As manifestações que tomaram as ruas do mundo após o assassinato de George Floyd, em Minneapolis, nos Estados unidos, e o enfrentamento entre grupos bolsonaristas e as torcidas organizadas antifascistas na avenida Paulista, em São Paulo, colocaram em relevo a problemática do fascismo e do antifascismo. Logo após a explosão das lutas nas ruas, a esquerda pequeno-burguesa com sua antena sempre ligada, identificou a nova “onda”, e imediatamente se apressou em se exibir como “antifascista”.
Como parte da operação de sequestro das lutas populares, políticos contrários à mobilização são alçados a “grandes lideranças” do antifascismo. De súbito, Guilherme Boulos é escalado como o “grande líder” anti-Bolsonaro, após recusar-se terminantemente a defender o “Fora Bolsonaro”, alegando ser uma palavra de ordem “golpista”. Assim, tão rapidamente quando a propagação do vírus Covid-19, os aderentes da esquerda pequeno-burguesa substituíram o logo do “fique em casa” pelo logo “sou (isso ou aquilo), sou antifascista”, e proliferam vídeos e lives “explicando” o fascismo e o antifascismo.
No vídeo “Você é fascista ou antifascista”, o pré-candidato à prefeitura de São Paulo pelo Psol, Guilherme Boulos, procura distorcer conceitos e acontecimentos históricos para, de maneira sorrateira, traficar as posições políticas de colaboração de classe da frente ampla nas mobilizações em curso. Como não poderia deixar de ser, o Psol como partido pequeno-burguês por excelência inundou as redes sociais com essa nova onda, misturando academicismo e identidarismo para forjar um “antifascismo”, que simplesmente não luta contra o fascismo.
Consoante com a política de frente ampla em “defesa da democracia”, o primeiro aspecto ressaltado nas postagens da esquerda pequeno-burguesa, como no vídeo de Boulos, é uma grotesca distorção do que seja o fascismo, da sua história e características, para em seguida apresentar cinicamente a completa prostração diante do fascismo como se fosse uma “ luta antifascista”.
Boulos apresenta o fascismo como sendo na prática
“um governo autoritário, uma ditadura, onde ninguém pode ter as liberdades básicas, como a liberdade de expressão, de manifestação, liberdade de imprensa, isso não existe no fascismo. A lógica deles é a da pureza, como se a sociedade fosse uma seita. Como quem não concorda não cabe.“
Interessante notar que a conceituação de Boulos não é na verdade sobre o fascismo, mas sobre um governo autoritário, podendo ser aplicado inclusive para diversos tipos de ditaduras. Essa formulação deixa de lado o fundamental do fascismo, qual seja, o seu caráter contrarrevolucionário, como a aplicação pelos capitalistas de um regime de ataque direto contra os trabalhadores e suas organizações;
Prosseguindo, Boulos enumera o que ele considera as cinco principais características do fascismo.
“A primeira é cultuar o líder supremo, o líder que encara a alma do partido, a alma da nação. (…). Uma segunda característica do fascismo é que eles identificam governo com a nação. (…) O fascismo sempre atua para controlar a verdade e a mentira se transforma na grande estratégia de comunicação para poder encobrir os grandes absurdos do governo. (…) O fascismo é, também, acima de tudo, um regime violento. Usa o terror, a ameaça, e até mesmo a eliminação física para poder destruir quem pensa diferente. E para fazer isso, uma caraterística do fascismo é o uso das milícias.”
Não obstante essa enumeração, apesar de Boulos fazer referências a algumas características presentes no fascismo, como o papel do líder, a manipulação das informações e uso da força, não se encontra efetivamente uma compreensão do que seja o fascismo, portanto, o vídeo não explica o que seja o fascismo.
O esqueminha explicativo de Boulos não é uma novidade, sendo inclusive o método recorrente da esquerda pequeno-burguesa quando se trata de abordar qualquer problema político. A análise política é substituída pelo esquema acadêmico vazio, que é indevidamente apresentada como “análise marxista” nos textos e lives dos professores universitários “marxianos” do Psol.
Como a burguesia liberal (conivente com os fascistas), Boulos defende as instituições “democráticas” falidas como antídoto contra as hordas fascistas, sem perceber que as milícias são amplamente apoiadas pelos próprios capitalistas. A principal função do fascismo é a destruição dos elementos da democracia operária, como os direitos dos trabalhadores, em especial o direito a organização, como salientou o revolucionário russo, Leon Trótski. Boulos choraminga contra as fakes news e o uso da mentira e da força, mas não demostra nenhuma perspicácia para entender que o fascismo não é uma simples ditadura, mas a utilização dos métodos da guerra civil contra o povo, em especial contra as organizações dos trabalhadores.
O antifascismo, para o dirigente do Psol, não é um movimento de luta, com a formação de comitês de autodefesa contra as milícias fascistas, mas tão somente uma espécie de negação moral dos fascistas.
“ Ser antifascista é ter uma responsabilidade histórica. Essa luta é nas ruas, mas não só. É também nas redes sociais, denunciando esses grupos, enfrentando as fake News e construindo canais de diálogos democráticos”
Dessa forma, ser “antifas” para Boulos é ser pacifista, não violento e democrático contra o “ódio” dos bolsonaristas. Com efeito, “enfrentar os fascistas” é denunciar os grupos que fazem uso das fakes news. No vídeo de Boulos, é até mesmo salientado o uso da tecnologia nas redes sociais como a explicação para a dianteira da extrema-direita em relação à esquerda. Portanto, não se trata de lutar contra os fascistas, mas de conseguir medidas judiciais para censurar as redes sociais.
Além do mais, Boulos propõe a construção de “canais de diálogos democráticos”. O que seria essa proposta “antifascista”? Trata-se da política de frente ampla, ou seja, a construção de aliança entre os “democratas”, em especial com a direita “civilizada”.
Longe de combater o fascismo, esses “diálogos democráticos” com a direita que deu o golpe de Estado em 2016, somente significa colocar a esquerda e o movimento operário completamente a reboque da burguesia. Por sinal, a principal função política de Boulos ao apresentar-se como liderança antifascista é ter a “responsabilidade histórica” de servir de correia de transmissão da frente ampla nos movimentos sociais, e assim estrangular a luta antifascista.