Por quê estou vendo anúncios no DCO?

Ric Jones

Médico homeopata e obstetra. Escritor, palestrante da temática da Humanização do Nascimento no Brasil e no exterior.

Coluna

Parto é Pauta

É essencial incluir parto e nascimento nas pautas feministas

Milhares participaram de uma marcha convocada pela plataforma social ‘Ni Una Menos’ (Nenhuma a menos) em Buenos Aires, Argentina, 19 outubro 2016.

Em uma reunião político-partidária na qual estive envolvido há alguns meses, escolhi fazer parte do grupo temático que debateria as questões das mulheres. Minha experiência de quase 40 anos escutando suas queixas, sonhos e alegrias (acreditava eu) poderia ser útil para o debate. Por certo que acabei chamando a atenção por ser o único homem em um círculo composto por duas dezenas de mulheres de várias partes do Brasil, de diferentes etnias e de distintas classes sociais. Mas, como acho que todos temos o direito de cultivar e expor nossas perspectivas sobre qualquer problema social, permaneci sentado aguardando humildemente a oportunidade de me manifestar. Eu temia o que estava para ocorrer, e por isso mesmo estava preparado para desafiar o padrão dos debates. A coordenadora listou, como sugestão, que fossem debatidos três temas essenciais, os quais eu já sabia de antemão que estariam presentes.

1. Trabalho doméstico, 
2. Descriminalização do aborto e
3. Violência contra a mulher.

Fácil adivinhar, não? Estes são os três temas mais comuns em todos os debates feministas, e não há como negar sua importância ou relevância. O trabalho doméstico é um ponto nevrálgico da sociedade capitalista ao manter a mulher atrelada a uma rotina de trabalho estafante e não remunerado, condenando-a à dependência econômica e/ou à tripla jornada, sacrificando sua saúde e seu lazer. O debate sobre a dinâmica desse labor é essencial para a emancipação da mulher, a qual jamais ocorrerá sem a conquista de sua independência financeira.

Já o aborto é uma questão de saúde pública, mas, anterior a isso, está o direito das mulheres de disporem livremente sobre seus corpos e seus destinos. É, portanto, um tema relacionado aos mais básicos direitos humanos reprodutivos e sexuais, pois tem repercussão na saúde e na proteção das mulheres. A luta pelo aborto livre e seguro não pode faltar em nenhum debate que se proponha a proteger socialmente as mulheres e seus filhos.

Por último, a violência doméstica contra a mulher. Triste perceber que este drama social teve um aumento de significativo durante a tragédia social dos governos Temer/Bolsonaro, mas também em função da pandemia e da crise que a antecedeu. Durante todo ano de 2020, 1.350 mulheres foram vítimas de feminicídio, número 0,7% maior que no ano anterior. O número de chamadas por violência doméstica para o 190 (Polícia Militar) subiu 16,3% e chegou a 694.131 no ano passado. Todavia, a única resposta que temos oferecido a este problema nos últimos anos tem o caráter punitivista da Lei Maria da Penha, que jamais solucionou o problema da violência de gênero porque ataca apenas a ponta do iceberg: o resultado social das frustrações acumuladas transformadas em violência. Como todas as ações que apontam para a punição, esta é mais uma medida de resultados pífios; a causa, como sabemos, é a perversidade do capitalismo, porém nos parece mais fácil encarcerar pretos e pobres do que sanar nossa ferida social crônica da iniquidade e da opressão. Finda a apresentação, eu sabia que a mesma lacuna desses grupos se repetiria e, por isso mesmo, pedi a palavra em primeiro lugar para que as pessoas que se manifestassem depois de mim pudessem pautar suas falas com o que eu tinha para lhes dizer. Olhei para minhas colegas de causa socialista e disse:

“É provável que a maioria de vocês nunca passe por um aborto. Algumas, espero, nunca serão vítimas de violência de gênero, ao menos por aquelas agressões mais grosseiras. Algumas de vocês talvez tenham companheiros dispostos a dividir tarefas no lar. Entretanto, TODAS vocês estarão marcadas pelo parto, sem exceção. Sim, porque se não tiveram a oportunidade de parir, ou sequer desejam passar por esta experiência, certamente chegaram a este mundo através de um parto. Não é exagero dizer que o nascimento é um dos eventos mais marcantes na vida de homens e mulheres e nele podemos ver claras as marcas do capitalismo e do patriarcado, momento em que seus valores serão impostos e reforçados.

O nascimento de uma criança é o momento onde mais ocorre violência contra a mulher, que vai se manifestar na visão diminutiva e defectiva sobre ela, nas práticas desnecessárias, nos procedimentos anacrônicos, na perda dos seus direitos, no silenciamento da sua voz e na visão depreciativa que a sociedade lança sobre suas capacidades de gestar, parir e maternar com segurança.

Não haverá nenhum avanço nas lutas das mulheres sem que o parto e o nascimento livres tenham um lugar de destaque nas lutas pela dignificação feminina. É preciso que a esquerda se dê conta da importância do parto no discurso de emancipação das mulheres. Como dizia Máximo Gorky “só as mães podem pensar no futuro, porque dão à luz a ele em suas crianças”, mas, digo eu, elas também vão parir e educar os reacionários, e por isso estas mulheres precisam encontrar no parto o momento de revolução de sua autoimagem, tornando clara sua nova trilha de autonomia, valor, coragem e liberdade – na direção do socialismo”.

Surpreendentemente todas as mulheres presentes concordaram que esse deveria ser um tópico que não poderia faltar, e muitas deixaram em suas falas depoimentos pessoais de maus tratos obstétricos, inclusive citando a epidemia de cesarianas como um aspecto dessa violência, que se mascara como cuidado tecnológico, limpo e asséptico, mas que, em verdade, é dominado por uma perspectiva autoritária e alienante, tornando as mulheres prisioneiras de uma lógica intervencionista e despersonalizante. Mais tarde o trabalho do grupo temático foi lido na plenária e fiquei muito orgulhoso de ver a violência obstétrica levada a todos os congressistas como um tema que não deve jamais ser esquecido – como historicamente o foi – nas pautas de luta das mulheres. Por fim, mesmo que ainda testemunhemos violência e abusos na atenção ao parto, não há porque naufragarmos no mar do pessimismo, pois sempre haverá motivos para manter a esperança.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.