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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

Coluna

Os clássicos e a poesia contemporânea

A leitura dos clássicos e os poetas e leitores contemporâneos

Há muitos bons poetas na literatura brasileira contemporânea, todavia, há muitas bobagens circulando no meio literário; entre elas, cabe mencionar duas: (1) a valorização tardia da velha poesia confessional; (2) a ideia infantil de desprezar os clássicos, mesmo sem saber bem o que seriam “os clássicos”. Em vista disso, ninguém pretende desvalorizar a poesia sentimental, quem lê Federico García Lorca ou Juan Ramón Jiménez jamais faria isso; contudo, o que se leva a cabo, em termos de poesia confessional, não passa de transcrições de diários íntimos pueris, cuja forma poética se realiza por meio de versos construídos apenas em função da sintaxe da oração. Trata-se de duas questões textuais; a primeira diz respeito às formas de conteúdo e, a segunda, às formas de expressão.

Quais seriam os temas da poesia? O que cabe na literatura? Para responder, há a necessidade do mínimo de familiaridade com os muitos temas desenvolvidos por poetas e prosadores ao longo das histórias das literaturas, com, justamente, a finalidade de saber como se colocar diante do papel em branco, sem ingenuidades, na hora de escrever. Quando Fernando Pessoa concebe os heterônimos, antes de o fazer em função de sentimentos – difíceis de decifrar, uma vez que, segundo ele mesmo, seriam fingidos –, o poeta considera três respostas à literatura tanto dos pares quanto dos antepassados: (1) Alberto Caeiro responde à tematização da natureza; (2) Ricardo Reis responde às leituras dos clássicos; (3) Álvaro de Campos responde ao futurismo. Por isso mesmo, há muito mais entre a inspiração e os sentimentos do que imagina a vã subcultura burguesa e a inflação do ego, disfarçada de emancipação do eu, mediante supostos amores impossíveis.

Não basta fazer do poema o relatório dos danos do cotidiano, feito diário íntimo, um blog, o Facebook etc.; isso quase todo mundo faz e, por decorrência, torna-se fácil demais ler tais poesias. Dessa perspectiva, conceber suas formas de conteúdo equivale a insistir que ela se conforme ao mundo, submissa, em vez de transformar as ideologias por meio do discurso, esse, sim, o suporte do pensamento humano.

O mesmo se observa a respeito das formas de expressão. Abolir o verso não significa deixá-lo à revelia da sintaxe; esse se revela, justamente, em nome da presumida liberdade, o critério seguido, às vezes alienadamente, pela maioria dos poetas contemporâneos. Dessa maneira, a musicalidade prosódica desaparece em boa parte dessa poesia, fazendo com que a riquíssima tradição do verso em língua portuguesa surja restrita à simples disposição dos constituintes da oração. Em termos bastante simples, sendo a oração formada por sujeito + verbo + complementos + adjuntos adverbiais, nossos poetas tendem a construir versos, por exemplo, assim: sujeito + verbo / complementos / adjunto adverbial / adjunto adverbial / adjunto adverbial. Ora, isso não é verso, isso é prosa em que se deu “enter” no teclado… não é fácil compreender como tal prisão sintática possa ser chamada liberdade criativa.

No meio de tamanha fragilidade literária – e, por que não dizer, de vida, em suas dimensões políticas, eróticas, intelectuais e, até mesmo, sentimentais –, há ainda aqueles que desprezam “os clássicos”, desdenhando de quem se opõem a tamanha infantilidade. Os clássicos, isto, sim, possuem função maior que a fruição poética, constituindo-se, enquanto obras, por modelos ímpares de conduta humana.

O “Mahabharata”, por exemplo, ensina política – a passagem do jogo de dados entre Duryodhana e Yudishsthira ou as soluções de Draupadi em relação ao Dharma – e o que poderia ser êxtase religioso – evidentemente, refiro-me aos versos do “Bhagavad-gita” –; a “Ilíada” ensina constantemente a lidar com a ira e com os idiotas – Aquiles e Palas Atena contra Agamenon –; a “Odisseia” ensina a ludibriar os imbecis – a retórica de Odisseu diante de seus amigos e inimigos –; há mais ensinamentos sobre amar na “Eneida” – o amor entre Dido e Enéias – do que em todo sentimentalismo contemporâneo.

Mas seriam estes os clássicos a que se referem aqueles que desdenham de ler? Estariam eles falando de Dante e Ariosto? Mas Dante é medieval e Ariosto, renascentista. Entretanto, nada se compara ao esoterismo de Dante e ao tema da cavalaria em Ariosto; os atuais leitores de R. R. Martin, certamente, se conseguissem superar os preconceitos acerca da composição por versos, iriam se surpreender com as aventuras de “Orlando Furioso”. Trata-se do Barroco? Mas como não adorar Satã e sua rebelião contra os valores reacionários da monarquia e do cristianismo, em “O Paraíso Perdido”, de Milton? Seriam, então, os românticos? Fica difícil compreender o mundo burguês e como nele viver sem admirar as relações entre Fausto e Werther, ambos de Goethe. Enfim, será que os apedeutas falam dos modernos quando se referem aos clássicos? Deveríamos deixar de ler Ezra Pound, James Joyce, Stéphane Mallarmé, e. e. cummings porque são difíceis de entender? Se a questão é com a língua portuguesa, devemos desprezar Fernando Pessoa, Ana Hatherly, E M de Melo Castro, Pedro Xisto e Edgard Braga pelos mesmos motivos? Parece que, para aqueles que desprezam a leitura dos clássicos, clássico se resume a qualquer texto mais sofisticado que a leitura de crônicas ou a audição da lamentável MPB posterior aos anos 1990.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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