A jornalista e articulista do portal Brasil 247, Hildegard Angel, publicou no último dia 9 o artigo intitulado A bola dos golpes continua a rolar sobre o pano verde. Em sua análise, Angel celebra decisões judiciais contra figuras da extrema direita como avanços na luta política, mas é justamente nesse ponto que o texto revela os impasses da esquerda no Brasil atual.
“Roberto Jefferson foi sentenciado a nove anos de prisão pelo voto do ministro Alexandre de Moraes”, escreve Angel, considerando a sentença “praticamente um afago, uma carícia”. Expressando exatamente o que pensa a esquerda pequeno-burguesa, autora celebra uma prisão política, aparentemente, ignorando o fato de que o poder repressor do Estado, acima de tudo, é o que realmente se beneficia com o que a esquerdista apoia.
Longe de ser uma solução, a prisão de Jefferson sacia a sede de sangue de um setor da esquerda, mas também cria uma falsa sensação de que algo está sendo feito contra o golpismo tradicional da extrema direita. Isso sequer arranha os problemas políticos enfrentados pela esquerda, a crise do governo Lula, a manutenção da desindustrialização do Brasil, o desemprego real estratosférico que atinge mais da metade da força de trabalho nacional, os salários irrisórios e incapazes de conter o galope da carestia, enfim, nada de concreto para o povo.
Ainda assim, a prisão defendida por Angel cumpre uma importante função para a classe dominante, na medida em que, sob o pretexto de combater o fascismo, conseguem manter o campo popular subordinado ao programa repressivo e às instituições da direita, como o conjunto do Poder Judiciário. Angel prossegue em seu artigo com declarações ainda mais contundentes:
“Bob Jeff merece no mínimo 90 anos de cárcere, em isolamento, com trabalhos forçados, bola de ferro no pé e algemado nas costas, por toda sua mentirada no Mentirão, ‘escândalo’ engendrado por ele para desestabilizar o governo, gerando infinito prejuízo ao Brasil, ao povo brasileiro, à República e à nossa Democracia.”
Esse desejo de “punição exemplar” (frase tipicamente direitista) revela como a esquerda atual está disposta a endossar o programa repressivo da direita. Caso Roberto Jefferson fosse condenado a 90 anos, como defende Angel, a resposta seria que ainda é pouco. Esse tipo de política é incapaz de alterar o quadro de ofensiva da direita ou o recuo político da esquerda, mas serve perfeitamente para que um programa de repressão seja implementado com a esquerda assumindo o ônus político dessa repressão. Trata-se de uma armadilha: a direita lucra tanto com o fortalecimento do aparato repressivo quanto com a transferência de sua responsabilidade política à esquerda, que se torna cúmplice de uma política contrária aos interesses das massas.
As ditaduras fascistas da Europa nos anos 1930-1940, a Ditadura Militar brasileira (1964-1985) e regimes semelhantes na América do Sul, como na Argentina e no Chile, são exemplos clássicos de como essa política é reacionária. Todos se notabilizaram pela prática de terror estatal: prisões arbitrárias, torturas sistemáticas, assassinatos em massa e políticas bárbaras de repressão. Essas características não apenas definem esses regimes como de direita, mas também expõem o caráter antipopular da repressão.
Seria esse o modelo de regime de esquerda que Angel defende? Caso positivo, ela está no caminho certo para implementá-lo. Mas assim que o obtiver, lamentará profundamente tê-lo desejado. Angel, porém, encerra o texto com um misto de otimismo e metáfora:
“Esse jogo não acabou. A bola dos golpes continua a rolar. Nossa sorte é que os artilheiros deles são pernas de pau, e Lula treina no campo Politheama, do Chico, aquele que derruba até ditadura com um sambinha.”
De fato, os “artilheiros” da extrema direita são limitados porque são, no final das contas, políticos da classe dominante. O fato de Angel defender abertamente penas draconianas para opositores políticos, no entanto, é preocupante. A verdadeira “bola do golpe” não é o ataque da direita representada pelo judiciário contra a extrema direita bolsonarista, mas sua capacidade de atrair a esquerda para “jogar” a favor da burguesia, defendendo uma política que favorece um dos maiores interesses da classe dominante e defendidos pela direita, que é a possibilidade de atirar pessoas ao cárcere pelo maior tempo possível.
