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Coluna

Podemos desenvolver o País sem encarar os problemas essenciais?

"Não adianta pequenas melhorias estatísticas no emprego e no crescimento"

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE, a taxa de desemprego caiu para 6,4% no trimestre de julho a setembro de 2024. Esse é menor percentual verificado no período e o segundo menor da série histórica, iniciada em 2012, tendo ficado atrás apenas da taxa do trimestre encerrado em dezembro de 2013 (6,3%). O número da população desocupada (pessoas que não estavam trabalhando e procuravam algum tipo de emprego no período), caiu para 7 milhões de trabalhadores, o menor número desde o trimestre encerrado em janeiro de 2015. Na comparação com o mesmo trimestre móvel de 2023, o recuo do trimestre encerrado em setembro último estimou 1,3 milhão de pessoas desempregadas, a menos.

Segundo a PNAD Contínua, a população ocupada no trimestre em tela chegou a 103 milhões de trabalhadores, crescimento de mais 3,2 milhões de pessoas em um ano. O nível da ocupação, ou seja, o percentual de pessoas ocupadas na população em idade de trabalhar (14 anos ou mais) foi de 58,4% no trimestre, o maior nível de ocupação para um trimestre encerrado em setembro, desde 2012.

A Pesquisa investiga a evolução e as flutuações trimestrais da força de trabalho, incluindo os que estão na informalidade. Mas os dados do mercado formal, levantados pelo Novo Caged, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), mostram que, nesse mercado, o crescimento do emprego é também expressivo: no acumulado dos últimos 12 meses, entre outubro de 2023 e setembro de 2024, o Brasil criou mais de 1,83 milhão de novos empregos com carteira assinada. O número representa 28,6% a mais do que o saldo observado nos 12 meses anteriores. Com os dados do Novo Caged fechados em setembro, o estoque de empregos formais no Brasil chegou a 47,49 milhões de postos.

Apesar dos avanços recentes, os indicadores ainda são muito ruins. A Taxa Composta de Subutilização da Força de Trabalho recuou meros 0,8% no trimestre apontado, estando em 15,7%. Esse indicador é obtido pela soma da taxa de desocupação, com a taxa de subocupação por insuficiência de horas trabalhadas e a força de trabalho potencial (pessoas com 14 anos ou mais que não estavam ocupadas ou desocupadas na semana de referência da pesquisa, mas que poderiam se tornar força de trabalho). A Taxa Composta de Subutilização da Força de Trabalho serve para complementar a compreensão do mercado de trabalho, ela permite uma visão mais integral dos problemas nesse mercado.

O fato é que a população subutilizada, apesar de apresentar queda e de ter atingido um percentual historicamente baixo, representou, no trimestre terminado em setembro, um conjunto de 18,2 milhões de pessoas. Além disso, a ampliação do emprego está se dando muito com base no emprego precário e de baixa remuneração. Isso se reflete nos dados de renda da PNAD Continua: o rendimento médio real das pessoas ocupadas no trimestre, até setembro, foi de R$ 3.227,00, praticamente o mesmo valor do trimestre anterior e com alta de apenas 3,7% quando comparado ao mesmo trimestre móvel de 2023. A massa de rendimentos (soma das remunerações de todos os trabalhadores) chegou a R$ 327,7 bilhões, mantendo também estabilidade no trimestre. Essa última subiu, é verdade, 7,2% na comparação anual.

Considerando tudo que aconteceu no país nos últimos 8 anos, a estabilidade do rendimento médio real dos trabalhadores poderia ser considerada razoável. O problema é que, apesar dos preços estarem subindo anualmente em torno de 4% (o que é positivo) o custo de vida é muito alto, relativamente ao poder de compra dos trabalhadores. Por exemplo, o valor do salário mínimo necessário, para a manutenção de uma família de 4 pessoas, calculado pelo DIEESE, em outubro último estava em R$ 6.769,87 ou 4,79 vezes o mínimo de R$ 1.412,00. Portanto, o rendimento médio real das pessoas ocupadas, de R$ 3.227, equivale a menos da metade do salário mínimo necessário para a sobrevivência de uma família.

Uma concentração de desempregados, e precarizados através das mais diversas formas, na magnitude apontada pela PNAD Continua, precisaria de políticas públicas mais incisivas. A redução da taxa de desemprego para patamares historicamente baixos ocorreu em decorrência, pode-se dizer, dos efeitos da ampliação do crescimento da economia, com a ampliação do Produto Interno Bruto (PIB) acima do que tinha sido previsto no início deste ano. A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (SPE/MF) revisou, em setembro, para 3,2% a estimativa de crescimento do PIB em 2024. A projeção anterior estava em 2,5% do PIB para o ano. É uma aceleração do crescimento baseada fundamentalmente nos investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e no aumento do mercado consumidor interno, em função do maior número de trabalhadores empregados. Mas é uma política limitada, muito sujeita às flutuações e dependente do funcionamento cíclico do mercado.

O governo vem sendo pressionado, principalmente pelo sistema financeiro e o grande capital, em geral, para fazer o “ajuste fiscal”, que traduzido em bom português, significa cortar gastos sociais, “reformar” a previdência, acabar com a política de ganhos reais do salário-mínimo. Ou seja, o ajuste exigido pelos capitalistas, é o de retirada de direitos e poder aquisitivo dos mais pobres. Toda a reclamação vai contra os chamados gastos obrigatórios do governo que segundo os seus críticos, e o próprio ministro da Economia, “estão avançando fortemente”, em decorrência das despesas previdenciárias, as quais são atreladas ao salário-mínimo. Segundo o ministro Haddad, “todas regras mantidas, as despesas obrigatórias vão consumir as despesas discricionárias. Vamos ter de fazer um debate sobre isso”.

