A revista Veja emitiu na última sexta-feira (18) uma nota sobre o recém-empossado presidente chileno, Gabriel Boric. Em pouco mais de 1.500 caracteres, o articulista foi só elogios. Saudou a referência feita por Boric em seu discurso de posse ao presidente chileno Salvador Allende, que foi assassinado em 1973 no que marcou o início da brutal ditadura de Augusto Pinochet. No artigo, ainda somos lembrados de que a neta de Allende, Maya Fernández, compõe o gabinete de Boric como ministra da Defesa.
A matéria elogiosa da revista Veja, porém, deve saltar aos olhos de qualquer pessoa que se diga de esquerda no Brasil. Por que a publicação que capitaneou os ataques mais venais a Lula e ao PT – não apenas na época do golpe de Estado, mas permanentemente – estaria tão interessada em cobrir de elogios um político da esquerda latino-americana?
A primeira observação que podemos fazer é sobre os elogios feitos à Boric:
“O ex-líder estudantil de corpo coberto por tatuagens, e cuja faixa presidencial pediu a um sindicato têxtil feminino, montou um ministério com mais mulheres do que homens. Atraiu lideranças indígenas. Foi celebrado com pompa pela esquerda latino-americana, que vê nele indícios de novos ventos. Contudo, antes mesmo de começar a despachar, virou sinônimo de uma esquerda que incomoda a esquerda“, diz a matéria.
Os elogios não indicam nenhuma política concreta, mas apenas levantam questões de aparência de tom identitário. Apontamos aqui a questão das “tatuagens” que, de alguma forma, o jornalista da Veja sentiu que seria relevante num artigo de menos de 2.000 caracteres (contando espaços em branco!). O que interessa aos porta-vozes da burguesia brasileira porém, está na última frase deste trecho. Boric, aparentemente, incomoda a esquerda.
“Queremos aprender com os problemas que o PT teve. Queremos aprender para que não aconteçam conosco. Os casos de corrupção, por exemplo, que são muito graves e que, quando acontecem, pedem reação muito firme, para que não se estendam“, disse Boric, segundo destaca a revista Veja.
A frase realmente causa um incômodo nos amplos setores da esquerda brasileira que lutam contra o golpe de Estado – que lutaram contra a campanha rasteira contra os governos petistas, contra a queda de Dilma Roussef, contra a prisão de Lula. E essa não é uma frase isolada. Desde 2018 – ano em que o governo nicaraguense lutava contra uma tentativa violenta de golpe de Estado -, Boric “denuncia” a esquerda latino-americana e diz que não usará de dois pesos e duas medidas para avaliar as supostas violações de direitos humanos do governo de Daniel Ortega. Referenciando uma das teses favoritas da burguesia, o atual presidente chileno igualou a esquerda nacionalista nicaraguense com a ditadura colombiana.
Os ataques, porém, não se limitaram à Ortega. Quando questionado, no ano passado, sobre os regimes venezuelano e cubano, Boric recorreu à mesma máxima.
Em todos os casos citados acima, certamente a esquerda combativa, que luta contra o imperialismo na América Latina, sentiu-se incomodada. Quem não se sentiu foi a direita. Essa sentiu-se tão à vontade que publicou matérias elogiosas do presidente chileno.
Neste diário denunciamos desde antes de sua eleição a política direitista de Boric. Desde sua indicação ao ministério da Economia, onde colocou um ex-presidente do Banco Central chileno, à sua ministra de Relações Exteriores, defensora ferrenha da política imperialista para a América Latina. Antes disso, denunciamos como sua campanha e seu movimento político foi ativamente financiado por organizações não-governamentais (ONGs) estrangeiras, algumas delas sabidamente fachadas da CIA.
Boric é a nova esquerda. É a “esquerda” que incomoda, isto é, arranca duras críticas dos setores mais combativos e que recebe elogios da direita imperialista. Com esse perfil, é impossível não compará-lo à Guilherme Boulos, um dos principais políticos da esquerda pequeno-burguesa apontado por essa mesma imprensa que elogia Boric como o “novo Lula”.
As semelhanças não se limita às suas iniciais e à sua idade. Como também denunciamos neste portal, Boulos é abertamente financiado pelo empresário Walfrido Warde e participa ativamente do IREE, instituição fundada por Warde para promover “debates sobre políticas públicas”, mas que poderia ser muito bem descrita como um zoológico do golpismo brasileiro.
Não excluímos Boulos dessa descrição. Em plena campanha de golpe de Estado, o dirigente do MTST foi garoto propaganda da campanha “não vai ter copa” – no país do futebol! A campanha dirigia-se mais do que contra o evento, inevitável àquela altura, contra o governo que organizou-o. Isto é, dirigia-se contra Dilma Rousseff que, em cerca de dois anos, seria derrubada em um dos episódios mais vergonhosos da história recente do País.
Para se vencer na política, não se pode jogar apenas com uma carta. Faz-se necessário um leque de opções e a burguesia sabe muito bem disso. Trabalham não apenas com seus tradicionais candidatos direitistas, esgotados por décadas de política neoliberal de fome e miséria, mas valem-se também de pseudo-esquerdistas como Gabriel Boric e Guilherme Boulos. Para combater a candidatura de Lula, a burguesia brasileira se valerá de todo tipo de artifício político – até ressuscitar defuntos políticos. Precisamos estar preparados, senão corremos o risco de terminarmos nas mãos do Boric brasileiro, isto é, do imperialismo.