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Venezuela

‘Governe quem governe’: a senha para o ataque a Maduro

Não há neutralidade possível diante do imperialismo. Tratar como iguais as forças em disputa na Venezuela é um apoio velado ao imperialismo

No artigo Nota urgente sobre a Venezuela – Como chegamos a este beco sem saída? (29/7/2024), Jorge Martin, da Organização Comunista Internacionalista (OCI), analisa a situação venezuelana, chegando à seguinte conclusão:

“Aconteça o que acontecer, é decisivo impulsionar fortemente a necessidade da organização independente da classe trabalhadora por seus próprios interesses. Governe quem governe [grifo nosso], defendem-se os interesses da classe”.

Falar em “impulsionar a organização independente da classe trabalhadora por seus próprios interesses” não quer dizer nada. A independência da classe operária é um princípio, é algo que deve ser levado em consideração a todo momento. Seja em uma situação pré-revolucionária, em uma situação revolucionária ou em meio ao golpe de Estado. O papel de alguém que se propõe a organizar a classe operária, no entanto, não é dizer que ela deve se organizar, mas sim ser capaz de elaborar uma política para cada situação concreta na qual os trabalhadores estiverem inseridos.

O que aparece digno de destaque na citação é a expressão “governe quem governe”, que expressa uma indiferença em relação à luta que está sendo travada. É o tipo de expressão de quem não tem uma política para organizar a classe operária, uma vez que essa organização implica justamente em estabelecer uma política que leve em consideração a situação concreta – em especial, quem governa.

A luta classes colocou o imperialismo norte-americano contra uma nação atrasada. As aspirações de libertação nacional do país vizinho se expressam no atual presidente, Nicolás Maduro, ao passo que a luta por dobrar a nação à ditadura dos monopólios se expressa na candidatura de Edmundo González Urrutia.

Falar em “governe quem governe” é um chamado à classe trabalhadora para se colocar alheia à disputa, que não é outra coisa, mas a expressão que a luta de classes assume no país e isso em um momento de acentuada polarização. Não se trata, porém, de um engano aleatório, mas reflexo da interpretação equivocada da natureza do governo bolivariano, o que fica expresso em:

“Há que se entender que o governo de Maduro não tem nada a ver com o governo de Chávez. Muito pelo contrário. Chávez liderou a revolução bolivariana (a tomada de terras, as comunas, o controle operário, as nacionalizações, o enfrentamento ao imperialismo, a discussão sobre o socialismo etc.). Maduro presidiu uma restauração burguesa e oligárquica (a devolução de terras aos latifundiários, as privatizações, a destruição do controle operário, o ataque às contratações coletivas, trabalhadores presos por resistir etc.).”

Falar em “restauração da burguesia” em um país atrasado e pobre como a Venezuela é uma colocação de um verdadeiro imbecil. Embora se reivindiquem socialistas, os bolivarianos precisam manobrar conforme a situação se apresente, um reflexo do atraso da economia do país, o que os torna suscetíveis ao mercado internacional, mesmo com todo o petróleo que possuem. No período de Chávez, havia uma ascensão da esquerda no continente, o que garantia ao líder venezuelano uma rede de apoio. Maduro, ao contrário, viu o imperialismo liquidar governos de esquerda no continente, precisando manter-se em posição de relativo isolamento no continente, sendo a própria Venezuela o maior país governado por um regime de oposição ao imperialismo na região.

O artigo continua fazendo críticas desorientadoras a Maduro, como observado no trecho a seguir:

“É difícil prever o que vai acontecer. Mas em todas as alternativas mais prováveis, a classe trabalhadora e o povo pobre perdem [grifo nosso]. 

Perdem se o governo patronal de Maduro se mantiver no poder sobre a base da repressão em massa.[grifo nosso]

Perdem se ele cair e for substituído por MCM [Maria Corina Machado], a pupila de Trump, Bolsonaro e Milei. O perigoso é que setores das massas populares parecem ter posto suas esperanças nela. Que ninguém se deixe enganar. Se MCM chegar ao poder aplicará um programa brutal de choque neoliberal à moda de Milei, desmantelando o que resta das conquistas da revolução, privatizando tudo, vendendo a preço de banana as indústrias básicas, arrasando a cano de fuzil qualquer vestígio de poder comunal que reste. E tudo isso, é claro, imposto pela repressão ao movimento operário, popular e camponês, se ousar se opor.”

Ora, se os trabalhadores perdem de qualquer forma, a conclusão lógica seria que a classe trabalhadora deve derrubar Maduro. Malandramente, Martin limita-se a insinuar, sem o dizer abertamente, deixando, no entanto, o estrago de uma orientação desastrosa e que só pode levar a uma derrota catastrófica caso seja seguida.

Já que o autor considera Machado e a direita venezuelana expressões políticas do neoliberalismo, e Maduro, no mínimo, tão ruim quanto, Martin deveria defender a queda de ambos, uma espécie de “Fora Todos”, a exemplo do que os morenistas do PSTU fizeram no Brasil.

Para não cair no golpe de Martin, o que os trabalhadores e as massas venezuelanas devem ter em mente, no entanto, é a lição dada pelo principal organizador da IV Internacional e formulador do programa para o período de transição, o revolucionário russo León Trótski, e que cai como uma luva para a crise venezuelana:

“Existe atualmente no Brasil um regime semi-fascista que qualquer revolucionário só pode encarar com ódio. Suponhamos, entretanto que, amanhã, a Inglaterra entre em conflito militar com o Brasil. Eu pergunto a você de que do conflito estará a classe operária? Eu responderia: nesse caso eu estaria do lado do Brasil “fascista” contra a Inglaterra “democrática”. Por que? Porque o conflito entre os dois países não será uma questão de democracia ou fascismo. Se a Inglaterra triunfasse ela colocaria um outro fascista no Rio de Janeiro e fortaleceria o controle sobre o Brasil. No caso contrário, se o Brasil triunfasse, isso daria um poderoso impulso à consciência nacional e democrática do país e levaria à derrubada da ditadura de Vargas. A derrota da Inglaterra, ao mesmo tempo, representaria um duro golpe para o imperialismo britânico e daria um grande impulso ao movimento revolucionário do proletariado inglês.”

Não há neutralidade possível diante do imperialismo, exceto se o inimigo em questão for o próprio imperialismo. As massas venezuelanas e latino-americanas devem apoiar Maduro e, nos outros países (como o Brasil), pressionar seus governos a apoiarem a pobre, mas valente nação sul-americana, que, sem dispor de uma fração dos recursos disponíveis ao país mais poderosos do mundo, se dispõe a enfrentá-lo, armando-se junto ao seu povo.

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