A partir do último dia 27, o Diário Causa Operária (DCO) deu início à série De onde vem a censura sobre a Internet?. Diante dos ataques que as liberdades de expressão e de imprensa na Internet vêm sofrendo não só no Brasil, mas no mundo, procuramos explicar quais são as forças políticas que lutam para censurar tudo aquilo que vá contra os seus interesses. Não perca a primeira e a segunda partes.
As análises acerca das manifestações de junho de 2013 no Brasil são repletas de confusão política. Para uma grande parcela da esquerda, fizeram parte da iniciativa golpista que resultou no impeachment de Dilma Rousseff, na prisão de Lula e na eleição de Jair Bolsonaro. A burguesia – não apenas brasileira, como mundial – teve um balanço muito mais sóbrio e, como é típico da única classe social plenamente consciente da sociedade burguesa, traçou um plano político que mudaria para sempre a forma como interagimos através das redes sociais.
Os protestos começaram pequenos. No dia 2 de junho, 10 dias após a prefeitura de São Paulo, sob Fernando Haddad (PT), e o governo estadual, sob Geraldo Alckmin (PSB, então PSDB), anunciarem um reajuste de 20 centavos nas passagens de ônibus, trens e metrô, o aumento entrou em vigor, estabelecendo a nova tarifa de R$3,20. Já no dia seguinte, o Movimento Passe Livre, organizado por jovens anarquistas com algumas pequenas manifestações em seu currículo, convocou através de seu braço paulistano um ato pequeno, quase que sem cobertura da imprensa.
No dia 6, o ato ganhou novas proporções e começou em frente ao Theatro Municipal, no centro de São Paulo, com destino à Avenida Paulista. A repressão contra as centenas de manifestantes aumentou significativamente, com cerca de 20 presos e uso de gás lacrimogêneo. No dia seguinte, a manifestação partindo do Largo da Batata, também com destino à Paulista, já contava com cerca de dois mil manifestantes e a ação policial elevou o tom.
Os atos cresciam com a convocação realizada pelas redes sociais. Eram dezenas de eventos do Facebook com milhares de confirmados, além da convocação “oficial” realizada pelo Movimento Passe Livre. O ritmo das manifestações passou a ser praticamente diário até o estopim no dia 13 de junho, quando a violência da Polícia Militar de Alckmin atingiu um novo patamar e teve o efeito oposto do desejado. Nem mesmo o Estado de S. Paulo pôde esconder em sua edição do dia seguinte o tamanho da brutalidade com matéria intitulada Rota dispara até contra quem estava fora do protesto. Foi um verdadeiro banho de sangue e, por mais que estivesse registrado parcialmente nas páginas da imprensa que até então taxava os manifestantes de “vândalos”, um registro vívido e em tempo real nas redes sociais causou uma revolta generalizada.
Na sequência, a burguesia procurou infiltrar as manifestações até as transformar numa espécie de atos cívicos que aos poucos se voltaram contra a Copa do Mundo, contra o governo de Dilma Rousseff (apesar da repressão ter sido ordenada por Alckmin) até refluírem ao final do mês. A infiltração foi facilitada pela direção anarquista do movimento, que frequentemente era ativamente hostil à organização, a carros de som, bandeiras de partidos; mas apesar de ter conseguido controlar as manifestações com seus meios tradicionais (jornais, revistas, rádio e televisão), a burguesia brasileira teve uma prévia do poder que os novos meios de comunicação tinham como formas de organização política.
Os acontecimentos no Brasil não foram os únicos a demonstrarem esse potencial. A Revolução Egípcia de 2011 derrubou a ditadura de Hosni Mubarak, que governava o país a mando do imperialismo há quase três décadas. O movimento explodiu no dia 25 de janeiro de 2011, quando era celebrado do Dia Nacional da Polícia, e foi convocado por diversos movimentos sociais justamente através do Facebook. Dezenas de milhares de pessoas foram às ruas em diversas cidades do Egito, incluindo Cairo, Alexandria, Suez e Ismaília.
As manifestações tomaram proporções bíblicas. A repressão estatal elevou o tom no mesmo ritmo, mas não conseguiu conter o movimento. No dia 11 de fevereiro, Mubarak anunciava sua renúncia em vitória para essa mobilização que teve início, também, através das redes sociais. Assim como no Brasil, a situação foi contida e, até mesmo, revertida com um golpe contrarrevolucionário contra o governo democraticamente eleito de Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana.
O mesmo período carrega outros exemplos importantes sobre os quais não poderemos tratar em profundidade. Talvez o primeiro de todos, ocorrido nos Estados Unidos, o Movimento Occupy Wall Street (Ocupar Wall Street), desenvolveu-se da mesma maneira e terminou impondo alguns meses de desconforto – senão terror – aos banqueiros que, em 2008, haviam sido resgatados da hecatombe do sistema financeiro pelo governo recém-eleito de Barack Obama. Entre setembro e novembro de 2011, manifestantes, novamente, em sua maioria jovens, acamparam nos entornos do bairro de Manhattan que abriga as maiores instituições financeiras do mundo. O movimento recebeu apoio de todo os Estados Unidos, assim como do mundo. Finalmente, na Espanha, também em 2011, houve a série de protestos conhecida como 15M em referência ao primeiro deles, ocorrido em 15 de maio de 2011, contra as políticas de austeridade fiscal do governo do Partido Popular.
O potencial das redes sociais de conectar pessoas a assuntos que as interessam, o algoritmo em seu estado “puro”, como aparenta funcionar hoje no TikTok, tem um potencial enorme de conectar pessoas que estão buscando engajar-se politicamente a manifestações e eventos em que possam participar. Ao contrário do que a imprensa imperialista busca apresentar, os algoritmos não fazem mal para as pessoas, mas as aproximam e, por isso, tornam suas vozes mais fortes.
Mesmo um setor mais fraco da direita soube se aproveitar desse funcionamento das redes sociais. Não de forma orgânica, como nas manifestações populares supracitadas, uma vez que suas ideias não atraem tão facilmente as pessoas; mas em campanhas como as da eleição de Donald Trump e a pela saída do Reino Unido da União Europeia (o Brexit). Nestes casos, setores da direita com certo poder financeiro puderam furar o bloqueio que sofriam na imprensa “oficial”, investindo rios de dinheiro em propagandas políticas pagas nas redes sociais, prática hoje completamente vetada.
Todos esses episódios contribuíram para a formação da Internet e das redes sociais como as conhecemos hoje: muito menos engajantes e, literalmente, cheias de receitas de bolo. A burguesia, buscando controlar esse novo meio de comunicação – o mais poderoso de todos os tempos -, impôs uma censura em massa, visível hoje nos esforços implacáveis para conter a disseminação de denúncias contra o genocídio palestino. É possível que essas medidas durem por um certo tempo, mas certamente não têm condições de durar para sempre. Outros TikToks surgirão.