As aparências podem enganar muito, principalmente na política. Diante de manifestações ideológicas de uma parte dos caminhoneiros, setores da esquerda têm avaliado erroneamente que essa greve seria uma manifestação favorável ao governo ─ só porque a imprensa burguesa, guia da esquerda, diz isso. Nada mais distante da realidade, tanto que o próprio Bolsonaro é contrário a greve e tenta cautelosamente desmobilizar o setor. Um áudio seu foi amplamente divulgado, porém ignorado pelos caminhoneiros. Segue uma transcrição da mensagem:.
“Fala pros caminhoneiros aí, que são nossos aliados, mas esses bloqueios aí atrapalham a nossa economia. Isso vem.. provoca desabastecimento, inflação. Prejudica todo mundo, em especial aí os mais pobres, então, dá um toque aí nos caras se for possível para liberar, tá ok? Pra gente seguir a normalidade. Deixa, deixa, deixa.. com a gente aqui em Brasília aqui agora. Não é fácil negociar, conversar por aqui com outras autoridades, não é fácil, mas a gente vai fazer nossa parte aqui, vamos buscar uma solução para isso, tá ok? E aproveita aí, em meu nome, dá um abraço em todos os caminhoneiros aí, valeu.”
As contradições entre os caminhoneiros e os governos golpistas de Temer e Bolsonaro foram constantes e se acentuam com o desenvolvimento da crise econômica. A demagogia da direita contra a política de preços da Petrobrás durante os governos bateu de frente com a política econômica de terra arrasada que foi aplicada após o golpe de estado de 2016.
Na campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro sinalizou apoio aos caminhoneiros para angariar apoio político de um setor desorganizado da classe trabalhadora. Porém, já no governo, vem sacudindo a cada mobilização deles. Em fevereiro deste ano, por exemplo, chegou a trocar o comando da Petrobrás diante da insistência de Roberto Castello Branco, um agente das petroleiras diretamente ligado ao capital especulativo, em segurar os preços dos combustíveis. Aliás, mais de uma troca de cadeiras ocorreu na presidência da empresa.
Na ocasião, caminhoneiros estiveram alinhados aos petroleiros contra a alta nos preços. Essa é uma tendência real de alinhamento, pois a base material é comum. Ao contrário do que prega parte da esquerda universitária, as questões materiais se sobrepõem às questões ideológicas na luta política. A luta contra a privatização da Petrobrás é outro fator concreto que tende a unificar esses setores, pois na prática, a única forma de ter controle sobre o preço dos combustíveis é colocando o setor sob controle do governo e não do capital estrangeiro.
Os caminhoneiros não se opõem ideologicamente à política de Bolsonaro, apenas reagem à destruição das suas condições de vida. A ilusão de setores populares com Bolsonaro, a partir da sua propaganda de ser uma figura que está “contra o sistema”, cai por terra justamente em situações como a que temos agora.
A debilidade do governo em lidar com suas contradições deve ser explorada para impulsionar as políticas que podem de fato resolver os problemas que afligem a população. Como todos sabem, diante da predominância do transporte rodoviário no país, o aumento no preço dos combustíveis tem impacto generalizado sobre os produtos básicos consumidos.
A legítima revolta contra o regime pode assumir formas confusas, mas aponta para uma confrontação entre o povo e a classe dominante. Apoiar, impulsionar e procurar esclarecer o que está em jogo nessa luta são tarefas da esquerda revolucionária.