O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro “Kakay” publicou recentemente no Poder360 um artigo em que comemora a libertação de Francisco Mairlon Barros Aguiar, preso por 15 anos injustamente por um crime forjado com base em delações premiadas e provas manipuladas. No texto, o criminalista denuncia a “vergonha para o sistema de Justiça”, descrevendo o caso como um “show de horrores” e um “conluio macabro” entre polícia, Ministério Público e interesses políticos.
“Depois de 15 anos de tortura, agressões e humilhação em um sistema prisional medieval, um homem tem sua inocência reconhecida e o STJ assume, corajosamente, um erro judiciário.”
O caso conhecido como “triplo homicídio da 113 Sul” foi anulado pelo Superior Tribunal de Justiça após a Corte reconhecer a existência de “coação moral” sobre os delatores e constatar que os depoimentos haviam sido forjados. Os vídeos do inquérito revelam que os investigadores induziram as testemunhas e encenaram as acusações para construir uma narrativa pré-determinada.
Kakay acertou ao denunciar a farsa: a delação premiada, imposta sob ameaça e chantagem, é um dos instrumentos mais antidemocráticos da justiça brasileira. Foi o mesmo método utilizado para prender Lula, condenado com base em delações viciadas e versões fabricadas sob pressão. Como o próprio Kakay afirmou, os erros do caso 113 Sul “não foram por acaso ou incompetência, foram criminosos”.
Mas a coerência do advogado termina quando o réu se chama Jair Bolsonaro. Em outro artigo, também no Poder360, intitulado “Julgar para virar a página”, o mesmo Kakay defende a celeridade do julgamento do 8 de Janeiro e a atuação do Supremo Tribunal Federal.
“Já é passada a hora de o Supremo Tribunal julgar o processo referente ao núcleo crucial da tentativa de golpe, até para virarmos essa página”, escreveu, celebrando que “o Brasil mostra ao mundo que é um país soberano, com instituições hígidas e um Judiciário que não se acovarda”.
No texto, ele elogia o encarceramento de generais e a prisão de Bolsonaro, dizendo que o processo “trará uma pacificação para o país”.
O detalhe omitido é o mesmo que ele denunciou com veemência no caso de Mairlon: o processo não tem prova e se baseia na delação do tenente-coronel Mauro Cid, obtida após meses de prisão e negociações com o STF.
Ou seja, o mesmo mecanismo de chantagem judicial que destruiu a vida de um inocente e que Kakay chamou de “erro criminoso”, é saudado como “a normalidade do processo penal democrático” quando serve para condenar um adversário político.
Kakay não enfrenta o problema de fundo: se delação obtida sob coação é inválida, ela é inválida em todos os casos — inclusive no de Bolsonaro. O que ele faz é trocar o princípio pela conveniência.
No caso 113 Sul, escreve que “os erros foram criminosos”. No caso do 8 de Janeiro, diz que o julgamento rápido é “em homenagem ao Supremo Tribunal e à segurança dos ministros”.
No primeiro, denuncia um Estado arbitrário; no segundo, exalta o mesmo Estado como “Judiciário que não se acovarda”.
A coerência é zero. O critério é político: se o réu é pobre, há abuso judicial; se o réu é impopular, o abuso vira “pacificação nacional”.
Kakay, que cita Montesquieu — “A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos” —, ignora o sentido da frase que repete. Se a injustiça feita contra Mairlon foi intolerável, também o é quando feita contra Bolsonaro, ou contra qualquer outro réu julgado com base em delações negociadas e “provas” obtidas na cela.
Quem aplaude o arbítrio por conveniência é cúmplice de sistema criminoso — o mesmo sistema que ele, dias atrás, chamou de “vergonha para o Judiciário brasileiro”.





