente dentro dos atos. Só quem “construiu” o ato poderia ser autorizado (ou não!) a frequentar o ato com sua própria bandeira. Os outros teriam que ficar sujeitos ao perigo de o William Bonner dizer o que eles queriam na rua, já que não levariam nenhuma mensagem clara própria para a manifestação.
É uma visão distorcida da luta política provocada pelo ponto de vista pequeno-burguês. Quem está em uma luta séria e democrática contra uma minoria poderosa como a minoria de capitalistas que domina o regime político atual, jamais recusaria apoio por causa desse tipo de consideração. Não estão em uma luta contra o regime político burguês, mas disputando migalhas dentro desse regime. E em nome dessa concorrência mesquinha não hesitam em colocar a própria luta contra a burguesia em segundo plano. No final das contas essa concorrência é um produto da mentalidade eleitoreira da esquerda pequeno-burguesa, tudo por um voto, seja para a eleição do Centro Acadêmico seja para as eleições parlamentares.
Especialmente se estiverem em condições desfavoráveis para realizar esse tipo de concorrência. A esquerda pequeno-burguesa quer ser dona dos atos contra Bolsonaro, mas esses atos vão muito além das dimensões que essa esquerda comporta ou consegue vislumbrar.