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Carla Dórea Bartz

Jornalista, com 30 anos de experiência (boa parte deles em comunicação corporativa). Graduada em Letras e doutora pela USP. Filiou-se ao PCO em 2022.

Coluna

O Oscar do genocídio

Filme ganhador do Oscar apenas repete uma receita para glorificar o capitalismo

Nesse final de semana, tivemos a premiação da academia estadunidense de cinema. Entra ano e sai ano, é o mesmo espetáculo televisivo de auto-louvação de uma cultura cinematográfica que é mera propaganda capitalista.

Antes de irmos em frente com as pauladas merecidas, gostaria de deixar um esclarecimento: a cultura norte-americana é diversa como a brasileira e cria formas de expressão e de representação únicas que precisam ser admiradas e colocadas no seu devido lugar. A simples vilanização dessa cultura não nos ajuda em nada e a população trabalhadora estadunidense merece nossa solidariedade como qualquer outro povo oprimido do mundo. Contudo…

Contudo, a academia estadunidense de cinema é usada como uma das ferramentas de propaganda mais poderosas do mundo pela plutocracia desse país. Ela é uma arma de guerra, de colonização e de destruição de culturas. Na premiação anual que reconhece os filmes que mais perseguiram e alcançaram essas metas de destruição, o espetáculo foi o mesmo, como se não estivesse acontecendo nada no mundo digno de nota.

Como um programa televisivo muito brega, alinhado até o último fio de cabelo com a mídia hegemônica, Hollywood nos mostrou discursos frágeis a favor da Ucrânia (claro), a favor dos identitários (óbvio) e tímidos broches a favor da Palestina (ufa!). Do lado de fora, no entanto, uma multidão protestava a favor do Hamas, o que atrasou o início da cerimônia. Há de se reconhecer que, até em Los Angeles, a percepção sobre a atual conjuntura histórica é melhor do que em setores da pseudo-esquerda brasileira.

Mas o que importa mesmo é a escolha final do melhor filme, que fecha a espetáculo e que revela, pelo peso e importância do acontecimento, a real intenção da premiação. É como um recado.

E a mensagem deste ano foi clara na barbada chamada Oppenheimer, uma biografia sobre o físico que ficou conhecido como o criador da bomba atômica. O filme foi dirigido por Christopher Nolan. Neste mesmo espaço que o PCO me concede, já escrevi inúmeros comentários sobre o fato de que este cineasta é um representante da direita estadunidense. Sua vasta filmografia e a carteira recheada de prêmios só comprovam isso.

Oppenheimer foi o recado da academia para o genocídio em Gaza. Esses acontecimentos se ligam pelo nosso caldo histórico e representam os dois lados da luta de classes. Como na física, são a ação e a reação. Como a realidade e a ficção. Revolução e contrarrevolução. E a reação de Hollywood à Revolução Palestina é premiar um filme que glorifica o gênio da raça capaz de destruir mundos.

Oppenheimer é um filme ruim demais: é contra as classes trabalhadoras do mundo e é contra sua emancipação. Por isso, elenco a seguir alguns truques que, espero, ajudem quem for ver o filme a entender suas contradições:

  1. A forma escolhida não poderia ser mais de direita. É a narrativa clássica hollywoodiana com todos os seus truques dramáticos. Há dezenas de livros e críticos de cinema que apontam que essa forma narrativa é apenas um artifício para disfarçar a luta de classes. Ismail Xavier, um dos nossos melhores críticos de cinema, fala muito sobre isso no livro A Opacidade e a Transparência.
  2. O enredo segue essa receita passo a passo. Elege-se o herói (Oppenheimer), o vilão (Strauss), as cenas de emoção, as de suspense, a música: tudo está ali como uma fórmula infalível. O fato de ser premiada só aponta que a academia protege essa criação com fervor mitificador, com devoção sagrada. É como um tesouro. Se quiser ganhar um Oscar, use a receita.
  3. Um de seus dogmas é o foco no herói. Para fazer um filme, é necessário colocar um herói em ação. O problema é que o foco no indivíduo Oppenheimer dilui a conjuntura histórica que se almeja representar. Ao apagar a história, sobra a visão enviesada dos criadores do filme sobre o que pode ter acontecido naqueles anos do projeto Manhattan. Trata-se de uma contradição difícil de esconder: o que se assiste não é uma representação acurada da história, mas das ideias dos indivíduos que produziram o filme agora. 
  4. Para que a receita não pareça óbvia e tenha ares de alguma realização artística relevante, são colocados artifícios de edição que não mudam muito as coisas. A história é contada em vários períodos de tempo, intercalados de maneira proposital, ou seja, quebra-se com a linearidade temporal para criar uma ideia de edição difícil, requintada e artística. Usa-se em certos momentos a fotografia em preto e branco. A maquiagem, a recriação de figurinos e de cenários históricos é absolutamente realista, ajudando quem assiste a entender em qual período de tempo a narrativa está.
  5. As elipses, os jogos de palavras e os diálogos rápidos acentuam a “seriedade” oscarizável do filme.
  6. Os atores famosos e conhecidos, em papéis “sérios”, conferem prestígio à película, elevando-a à categoria de arte. Um destaque é a presença de Robert Downey Jr., que passou os últimos 20 anos atuando como um bilionário vendedor de armas e herói da Marvel.
  7. O tema tem que ser politicamente relevante, como a criação da bomba atômica e, claro, “baseado” em fatos reais.
  8. Para que a receita seja elevada à categoria do Oscar, os personagens precisam ser ambíguos de certa forma. Precisam conter uma certa dose de psicologia rasa que os afaste da forma chapada e inverissímil do bem absoluto ou do mau absoluto. São seres humanos como nós, com dúvidas existenciais. “Jogo uma bomba atômica em Hiroshima ou Kyoto”?
  9. A duração do filme é fator crucial para ganhar um Oscar: arrasto a minha enrolação relativista pós-moderna sobre guerras atômicas por três horas. Mas não falo nada de muito profundo. Nunca.
  10. Estabeleço para a audiência a genialidade do meu personagem principal com rapidez para que ninguém perceba a falta completa de sentido. O infeliz é um desajustado, como todos os nerds representados no cinema nos últimos anos, mas conhece tudo sobre física a ponto de estar além dos medíocres professores. É aluno de mentes brilhantes na Inglaterra, na Holanda e na Alemanha (no pré-guerra). Aprende holandês e alemão em instantes. Aprende sânscrito. Mas não sabe nada sobre a crise de 1929, a ascensão do fascismo na Alemanha ou a luta comunista na Europa naqueles anos.
  11. Pior, o Openheimer de Nolan leu os três livros do Capital, de Karl Marx, em alemão, para chegar à conclusão que o comunismo é um dogma. Ao colocar essa linha na boca de seu personagem principal, que é um gênio da raça, segundo ele, Nolan apenas quer que sua audiência – em 2024 – concorde que o comunismo é um dogma. A contradição está no fato de que se Oppenheimer de fato estudou as teorias de Marx, seria óbvio que ele conhecesse materialismo histórico e dialético como método científico. Ah! Mas isso o filme, como pura peça de propaganda, nem sonha em abordar.
  12. O pior é que Oppenheimer tem uma amante que se mata. A única comunista de fato no filme. Alguma relação entre suicídio e comunismo aqui? Não. Imagina!

O fato é que temos que assistir Oppenheimer não como uma representação de um acontecimento histórico, mas como a apropriação de um acontecimento histórico que é deturpado e encaixado na forma narrativa, que se quer naturalista, para que nos venda falsas interpretações sobre o momento presente e sobre o que aconteceu no passado de acordo com os interesses de quem o produz e premia.

Um dado me chamou a atenção, mas aqui deixo somente como conjectura, pois não tenho informação concreta. Nolan ressalta que os cientistas responsáveis pelo projeto Manhattan, em quase sua totalidade, eram judeus. O filme aponta isso como um dado positivo da resistência judaica de esquerda diante da calamidade nazista. É uma questão moral que sai da boca do próprio personagem Oppenheimer e que justifica em parte suas ações.

Porém, diante do que sabemos hoje sobre o sionismo – que tem aflorado em toda a sua bestialidade e horror contra os palestinos -, da capitulação total do personagem principal à construção de uma arma de destruição em massa, sabendo ainda sobre o poder financeiro dos grupos midiáticos que financiam o cinema norte-americano e do poder de uma premiação como o Oscar, coloco a pergunta: eram só judeus os que trabalharam no projeto Manhattan? São só judeus os que produziram esse filme?

As bombas que estabeleceram os Estados Unidos como império (isso não é colocado no filme) explodiram em 1945. A criação do estado de Israel na Palestina, naquela carta dos Rothschilds, é de 1948. Na decisão de explodir a população civil de Hiroshima e de Nagasaki, ajudou o fato de que os japoneses não eram ocidentais judaico-cristãos eleitos e superiores como também hoje os palestinos não são? Isso o filme também não aborda.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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