Nessa terça-feira (18), o procurador-geral da República, o conservador Paulo Gonet, denunciou formalmente o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em documento com mais de 250 páginas, Gonet acusa Bolsonaro de uma série de crimes, incluindo golpe de Estado. O procurador-geral não apresenta, no entanto, uma única prova contra o ex-presidente.
A denúncia fantasiosa de Gonet muito se assemelha a uma denúncia feita há oito anos contra uma pessoa que, na época, também era ex-presidente da República. O atual presidente Lula, que viria a ser preso em 2018 como resultado dos processos conduzidos pela Justiça Federal de Curitiba, foi, assim como Bolsonaro, alvo de várias investigações e denúncias. Neste artigo, apresentaremos uma em particular, que, assim como a de Gonet, ficou conhecida não apenas pela sua ilegalidade, mas também pelo seu caráter grotesco.
A denúncia em questão foi apresentada em 2016 pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e assinada por três promotores: Cassio Roberto Conserino, José Carlos Guillem Blat e Fernando Henrique de Moraes Araújo. O documento produzido pelos três patetas se dirigia a 16 pessoas – entre elas, Luiz Inácio Lula da Silva e sua então cônjuge, Marisa Letícia.
Embora os tipos penais descritos fossem muito diferentes, o método utilizado tanto por Gonet quanto pelos três patetas era fundamentalmente o mesmo: substituir as provas, que são obrigatórias em qualquer denúncia, por uma história.
No caso de Bolsonaro, Gonet o acusa de ter tentado organizar um golpe de Estado, mas não mostra que o ex-presidente teria ordenado tropas a saírem às ruas, nem coisa parecida. Em vez disso, conta que, como Bolsonaro desconfiava das urnas eletrônicas e os manifestantes de 8 de janeiro também, necessariamente estes estavam a mando daquele para depor os poderes constituídos.
No caso de Lula, os três patetas o acusam de lavagem de dinheiro, mas não mostram que ele tivesse recebido qualquer recurso de origem ilícita. Em vez disso, conta que, como ele teria visitado um apartamento triplex, aquele apartamento necessariamente lhe pertencia e seria uma recompensa por algum ato de corrupção.
Mas as coincidências não param por aí. Além dos longos documentos que procuram contar histórias do arco-da-velha, ambos apresentam os investigados como pessoas que estariam atentando contra as mui honradas instituições do Estado como forma de desviar a atenção para seus próprios problemas.
“Entendem os promotores de justiça subscritores que o denunciado Luiz Inácio Lula da Silva atentou contra a ordem pública ao desrespeitar as instituições que compõem o Sistema de Justiça, especialmente a partir do momento em que as investigações do Ministério Público do Estado de São Paulo e da Operação Lava Jato (MPF – Curitiba) se voltaram contra ele.” (Denúncia contra o presidente Lula)
“Nesse momento, as pesquisas já apontavam a queda de popularidade do Governo de JAIR MESSIAS BOLSONARO e a liderança do candidato da oposição na preferência do eleitorado. A possibilidade de derrota no pleito vindouro fez com que a organização criminosa se antecipasse, escalando os ataques às urnas eletrônicas, a fim de lhes desgastar a idoneidade perante a população, preparando os ânimos para movimentos de rebeldia contra os resultados negativos para o grupo.” (Denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro)
Tanto a atuação política de Lula quanto a de Bolsonaro foram apresentadas como um atentado ao dito “Estado democrático de direito”.
“O denunciado Luiz Inácio Lula da Silva revelou conduta que fragiliza o Sistema de Justiça e põe em xeque o Estado Democrático de Direito[…], [pois] agendou uma entrevista coletiva […] declarando que ‘prestar depoimento de seis horas pra me fazerem as mesmas perguntas que já tinham me feito antes’.” (Denúncia contra o presidente Lula)
“O discurso promovido na ocasião, examinado em conjunto com as demais ações narradas nesta peça acusatória, encaixa-se na estratégia maior de enfraquecimento do Estado Democrático de Direito, no âmbito nacional e internacional.” (Denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro)
Mais interessante ainda é a acusação, presente em ambos, de insuflar a população contra as instituições.
“Do alto de sua condição de ex autoridade máxima do país, o denunciado Luiz Inácio Lula da Silva jamais poderia inflamar a população a se voltar contra investigações criminais […]. E foi isso que o denunciado Luiz Inácio Lula da Silva fez, valendo-se de toda sua ‘força político-partidária’, ao convocar entrevista coletiva após ser conduzido coercitivamente para ser ouvido em etapa da Operação Lava Jato.” (Denúncia contra o presidente Lula)
“O discurso, que reiterava outros tantos, reforçou a estratégia da organização criminosa de perturbar a tranquilidade social que deveria ambientar as eleições no sistema democrático. ” (Denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro)