O advogado Arnóbio Rocha publicou no portal de esquerda Brasil 247, um artigo intitulado PT e seus 45 anos de história, trazendo (como se deduz pelo título), a história do maior partido da esquerda brasileira, símbolo da luta operária contra a Ditadura Militar. Entre seus comentários, porém, destaca-se a expressão da falta de princípios ideológicos, enaltecida por Rocha como uma virtude, ao destacar que “nem mesmo os ventos de retrocesso com a queda do leste europeu foram capazes de impedir o crescimento e a consolidação do PT, que fez uma mudança de curso e soube sobreviver e se adaptar à dura realidade pós 1989”, em referência à queda do Muro de Berlim e a subsequente implosão da União Soviética pelo stalinismo. Diz o jurista:
“O Capital passou à extrema ofensiva política e ideológica e praticamente todos os antigos Partidos Comunistas se esfacelaram ou assumiram posições sociais democratas diante do neoliberalismo que se impôs como nova ordem – poucos sobreviveram com influência real na sociedade. O PT fez sua inflexão política: o discurso mais radical e anticapitalista cedeu espaço para uma visão pragmática e de manutenção das lutas nos marcos do Capitalismo, uma visão de centro-esquerda, com referência na Social Democracia, mas de difícil implementação num país como o Brasil.”
A “inflexão política” do PT, mencionada no trecho, não se deu apenas como uma mudança de “discurso”, mas como um processo de adaptação total aos interesses da burguesia e do imperialismo. O trecho indica que essa inflexão se apresenta como parte de uma visão pragmática, mas, na realidade, trata-se da submissão aos inimigos dos trabalhadores, não apenas no campo do discurso, mas principalmente, no campo dos interesses políticos defendidos.
O processo de “inflexão” ocorrido em 1989 culminou na expulsão das tendências mais à esquerda no partido, incluindo a responsável pelo jornal Causa Operária, a primeira a ser expulsa. Embora Rocha mencione o Muro de Berlim em seu artigo, um dos principais motivos para a expulsão do grupo trotskista foi a oposição a submissão política do partido à direita, já articulada e concretizada na formação da Frente Brasil Popular, responsável por lançar na chapa presidencial de 1989 o desembargador e latifundiário gaúcho José Paulo Bisol, que saíra do PSDB (partido do qual era um dos fundadores) para o PSB para poder ser vice de Lula.
O PT não conseguiria se eleger, mas a política de frente ampla levaria a um expurgo das alas mais à esquerda do partido, a começar pelo núcleo que se organizava em torno do jornal Causa Operária. Outras correntes seriam expulsas também, seguindo o caminho consolidado em 1992, quando a expulsão de Causa Operária foi oficializada. Não foi uma mera “inflexão”, mas uma guinada à direita.
A partir desse momento, o PT se definiu como um partido que iria operar dentro dos limites impostos pelo imperialismo, consolidando sua posição como um partido dirigido por uma pequena burguesia, embora amparado no movimento operário. Essa transformação não se resume à aceitação do neoliberalismo como um fenômeno inevitável, mas à internalização dos seus marcos como os únicos possíveis para a ação política, o que fragilizou a organização independente da classe trabalhadora.
Esse processo explica a crise atual do PT, pois a adaptação ao regime não se deu sem consequências. Ao reduzir sua política a uma administração do capitalismo, o partido perdeu sua capacidade de oferecer uma alternativa real para os trabalhadores. O texto original menciona que a crise gerada pela derrocada do stalinismo esmagou os antigos Partidos Comunistas, mas no caso do PT, a capitulação se deu pela própria escolha de um caminho que priorizou a ascensão a cargos sobre a luta pelos interesses dos trabalhadores.
Assim, a crise do PT não é apenas reflexo da ofensiva do capital, mas também do seu abandono das bases programáticas que o diferenciavam, como um partido operário, na base e na direção, o que após sucessivos golpes e expurgos, fizeram do partido uma força política de base trabalhadora, mas dirigido pela pequena-burguesia. Essa característica termina tornando-o vulnerável tanto à cooptação quanto ao desgaste político inevitável de uma força que optou por administrar, e não confrontar, os interesses da burguesia. Atualmente, os reflexos dessa “inflexão” dão sinais de atingir o paroxismo.
Eleito para dar uma solução à crise produzida por seis anos de governos golpistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou o PT de volta ao governo federal, porém em um esquema igual ao que em 1989, provocou uma crise responsável pelos expurgos que viriam a seguir. Agora, uma outra crise é produzida pela decisão de aliar-se à direita, representada pela incapacidade do PT em governar conforme seu programa e dar uma solução à devastação produzida pelo golpe de Estado de 2016, quando a presidenta petista foi derrubada.
Não foi uma “inflexão”, como se vê. Foi o começo de uma capitulação que culminaria na crise atual.