A posição do governo federal é tão complexa que, ante um crescimento do PIB acima do esperado no segundo trimestre do ano (1,4%), que permitiu a projeção de uma taxa de crescimento próxima a 3% no ano como um todo, o governo teve que ficar justificando que isso não representa risco de aumento da inflação. Ou seja, o governo foi criticado porque o PIB cresceu um pouco mais do que o esperado. Pressionado, o governo parou de criticar inclusive a taxa Selic, que, em termos reais, é a segunda mais elevada do mundo (7,33%), atrás apenas da Rússia (9,05%), país que enfrenta uma guerra contra a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), há quase três anos. O principal ministro na área da Economia se recusa a criticar a injustificada taxa de juros brasileira, por considerar que seria “deselegante”.

A pressão exercida pela grande mídia, se não conduz o governo a uma política neoliberal “puro-sangue”, o impede de enfrentar as questões macroeconômicas fundamentais, como o problema da dívida pública. No acumulado dos oito primeiros meses deste ano, as contas públicas apresentaram um resultado negativo de R$ 86,2 bilhões, o equivalente a 1,14% do PIB. Qualquer analista elementar de política econômica, com uma pesquisa rápida na internet, verifica que o déficit público é fruto direto dos gastos com a dívida pública: nos primeiros oito meses de 2024, o Brasil torrou R$ 870 bilhões em juros da dívida, impressionantes 7,7% do PIB.

Quando se incorporam os juros da dívida pública na conta, no conceito conhecido como resultado nominal, se constata um déficit de R$ 1,11 trilhão nas contas do setor público em doze meses até agosto – o equivalente a 9,8% do PIB. Para efeito comparativo, as despesas previstas com o Programa Bolsa Família, que impede mais de 55 milhões de brasileiros de morrer de fome, é de R$ 167,2 bilhões, cerca de 19% do valor que o país irá gastar com alguns milhares de rentistas.

Os quase R$ 800 bilhões gastos seriam para os “serviços” da dívida, portanto,  incluindo pagamento de juros e amortização da dívida. Mas não existe amortização da dívida. O estoque da dívida só cresce, apesar do Brasil pagar o maior volume de juros em proporção ao PIB, do mundo. A projeção é que a dívida bruta do governo geral, que inclui todos os poderes da União, estados e municípios, deve atingir 76,6% do PIB ao final deste ano. Supostamente, segundo os analistas dos bancos, a dívida cresce por causa dos gastos primários do governo.

Não há discussão adequada no país sobre os gastos com a dívida pública. É como se o “problema fiscal” fosse sinônimo de gastos sociais. A equipe do Ministério da Fazenda desconheceria que a questão fiscal é, essencialmente, o problema do trato da dívida pública? Obviamente, não. Trata-se de um problema de correlação de forças. Impossibilitado – e sem disposição – de enfrentar o poderio dos banqueiros, o governo se limita a fazer política econômica, “na margem”, naquilo que está autorizado a fazer. Nem imaginar enfrentar, por exemplo, a discussão sobre a Eletrobrás, que foi privatizada em óbvio crime de lesa-pátria. Esse tipo de embate está fora de cogitação. Isso seria o mínimo a ser feito, não apenas porque a privatização significou um roubo puro e simples, mas principalmente pela importância estratégica da companhia para a retomada do desenvolvimento nacional. Mas, não há disposição e força para enfrentar as lutas que realmente valem a pena. É mais fácil fazer tudo “direitinho” para agradar às agências de risco (todas ligadas aos banqueiros) e obter o grau de investimento até 2026.

A debilidade do governo, que não tem maioria no Congresso, e nem mesmo uma posição de unidade entre os seus ministérios, deve ser compreendida a partir do contexto internacional. A pressão do imperialismo, principalmente do norte-americano, sobre os governos no mundo todo, é muito grande, e se serve dos mais variados artifícios. Na Venezuela, recentemente os EUA quis impor um candidato seu, contra a vontade da maioria da população. Há tentativas de golpe de Estado na Colômbia, Honduras e Bolívia, obviamente obra e arte dos EUA. É uma situação extremamente difícil na política internacional. O imperialismo sofreu inúmeras derrotas recentemente, o que o torna extremamente agressivo, especialmente em relação ao espaço geopolítico que consideram seu “quintal”, a América Latina.

O governo Lula está apostando nos resultados da economia para ganhar margem de manobra e sobreviver politicamente. O problema é que melhoras discretas na economia muitas vezes não aparecem para a população como sendo fruto das políticas federais. Não adianta apenas ter uma taxa historicamente baixa de desemprego, precisaria reduzir substancialmente cerca de 55 milhões de trabalhadores que estão vivendo no inferno da economia informal, ganhando pouco, sem direitos, e condenados a viver de favor na velhice.

Não adianta pequenas melhorias estatísticas no emprego e no crescimento. Para a população pobre e assalariada, um crescimento de 2,5% ou 3% é praticamente imperceptível. Apesar de importantes para as autoridades públicas e analistas, a população pobre (que é muita gente no Brasil) nem ao menos percebe esses pequenos avanços. Pelo que se pode ler e escutar na mídia, vem aí mais um “ajuste” fiscal. A fórmula do gosto dos banqueiros para resolver o que chamam de “escalada da dívida pública”, é propagandeada diariamente na mídia: limite do gatilho para despesas obrigatórias; mudanças no Fundeb; revisão da política de reajuste do salário-mínimo e desindexação dos pisos de saúde e educação. Se colocada em prática, essa fórmula irá agravar ainda mais os problemas do Brasil.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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