Bernardo Bertolucci é um cineasta italiano que iniciou sua carreira muito jovem nos anos 1960. Falecido em 2018, sua obra tem filmes muito bons, como O Conformista (1970) e outros nem tanto.
Em um dado momento, ele abandonou suas convicções políticas e passou a realizar filmes americanos de grande orçamento, como O último imperador (1987), pelo qual ganhou o Oscar de melhor diretor.
Essa oscilação temática e formal faz com que seu legado seja ambíguo para a história do cinema e não esteja à altura do seu potencial como artista. Foi uma escolha individual.
De certa forma, podemos dizer que Bertolucci capitulou. No IMDB, uma espécie de enciclopédia do cinema, há uma frase em que ele diz que “eu vivi em uma espécie de sonho do comunismo”.
Isso diz bastante sobre os temas que escolheu e sua abordagem. Seu filme Os Sonhadores (2003), retoma um tema que lhe era caro: a juventude revolucionária da década de 1960. É de certa forma uma refilmagem de Antes da Revolução (1964), em que ele trabalha com a alienação da juventude pequeno-burguesa diante da impossibilidade de transformação histórica.
No fundo, Bertolucci retrata sua própria história como militante do Partido Comunista italiano. Para ele, a causa revolucionária era um sonho juvenil, o que de certa forma está retratado em seus filmes.
Em Os Sonhadores, três jovens, o americano Matthew (Michael Pitt) e os irmãos gêmeos franceses Isabelle (Eva Green) e Theo (Louis Garrel) dividem por um mês o enorme apartamento deixado vazio pelos pais que viajam. Em meio a descobertas sexuais, eles discutem os problemas de seu tempo e o cinema, uma paixão comum.
O apartamento burguês antigo e a relação dos três jovens, inclusive o incesto entre irmãos, criam um ambiente evocativo de transgressão que lembra os escritos de Sade nos anos da Revolução Francesa. A libertinagem e a figura do libertino é o centro da obra política do escritor, que Bertolucci retoma tanto nesse filme, quanto em O Último Tango em Paris.
No caso de Os Sonhadores, os personagens são retratados como jovens ingênuos que utilizam a experiência sensorial como uma espécie de ritual de passagem para uma vida adulta considerada adequada em uma sociedade de mercado. Presos no apartamento em seus jogos sexuais, enquanto as manifestações de 1968 acontecem, seus experimentos sádicos, no sentido de evocar Sade, revelam uma certa decadência que beira o niilismo e à incapacidade de efetivar mudanças.
Matthew é colocado como narrador em voice over, dando a entender que é seu ponto de vista que vemos no filme. Seguindo o lema hippie de paz e amor, ele é contra a violência e, portanto, de qualquer forma de ação. Já os gêmeos participam da luta, mas mais por que ela está acontecendo e não por convicção.
Bertolucci ressalta a beleza decadente desta juventude na Paris de 1968, talvez para falar da sua própria juventude, do cinema e até como recado para aqueles que eram jovens em 2003, quando o filme foi lançado. É sintomático da sua própria trajetória. No ano de 2003, bom lembrar, os estadunidenses invadiram o Iraque.
De concreto mesmo é que as contradições do capitalismo são tão fortes que as reações individuais não fazem muita diferença. A revolução traída de 1968 nos fez chegar até aqui, neste momento histórico cada vez mais fascista e reacionário. A crise, as mortes e a luta só se intensificam e cabe a nós entendermos de vez que o ponto de ruptura, tão incompreendido pelos que vieram antes de nós, é nossa única esperança de futuro.